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Othaniel Alcântara

Interpretação histórica da música clássica

| 01.09.14 - 19:43
Para ouvir durante a leitura:
Instrumentos de época em Toccata, da ópera L'Orfeo, de Claudio Monteverdi

Othaniel Alcântara*

Goiânia - Ouvir música na época da minha adolescência exigia um verdadeiro ritual. Envolvia, por exemplo, a limpeza do Long Play, o posicionamento da agulha da radiola, e por aí afora. Todas as etapas desse ritual eram realizadas, quase sempre, em um lugar fixo, apropriado, uma espécie de santuário.

Em uma dessas sessões, estreando uma nova aquisição, um LP dos quatro concertos para violino e orquestra da série As Quatro Estações do compositor italiano Antonio Vivaldi (1678-1741), percebi que a melodia estava soando com a afinação do diapasão calibrada abaixo dos habituais 440 Hz ou 442 Hz. Seria uma imperfeição do disco ou um defeito na vitrola? Enfim, após uma breve leitura das informações contidas na capa entrei no universo da chamada “interpretação histórica”.

Esse movimento ganhou força a partir do final dos anos 1950, principalmente com Gustav Leonhardt e Nikolaus Harnoncourt, que iniciaram as primeiras gravações buscando uma interpretação musical mais autêntica, mais próxima da concepção original do compositor e das características estilísticas dos períodos anteriores a Beethoven. Diferente da estética dos séculos XX e XXI, pautada nos conceitos românticos de interpretação.

Tal fidelidade é vista por alguns críticos como inalcançável. Do ponto de vista mais prático e menos filosófico, como conseguir se aproximar do significado dado pelo autor e seu tempo, se não havia, por exemplo, processo algum de registro sonoro como referencial? Apenas optar ou não por tocar em “instrumentos de época” como a viola da gamba (viola de perna) ou a teorba (um tipo de alaúde de pescoço longo) afinados com o diapasão em 415 Hz, proporciona uma execução mais “verdadeira” ou mais “honesta”?

O renomado maestro alemão Nikolaus Harnoncourt, primeiro a montar uma orquestra “permanente” de instrumentos antigos em 1953, afirma em seu livro Discurso dos Sons, que a escolha por instrumentos modernos ou da época em que a peça foi composta não é o cerne da questão e sim a concepção do intérprete, respaldada no exame da partitura, e na investigação histórico-estilística. Mas, como realizar esta investigação se as partituras, por exemplo, do século XVIII, quase não trazem indicação de dinâmica, fraseado, articulação, etc.

Para uma melhor compreensão do assunto, devemos levar em conta que existe uma grande diferença entre a práxis da intepretação atual e aquela, por exemplo, anterior à criação dos conservatórios de música, após a Revolução Francesa. Naquela época, o músico não aprendia apenas a cantar ou tocar seu instrumento, mas também a interpretar música.

Wolney Unes, um amigo e colega de trabalho, em seu livro Entre Músicos e Tradutores - a figura do intérprete nos orienta nessa questão quando diz que os compositores daquela época não se ocupavam em registrar fielmente suas intenções em suas partituras, já que os músicos e/ou intérpretes profissionais, eram versados na estética musical vigente, na linguagem musical de seu tempo.

Concordando com o violinista brasileiro Luis Otávio Santos, especialista na estética barroca, o verdadeiro intérprete tem que ter plena consciência de que não está fazendo uma volta ao passado, e sim criando uma tradição moderna da interpretação da “música antiga”.

*Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Comentários

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  • 16.03.2015 16:20 Pyero Talone

    Embora goste das gravações mais "romantizadas" das sonatas para flauta de Bach, é certo que mesmo os Galways da vida tiveram que (tentar) compreender a linguagem e a práxis da interpretação antigas. Ótimo texto!

  • 08.10.2014 22:20 Paula Ungarelli

    Também concordo com o violinista citado pelo senhor, professor Othaniel. Pois, da mesma maneira que um autor de um livro tem que ter plena consciência de que, por mais que tente escrever uma obra voltada para épocas antigas, essas nunca serão tão fieis as produzidas na época. Pois, por mais que se tenham diversos dados do período, a pessoa a escrever a obra, ou, nesse caso, a interpretar a obra, está em um período diferente e muito a frente, com outra bagagem! Parabéns pelo ótimo artigo, professor. Que esse espaço se perpetue, para que aspectos voltados para a música "antiga" possam ser elucidados e estejam ao alcance de todos!

  • 30.09.2014 14:10 Larissa Gonçalves Arcanjo dos Santos

    Olá professor Othaniel, Parabéns pelo excelente artigo, parabéns pelo grande esforço, é isso que faz valer a pena em ter interesse em aprender coisas novas como esse tema da Interpretação histórica da Música Clássica.

  • 27.09.2014 09:10 Denis R. Malaquias

    Parabéns Othaniel, otimo artigo! Nós só podemos ter certeza de que teremos uma interpretação de música antiga fiel aproximada daqui uns 200 anos, quando alguem for interpretar a nossa música de hoje com todos esses registros que temos...rs

  • 22.09.2014 13:07 Carla Gullo

    Oi Othaniel! Já sou leitora assídua. Acho que um exemplo interessante são as músicas da época para teclado no piano, até como forma de manter vivo o repertório da música antiga, já que instrumentos como o cravo e o clavicórdio são raros. Criar uma tradição moderna da interpretação da música antiga significa um consenso de como tocar entre os músicos ou uma criação individual que se torna uma tradição?

  • 16.09.2014 21:50 Amilcar Tomazini de Alcantara

    Muito interessante. Não tinha o menor conhecimento disso. Artigos como esse só nos enriquece.

  • 16.09.2014 18:32 Jackson de Souza Guedes

    Muito bom mesmo!!

  • 16.09.2014 17:15 Angela Bessa

    Fica aqui registrado o meu "like".

  • 13.09.2014 16:56 Eleusa Bonifácio Lino de Oliveira

    Muito bom!!! Continue a escrever.

  • 11.09.2014 08:51 Erika Rezende

    Ótimo artigo, muito esclarecedor! Aguardo o próximo!

  • 10.09.2014 21:54 MARÍLIA ÁLVARES

    Que bom saber de um espaço para se falar da rica música "clássica"! Tomara esta coluna prossiga por muito e muito tempo! Ganhamos todos que temos o privilégio de ler textos escritos por pessoas competentes, estudiosos e comprometidos em repartir com o público as maravilhas da arte musical!

  • 10.09.2014 20:23 Lílian Meire Silva C. de Mendonça

    Weil ich deinen Forschungsgeist schätze und respektiere, schreibe ich in der Sprache, welcher sich auch Bach, Beethoven, Bruch, Bruckner und Brahms bedienten. Der österreichische Musiker und Wissenschaftler Nikolaus Harnoncourt probte und unterrichtete ja ebenfalls auf Deutsch. Ich beglückwünsche dich, dass du den Mut aufgebracht hast, diese immer noch heikle Thematik zu kommentieren. Freilich sind heutzutage den Intentionen der Komponisten der jeweiligen Epoche nahekommende und deshalb zu neuem Leben erweckte Interpretationen historischer Musik kein Geheimnis mehr.

  • 09.09.2014 22:29 Jefferson

    Ótimo artigo, Parabéns ao autor!

  • 08.09.2014 21:41 Cauhe Barcelos Moreira Caetano

    Ótimo artigo , A redação esta de PARABÉNS pelo espaço a musica !!!!!!!

  • 08.09.2014 21:27 Nathália Nichiata Resende

    Muito interessante o artigo, essa reinterpretação de obras soa muito familiar também no âmbito das artes visuais, mas corremos o risco da violação de direitos autorais, por isso é um terreno perigoso dependendo da reinterpretação que se quer dar a determinadas características de uma obra tomando cuidado pra evitar o plágio. Espero por mais artigos trazendo novas discussões tão pertinentes quanto essa!

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