(Foto: News/Adam Ward)
Goiânia - Na conversa de sofá entre comadres, a mãe do moleque diz que ele mal nasceu e já sabe tirar foto, editar texto e postar em mil e uma redes sociais. As amigas se encantam!
Concordam em uníssono: É, as crianças de hoje estão muito mais inteligentes. Uma delas conta da desenvoltura com que o filho mexe no celular – não precisou aprender, parece até que já nasceu sabendo – ela diz, e seu sorriso revela um misto de triunfo e assombro.
As crianças são, de fato, criaturas incríveis. Assustadoras, para dizer a verdade. A clareza de suas mentes, a sinceridade de seus gestos, a simplicidade com que devoram o mundo ao redor me fazem pensar que nós, pobres adultos, vivemos um processo de involução. Saímos da obra-prima e passamos a ser rascunho; deixamos de ser borboleta e voltamos a lagarta.
Adultos se parecem mesmo com rascunhos e lagartas: nós somos gordos, cansados, aterrorizados, cheios de dores morais, dores filosóficas, dores nas pernas. Não conseguimos controlar nossas contas bancárias e nem nossos intestinos. Cada novo avanço tecnológico deixa muitos de nós sobressaltados. E se não formos capazes de dominar mais essa técnica? E se não nos inserirmos nessa nova realidade, nessa nova onda? E se ficarmos para trás?
E é então que parece natural voltar olhos assombrados para as crianças. Elas sim, sabem muito! Já nasceram inseridas, e dominam como ninguém a velocidade, a agilidade, a dinamicidade das tecnologias. Elas mexem em iPhones, iPods, tablets, gadgets, plofts, plufts, como se fossem brinquedos! Brinquedos! Mas sabe, cá com meus botões eu fico imaginando o que as crianças pensariam sobre isso tudo. Afinal, um ser humano recém-nascido precisa lidar com alguns dos processos mais complexos que existem. Imagina o que é aprender a falar! Conseguir realizar associações subjetivas entre signos linguísticos e fonemas, entre pensamento e estrutura gramatical.
Agora pensa o trabalho árduo, lento e doloroso de se imergir numa civilização sem nenhum tipo de referência prévia: compreender o que é certo, o que é errado, o que é bom, ruim... Pode nem parecer, mas as crianças estão seriamente empenhadas em trabalhos complicadíssimos. Então, o que diabos devem pensar quando veem que o que gera assombro em suas mamães e papais é a simples capacidade de mexer um dedinho pra lá e pra cá numa tela, ou de apertar um botãozinho colorido que faz tudo sozinho?
Não sei não, mas suspeito que a facilidade com as novas tecnologias se deve menos à inteligência dos pequenos e mais à infantilidade dessas tecnologias. Ora, a lei de ouro de gadgets e outras coisitas do tipo é ser cada vez mais simples, mais intuitivo, mais rápido , mais fácil de usar. Ou seja, demandar cada vez menos inteligência.
Tudo bem, nada mais justo! Afinal, a razão primeira de qualquer avanço tecnológico sempre foi facilitar aspectos da vida. Isso vale para tablets e arados, zíperes e satélites, pedra lascada , pedra polida e a Original Airfryer Philips Walita da Polishop, que frita batata frita sem óleo. Mas há um longo caminho entre o que a tecnologia faz para a sociedade e o que a sociedade faz de suas tecnologias.
É assustador como nós confundimos a razão original da tecnologia com a razão original da nossa própria existência. Estamos gentil e carinhosamente nos afastando, nos protegendo, nos escusando de tudo que é complexo, de tudo que é difícil, que demanda tempo e esforço.
Informação num piscar de olhos, comida pronta em três minutos, satisfazer a sua mulher na cama em sete passos, ficar rico em dez, faculdade em dois anos, e a salvação parcelada em até 12 vezes sem juros. Que as crianças de hoje são mais inteligentes que as do passado, disso eu não tenho nenhuma dúvida. Na verdade, meu receio mesmo é de que nós adultos estejamos nos tornando mais burros.
*José Eduardo M. Umbelino Filho é jornalista, mestre em Comunicação pela UFG e escritor membro da União Brasileira de Escritores – Seção Goiás.