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Gilberto G. Pereira

Olhar que esquadrinha as paisagens

Quem ama a cidade, vive-a | 02.08.11 - 19:12

 

 
Quem ama a cidade deixa-a morar por inteiro em sua alma, sem execrá-la por ser cruel e célere, vulgar e altiva, por ser bela, mas carregada de pequenos horrores. Não a nega por ser o lugar plural e volúvel, que num átimo muda as cores, os cheiros e as vias de acesso, esquecendo o primeiro afeto para beijar o outro que chega de repente.
 
Quem ama a cidade, vive-a, e a observa com uma espécie de desejo e repulsa que só a arte é capaz de traduzir. Em Goiânia há um homem assim, fascinado pelos signos das ruas, senhor de uma lente crivosa que tudo ama como quem se espanta, e olha para a capital goiana, onde nasceu, cresceu e se formou, com a mesma intensidade humana que usa para exercer sua profissão, a medicina.
 
Lourival Belém Jr., médico psiquiatra, trabalha visionariamente, em seu consultório, mas também nas ruas de Goiânia e nos presídios, dando pareceres psiquiátricos, ou orientando projetos ligados à rede de tratamentos alternativos.
Quando não está observando o outro dentro do consultório, observa-o dentro da cidade. E aí, o espaço se redimensiona, e também é onde podemos ver a verdade translúcida de si mesmo. Ele não deixa o médico, por não ter dupla personalidade. Não vem de Stevenson. O que faz é tornar dominante o lado cineasta, cujas lentes já captaram muitas cenas de alcance estético impressionante.
 
Já fez mais de dez documentários, como o recente Recordações de um presídio de meninos (2009). Os mais interessantes, no entanto, são aqueles que trazem no título a palavra que lhe é cara, cidade: As cidadelas invisíveis, de 2001, premiado com o FICA daquele ano e com o Goiânia Mostra Curtas; Concerto da cidade (2005), que também ganhou o FICA; e Imagens das cidades dos homens (2005).
 
São todos trabalhos em que os espaços são multivalorizados e o cineasta recria as simbioses urbanas, o confronto, e o conflito, entre o homem e o meio social, o meio ambiente e o cotidiano das transformações. Belém pensa a cidade pela lógica da convivência, ao mesmo tempo que nos mostra o estrago causado pela exclusão.
 
Concerto da cidade, por exemplo, é sobre o desconcerto do mundo. Ele parte da aniquilação das árvores no centro de Goiânia, na Avenida Paranaíba, para a instalação do Mercado Aberto, o rearranjo de camelôs que ocupavam os canteiros das Avenidas Goiás e Anhanguera.
 
As cenas se articulam internamente sob o ronco das motosserras, o ruído do trânsito, as vozes das pessoas e o som de instrumentos musicais. Tudo vai se comunicando, desconstruindo um sentido para recriar outro. A música, a vida, a dança, um balé de singelezas no meio da fúria e das intersecções, acompanham o espaço sendo modificado, seguem os membros desconjuntados das árvores caindo na avenida.
 
Em As cidadelas invisíveis, ele questiona a repressão psiquiátrica, o discurso excludente da medicina e do poder, a tendência à segregação de quem manda na cidade. Nesse filme, Belém procura explorar o controle dos espaços urbanos e a maneira como isso ressoa na subjetividade.
 
Mas talvez Imagens da cidade dos homens seja seu filme mais visto, e é o que concentra o maior grau de beleza. Polifônico, traz a marca das diversas mídias, do jornal ao rádio, e das diversas artes, da literatura ao próprio cinema. É como se quisesse recuperar o valor da cidade com o olhar. 
 
A ironia e o jogo de metáforas também são bastante expressivos neste filme de 19 minutos. Há um texto soberbo mostrando uma paisagem carcomida em determinados trechos da cidade e sua reconstrução, de outro modo, em outra geografia. Na metade da película, há uma cena aérea que resume o olhar de Belém.
 
Nessa cena, Goiânia é flagrada do alto no marco zero, captando o desenho da cidade que lembra um olho, uma íris. Imagens da cidade dos homens é o filme-síntese de Belém. É o reflexo de sua própria alma, plural. É um olhar que esquadrinha as diversas paisagens sociais, e um belo exemplo de que podemos escolher o foco de nossa visão, seja ela estética, política, social ou ambiental.
 
Gilberto G. Pereira
é jornalista, editor de Comunidades/Cultura da Tribuna do Planalto e do blog www.leiturasdogiba.blogspot.com

 


Comentários

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  • 20.08.2012 02:24 leticia teixeira

    Preciso muito deste documentário. Onde posso assisti lo ou fazer o download? obrigadacopyright.

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