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Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara

Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

Música clássica

A música clássica no jazz

'Cruzamentos' de estilos musicais são comuns | 12.09.14 - 22:20
Goiânia - Este relato é verdadeiro e aconteceu com um colega meu. Vamos à cena: encontro o rapaz, à época estudante, com um semblante assustado, surpreso, no corredor da instituição de ensino onde trabalho. Acredito ter sido o primeiro a conversar com ele naquelas condições. Ouvi sua história, cômica na verdade, que incluía frases proferidas por um professor, segundo seu relato, transtornado: “Você está achando que isso não é sério?” ou a melhor de todas “Você já viu alguma foto de Beethoven sorrindo?”

Vamos esclarecer: ele havia sido flagrado em sala de aula, pelo seu professor de piano, digamos, exercitando sua criatividade, sua capacidade de improvisação, ao deixar uma sonata de Beethoven estilisticamente próxima ao jazz, uma de suas paixões.
 
Os anos se passaram e várias vezes esse episódio veio à tona em nossas conversas. Nem sei quantas vezes contei essa história dentro ou fora da sala de aula. E mais, foi até inspiração para um amigo de infância, o personal trainer Allan Vasques, que gosta de fazer uns rabiscos nas horas vagas.

Depois de insistir muito, consegui autorização para publicar sua criação aqui, desde que ficasse claro que se trata de um desenho feito por um artista amador. Então abaixo, um típico trio de jazz, formado por um piano, uma bateria e um contrabaixo acústico.


 
Na verdade, esses “cruzamentos” de gêneros musicais não são novidade(s). Um caso parecido é do pianista americano Bill Evans (1929-1980), uma celebridade do jazz moderno. Evans teve uma sólida formação musical, inclusive graduando-se em piano pela Southeaestern Louisiana College, em 1950. Teve contato com o jazz na escola regular; gênero que escolheu para a sua vida profissional. Foi pianista da banda (sexteto) do grande trompetista e compositor Miles Davis, inclusive participando da gravação de Kind of Blue (1959), álbum que para boa parte da crítica especializada é o mais importantes da história do jazz.

Nesse trabalho, o pianista faz, por exemplo, amplo uso da harmonia modal, uma das características dos impressionistas franceses Debussy e Ravel. Aliás, Evans sempre buscou elementos composicionais característicos da tradicional música erudita europeia e muitas vezes lamentou o distanciamento dessa música com a prática da improvisação, expediente comum na época de J. S Bach.
 
Falando no gênio do barroco alemão, ouça nos vídeos abaixo, a famosa “Siciliana” da Sonata no 2 para flauta e cravo (BWV 1031). O primeiro trata-se de uma releitura do lendário Bill Evans Trio.
 



No segundo vídeo, a versão original interpretada pelo renomado flautista James Galway.




Voltando à história inicial, como esse tipo de "releitura" é vista pelos guardiões das tradições e ritos da música erudita? Acredito que a reação do nosso personagem professor, responde a esse questionamento: não com bons olhos, pelo menos por boa parte deles, por se tratar de uma ousada intervenção no patrimônio musical da chamada “música de concerto”.

Estamos falando, obviamente, de um dos pontos de vista vigentes nos conservatórios e universidades atuais, aquele ainda subordinado à ideia de sacralização da “grande arte”, iniciada no Romantismo.
 


Comentários

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  • 18.10.2021 16:35 Camilla de Ávila Mariano

    Eu acredito que as duas performances são necessárias. Ao estilizar Beethoven, o músico não o mata, somente o reproduz de maneira diferente criando algo, de certa forma, novo. A composição original do compositor não desaparece, ela está lá e pode ser reproduzida com a excelência que se pede em um outro momento, por uma orquestra. Me parece que alguns músicos enxergam certas "ousadias" como se houvesse um único exemplar da obra e que qualquer modificação nesta seria permanente, alterando a obra original para sempre. Por exemplo, como se fosse um livro onde só houvesse um único exemplar e este estivesse sendo "rabiscado". Na verdade, o que ocorre são apenas cópias alteradas, e estas, de acordo com o gosto do público, podem ser mais ou menos reproduzidas. Como vários dos casos que vemos hoje em dia. Isso é o que acontece com os nossos genes! É o que experimentamos socialmente com os chamados "memes", termo cunhado pelo biólogo Richard Dawkins. Algumas coisas são copiadas, modificadas e reproduzidas. E, como no caso da música, quem a reproduz são as pessoas,e a versão que mais as agradam são as mais reproduzidas. Mas o que acontece é que estas versões ficam restritas a determinados nichos, a versão do “jazz” fica aos apreciadores do jazz, a versão “rock”, aos seus consumidores e assim por diante.

  • 17.10.2021 16:29 RAFAEL MARQUES SANTOS

    Apoio qualquer tipo de mesclagem musical, pra mim a música ta ai pra ser expressada, experimentada e criada constantemente. É só a gente pegar como exemplo pinturas famosas como a Monalisa, quantas e quantas vezes ela já não foi reiventada dentro da arte, dentro de movimentos artísticos como a pop art ou no dadaísmo com Marcel Duchamp na obra L.H.O.O.Q. Hoje em dia a gente veicula memes, publicidade e até animações informacionais todas com releitura de obras musicais e artisticas. Então é incrível saber que a música sempre está se reiventando. Para os classicistas só tenho a dizer " Desapeguem do seu ego e regozije-se na propagação da sua obra, a releitura dela só diz respeito ao quão valiosa ela é a ponto de criarem suas próprias versões dela. Deixo aqui também um exemplo citado acima com uma música classica implementada em um jogo -> Litlle big Planet para imersão na história, com uma releitura clássica da 5 sinfonia de beethoven: https://www.youtube.com/watch?v=ATqcvIAzOnI

  • 17.11.2014 14:45 Paula Ungarelli

    Sou totalmente favorável a essa miscigenação! Isso não significa que essa releitura tentará substituir ou tirará a maestria da obra. Nesse caso, pode até levar um público não ouvinte de música clássica buscar a obra original e se interessar. Para mim é até uma especie de homenagem ao criador, mostrando que ele pode ser relembrado em outros estilos. Parabéns pelo texto professor. Ótima escolha de música para exemplificar! Adorei a sua participação na caricatura como contrabaixista!

  • 12.10.2014 16:02 Marcelo Souza

    Belo artigo. Descontraido, bem ritmad..muito legal!

  • 09.10.2014 09:14 Nathália Nichiata Resende

    Na minha opinião essa miscigenação musical é de muito bom grado quando feita seguido o bom senso, sendo eu fruto de uma miscigenação de culturas, vejo com bons olhos essa mistura do antigo com o novo, a releitura muito me encanta e a meu ver pode trazer um novo tempero e além de tudo arrebanhar mais alguns fãs que não conheciam ou não se interessavam por música clássica, mas repito, tudo isso sendo feito com bom senso pode desaguar num belo resultado! O assunto é muito interessante, parabéns pelo artigo!

  • 30.09.2014 15:20 Larissa Gonçalves

    Oi professor Othaniel, parabéns pelo artigo. Excelente texto. Sucesso!

  • 25.09.2014 09:15 Karla Carolina Vicente de Sousa

    Confesso que aprecio muito essas "releituras" e muitas vezes prefiro-as as originais. Talvez por ser completamente leiga e ter um ouvido subordinado ao popular. Eu adorei o texto.

  • 22.09.2014 19:42 Jose Feliciano

    Parabéns pelo artigo professor Othaniel. Não sei se o senhor conhece mas um grande artista, inclusive um dos preferidos de Tarantino, é o Jacques Loussier, ele tem inúmeros albuns nos quais interpreta bach usando jazz. Caso não conheça vale a pena conferir. link: http://grooveshark.com/#!/album/Jacques+Loussier+Plays+Bach+Encore/4039736 A Little Fugue de Bach em G é simplesmente fantástica.

  • 22.09.2014 10:26 Rayane Pereira

    Entendo o motivo do conservadorismo do professor citado em seu texto, concordo que o Patrimônio Musical deve ser tratado com respeito, pois trás em suas notas todos os estigmas da sociedade do seu tempo.Entretanto sendo uma arte, reinventa-la sobre novos olhares e contexto faz bem para nossas almas como reflexo do nosso momento histórico. Esses "cruzamentos" musicais nos coloca como personagens ativos dessa historia que esta sendo construída em nosso tempo.

  • 22.09.2014 00:13 Andréa Luísa Teixeira

    Parabéns pelo excelente texto Prof. Othaniel. Você consegue permear seu humor com a seriedade que o tema exige. Bravo! Bom ver nascer um excelente crítico musical na nossa cidade.

  • 21.09.2014 03:51 laercio eduardo morais da silva

    legal o humor relacionado com música ,demonstra a pureza da arte ....

  • 19.09.2014 13:46 Murilo Viana

    Excelente! A música é uma arte,por isso que aprendemos a cada dia com ela. Parabéns!!

  • 18.09.2014 21:42 Sonia Cristina C. de Alcântara Garelha

    Sabemos que muitos compositores eruditos tinham uma preocupação com o jazz e dentre eles podemos citar Strawinsky que escreveu uma série de composições com títulos referindo-se ao ragtime. Há um tempo atrás , levei meus alunos ao SESC aqui em São José dos Campos para assistirem uma apresentação de Jazz. Qual não foi a minha surpresa! O quarteto composto por um piano digital, contrabaixo acústico, percussão e flauta transversa tocaram desde chorinhos até músicas de Strawinsky numa releitura de jazz. Eu particularmente sou a favor desta fusão entre os gêneros musicais. A música é livre e rica. E por que não brincar com as mais diversas possibilidades? Parabéns mais uma vez ao Grande Mestre Prof. Othaniel pela profundidade dos textos que tem contribuído para reflexão dos meus alunos.

  • 18.09.2014 19:43 Jonatan

    Exelente texto! é bom entender as semelhanças e não só as diferenças!

  • 18.09.2014 10:18 Diogo Monteiro

    Grande mestre Otaniel, muito bom esse texte!

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Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

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