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Bruna Castanheira de Freitas é advogada e pesquisadora atuante em Direito Digital e Propriedade Intelectual. / bruna@direitotech.com

Direito e Tecnologia

Sobre selfies, macacos e robôs

O que acontece quando um chimpanzé vira pessoa | 23.10.14 - 18:06

Goiânia - No início deste mês de outubro, a justiça de Nova York presenciou um caso bastante curioso: um grupo chamado “Nonhuman Rights Project” (NRP) entrou com uma ação judicial, pedindo que Tommy, um chimpanzé de 26 anos de idade, que vive numa jaula em um galpão em NY, e é usado para entretenimento, seja considerado uma “pessoa legal” e tenha, portanto, direito a um tratamento digno. O grupo espera que o animal possa ser removido da jaula e levado para um santuário para animais.
 
Steven Wise, o advogado da NRP, usou como argumento principal o fato de Tommy ser autônomo e independente, e questionou: “Como é que podemos ignorar a autonomia em não-humanos, enquanto fazemos desta [a autonomia] um valor supremo para o ser humano?“. Sob esta premissa é que a NRP elaborou um Habeas Corpus para Tommy, que, na visão deles, estava preso (em cela solitária) injustamente. O juiz de primeiro grau, porém, não foi convencido de que um chimpanzé tem direito a uma personalidade jurídica, apesar de parabenizar Wise pelo raciocínio apresentado.
 
Wise faz uma ressalva: a NRP não busca conquistar para Tommy todos os direitos humanos, mas apenas o que diz respeito a não ser aprisionado injustamente e contra sua vontade. Wise, no entanto, deixa aberta a possibilidade de que mais direitos sejam conquistados para os “não-humanos“. 
 
A sentença sobre o tema ainda não foi proferida, mas especialistas da área dizem que dificilmente o Tribunal dará a Tommy os direitos pleiteados pela NPR, e acreditam que é mais eficaz lutar por leis mais severas contra maus-tratos aos animais. Mas o que chama atenção neste caso são as questões éticas, práticas e jurídicas que seriam levantadas caso Tommy fosse considerado humano, já que, como afirma Wise, “uma pessoa legal é um conceito jurídico, e não um conceito biológico“.

Aqui vai um exemplo peculiar:
 
Em 2011, um fotógrafo britânico teve sua máquina fotográfica roubada por um macaco em uma mata na Indonésia. Ao recuperá-la, foi surpreendido por uma selfie que o macaco havia tirado. A foto foi disponibilizada na internet pela Fundação Wikimedia se tornou viral, ficando mundialmente famosa.

O fotógrafo, porém, achou que seu direito autoral havia sido infringido (já que não deu permissão para que a foto fosse postada) e entrou com um pedido de indenização em face da Fundação. 

O Wikimedia sustentou que não iria tirar a foto do ar pelo simples fato de que ela não é passível de direitos autorais, já que foi produzida por um macaco e, na lei, não-humanos não têm estes direitos.

A lei britânica determina que uma imagem só pode ser objeto de direitos autorais caso seja original, esteja fixada em um meio físico e tenha um autor. A foto em questão satisfaz apenas os dois primeiros requisitos, mas se fosse concedido a Tommy personalidade jurídica, um precedente seria aberto.

No caso Wikimedia, o macaco poderia ganhar direito autoral sobre sua selfie e, assim, teria direito a toda a receita gerada pela comercialização da imagem.

É difícil especular até que ponto é saudável considerar animais como “pessoas”. Por um lado, esta legalidade tornaria mais fácil o trabalho dos defensores de direitos de animais, que lutam pelo tratamento digno dos bichos e enfrentam vários obstáculos jurídicos para garanti-lo.

Por outro lado, consequências como a possibilidade de um macaco lucrar com os “direitos autorais” de uma selfie parecem absurdas demais para se levar a sério, um efeito colateral dessa “personalização” que se provará pouco útil - a não ser que macacos aprendam a abrir contas em bancos.

Mas existe outro grupo de não-humanos que pode acabar de fato aprendendo a abrir contas em bancos, tirar selfies, e muito mais: os robôs. Por mais que estes “seres eletrônicos” ainda sejam pouco autônomos e conscientes, há motivos para acreditar que eles em breve perderão estas limitações.

A inteligência artificial (IA) já produziu o computador Deep Blue, que venceu o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov numa série de partidas em 1997, e o robô militar Big Dog, que consegue andar em qualquer terreno ao fazer uma constante analise do seu caminho (veja este vídeo em que ele se escorrega e é empurrado, mas recupera sua postura de forma assustadoramente “viva”).

Cientistas de robótica especulam que o próximo passo – consciência e autonomia – não está longe. Quando começaremos a tratar máquinas como pessoas também?

Mesmo a IA em seu presente estado já parece inspirar o início de um debate. O escritor Joel Garreau observou que soldados do exército americano apresentaram uma empatia pelos robôs utilizados para detectar minas no Iraque.

Quando as máquinas acionavam uma mina e perdiam suas pernas com a explosão, os observadores ficavam perturbados, alguns chegando a dizer que era “desumana” a forma em que os robôs eram tratados. Em outro exemplo, o Ministério do Comércio da Coreia do Sul já chegou a propor um código de ética para as máquinas, inspirados na literatura do escritor de ficção científica Isaac Asimov. 

Pode ser que logo comecem a aparecer manchetes como a do caso Tommy, só que com robôs no lugar de chimpanzés. Estaremos prontos para deixar de ser as únicas “pessoas”?
 

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Bruna Castanheira de Freitas é advogada e pesquisadora atuante em Direito Digital e Propriedade Intelectual. / bruna@direitotech.com

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