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Carlos Edu Bernardes

O Hospital

Almas puras desembarcam ali | 02.04.12 - 12:36

Eu moro perto de uma estação aonde chegam e partem pessoas todos os dias: é um hospital imenso. Às vezes, à noite, olho pela janela, acordado que estou pela minha inseparável companheira insônia, e vejo sempre muita movimentação no seu interior. Em meio a luzes quase opacas não é difícil imaginar que ali alguém está morrendo, ou nascendo.
 
É um hospital público, o seu expediente é único e sem pausas. Nele, muitas vidas entram na fila para se extinguirem, pois, tão carentes de médicos e medicamentos, quando vêm até um hospital dessa natureza é porque a saúde já suportou de tudo. E desoladamente, já vi acontecer, algumas abandonam de vez e silenciosamente seus corpos debilitados ali mesmo no corredor, porque morrer não espera.
 
Por outro lado há vidas que entram na fila para darem luz a outras vidas. Instantes em que prorrompem novíssimas e frágeis presenças, delicadamente transportadas pelos mesmos corredores, porque nascer também não espera.

Nalgumas vezes, percebo crianças já crescidinhas nas janelas esboçando um tchauzinho entre um sorriso e uma careta, inocentes das coisas que acontecem ao seu redor. Vívidas, porque protegidas pelas suas infâncias, dão a impressão de estarem no assento traseiro de um carro de passeio ou simplesmente indo para a escola num banco de ônibus. Mas, naquele hospital público e superlotado, elas não me parecem estar repetindo esses gostosos momentos.
 
De repente, pressinto algo que, apesar de corriqueiro, ainda me soa incomum: é quando os quartos estão vazios exalando um previsível anúncio da chegada de alguém, que já sem sorrisos, aguardará serenamente a sua partida.
 
Por isso, poucos entram nos quartos e saem pela mesma porta que entraram. E assim, voam madrugada a fora pelas janelas, pelos vãos dos prédios, leves e tranquilos e, talvez, até se espantem ao me notarem concentrado em algo que não posso ver...

Daí eu sempre me pergunto: serão somente pessoas todos aqueles seres de branco a transitar por aqueles recintos? Serão apenas doentes, moribundos ou enfermeiros a caminhar para lá e para cá, alguns tão levemente, outros tão pesadamente, mas todos se movendo incansáveis e resignados num mesmo lugar?

Ademais, flutuarão perto da minha janela as alminhas puras de bebês desembarcando ali tão cheias de esperanças? Subirão as almas de pessoas, agora isentas das suas histórias, bebendo o espaço numa outra dimensão, pois estaria certo Fernando Pessoa quando escreveu: "A vida é uma estrada. Só porque você fez uma curva e ninguém mais o vê não quer dizer que você deixou de existir."?
 
A partir de hoje colocarei flores na minha janela.

Carlos Edu Bernardes é  Graduado em Filosofia pela PUC-GO, especialista em Educação Ambiental pelo SENAC-GO e especialista em Produção e Gestão de Projetos Culturais pela UFG 

Comentários

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  • 30.04.2012 11:40 Carlos Edu Bernardes

    Adorei o comentários de vocês, queridos Paulo Eduardo, Tarsila, Sávia, Renata, Talmita, Romualdo, Nalú e Ede! Obrigado! Beijos!

  • 23.04.2012 02:38 Ede Bernardes Del Franco'

    Carlos A profundidade do texto vai além, muito além da sensibilidade da observação...É na verdade uma autêntica e perfeita oração. A rosa na janela engrandece o momento, reforçando a oração. Até nas flores se encontram a diferença da sorte: "umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte!" Você é um privilegiado, adorei! Beijos, Ede.

  • 18.04.2012 06:21 Nalu

    "porque morrer não espera." Ai, lindo!

  • 16.04.2012 11:05 Romualdo Pessoa Campos Filho

    Carlão, esse seu texto me traz tristes lembranças. Você sabe porque. E não foram poucas as vezes em que me vi fazendo essas mesmas indagações que você faz nesse belo texto. Por duas vezes convivi com minha filha internada no hospital, uma por dez dias e da última vez, fatidicamente, por três dias. Não posso ver uma criança sofrendo, não posso ver uma criança no hospital que me lembra esses momentos. Tentávamos evitar, mas esses questionamentos se faziam sempre presentes. Claro, sempre imaginávamos poder sair dali com ela para nunca mais voltar. Não foi o que aconteceu, ela seguiu por aquela curva citada no poema de Fernando Pessoa. Parabéns pelo seu texto, como você vê, ele me deixou emocionado. Abç.

  • 16.04.2012 08:23 Talma Lennon

    Um texto para se meditar... Eu acho essa sua janela muito triste, Carlos Edu... O remédio é colocar flores mesmo! Um abraço Talma

  • 16.04.2012 06:11 Renata Franco

    Verdadeira oração em beneficio dos que chegam ou daqueles que partem, dos que permanecem ou ainda daqueles cujas mãos emprestam para oferecer esperança e alento. Que o perfume das flores de sua janela, possa estar presente em cada cantinho também de sua vida e de cada curva de sua estrada. Sou sua fã Carlão! Grande beijo. Renata

  • 15.04.2012 08:34 Sávia Diniz

    Texto maravilhoso, Carlos Edu. Vi as flores na janela. Elas estavam lindas, viçosas, bafejando de lembranças e esperanças, os que foram e os que ficaram. Aliás, ao final, vi as flores da janela...

  • 15.04.2012 08:26 Sávia Diniz

    Parabéns Carlos Edu, pelo belíssimo texto!!! Após terminar a leitura, fiquei a pensar, se as flores na janela deveriam ser de plástico, aveludadas, para sempre gotejando seu frescor artificial; ou, naturais, reais, para sempre perfumando as lembranças, da vida e a morte...

  • 15.04.2012 07:10 Tarsila Bittencourt

    Esse texto é de uma sensibilidade extrema. Tenho sentimentos semelhantes quando vejo as luzes da cidade, as janelas. Cada ponto de luz uma dor e uma historia diferente. Otimo texto, Carlao! Parabens!

  • 15.04.2012 06:58 Paulo Eduardo Costa

    Clássico!!!!

  • 15.04.2012 06:57 Paulo Eduardo Costa

    Clássico!!!!!

  • 15.04.2012 06:56 Paulo Eduardo Costa

    Clássico!!!!

  • 14.04.2012 09:39 Carlos Edu Bernardes

    Novos e tocantes comentários de Christian, Roberta, Cristina, Mariana, João Edson, Régis, Rafael, Chavinho, Jéssica e Renata. Obrigado, galera! Estou muito contente pelo fato de vocês terem captado emoções até mesmo além do que foi descrito. Estamos sintonizados. Isso é ótimo! Beijos!

  • 13.04.2012 06:25 Renata Franco

    Verdadeira oração em beneficio dos que chegam ou daqueles que partem, dos que permanecem ou ainda daqueles cujas mãos emprestam para oferecer esperança e alento. Que o perfume de suas flores, possam estar presentes em cada cantinho também de sua vida e de cada curva de sua jornada. Sou sua fã Carlão! Grande beijo.

  • 13.04.2012 04:46 JÉSSICA OLIVEIRA FERREIRA

    Sensacional... Quando concluir o meu curso quero levar comigo este texto, para ter uma visão mais ampla sobre a vida e assim exercer a minha carreira com um pouco mais de carinho para oferecer as pessoas, afinal de contas é isso que eu escolhi para mim... "Cuidar de Vidas" Abraços!

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