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Gismair Martins Teixeira

A saga da educação e o Ideb goiano em retrospectiva

| 01.12.14 - 10:59
 
Goiânia - Fim de ano é sempre o momento de repassar acontecimentos que marcaram o último ciclo demarcado pelo calendário. Neste período que logo mais se encerra, os professores goianos tiveram um pouco de sua saga reconhecida. Em linhas gerais, a saga é definida como um gênero literário caracterizado pela narrativa que mescla mitologia, religião e feitos heroicos de um povo ou um indivíduo em uma determinada região. As mais famosas historicamente são as de origem escandinava. Modernamente, o gênero se aplica tanto à literatura quanto à filmografia, desde que narrem uma sequência relativamente longa, recheada de peripécias, atos de heroísmos e aventuras mescladas com os dramas humanos universais. Em sua extensão semântica, o termo ganha uma conotação menos glamourosa, mas profundamente significativa, quando aplicado à realidade do dia a dia. Nas aventuras narradas há, de forma quase invariável, o auge alcançado pelo herói que, numa perspectiva pós-modernista da cultura pop, é desafiado a superar-se quase infinitamente, o que configura um espelhamento singular da realidade propriamente considerada.
 
Este breve quadro sobre esta variedade de gênero literário guarda uma correspondência bastante aproximada com a realidade do educador brasileiro. Os exemplos mais ou menos dramáticos são abundantes. Uma rápida olhada pelos noticiários dá a dimensão da saga do professorado no Brasil. No dia quatro de setembro, por exemplo, sites de notícias informavam que uma professora paranaense foi esfaqueada nas costas em uma sala de aula no estado do Paraná por um aluno. Procurada pela imprensa, a Secretaria da Educação daquele Estado explicou tratar-se de um ato isolado. O que não disseram, porém, é que a violência possui gradações. Recente pesquisa realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 34 países, com cem mil professores e diretores, apontou que os mestres brasileiros são os que mais sofrem agressões, sobretudo verbais e emocionais. O percentual em relação à média mundial é assustador. Dos professores ouvidos nos demais países, 3,4% já foram agredidos. No Brasil, este número salta para 12,5%, com direito a ponto de exclamação e reticências evocativas de um silêncio assustador.
 
Notícias correlatas, para quem se dispuser a pesquisar o problema, dão conta de que a violência não é somente por parte de alunos. Aqueles que deveriam educá-los, os pais, contribuem também com a sua quota de agressividade contra este profissional que é a ponta de lança da educação em todos os níveis. E aqui se faz necessário um parêntese para chamar a atenção para algo que faz parte do discurso em torno da educação: a escola existe para propiciar formação, auxiliando no processo de educação que compete em primeira instância à família. Na impossibilidade de fornecê-la, por ela própria encontrar-se muitas vezes desestruturada, a família transfere à escola, sobretudo aos professores, a tarefa inglória de educar, além de formar culturalmente, alunos no limiar daquilo que se convencionou chamar situação de risco, um eufemismo para marginalidade. Assim, a sala de aula acaba se tornando o foco para onde converge grande número dos problemas sociais, decorrentes em sua maior parte do problema magno, que é o de uma ordem econômica perversa gerada pela péssima distribuição de renda de um país que é uma das maiores economias do mundo, o que conduz a uma paráfrase tupiniquim à fala de renomado pensador chileno que discorria sobre os problemas de seu país: o Brasil vai muito bem; os brasileiros, não.
 
Diante dessa realidade universal em termos de Brasil, com forte colorido de tensão social, não há como deixar de destacar o resultado da melhoria do Estado de Goiás no desempenho do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb, conforme relatório divulgado neste ano. O salto qualitativo realizado pela educação em Goiás, conforme índice mensurado pelo Governo Federal, reflete a capacidade do professorado goiano, que tem realizado um trabalho digno de louvores, conforme reconheceu o governador de Goiás em encontro que teve a finalidade de parabenizar os professores do Estado à época da divulgação do resultado. O empenho dos demais profissionais ligados à educação pública estadual, que dão suporte aos professores que estão em sala de aula, funciona como rede de sustentação para uma boa fluência das atividades. Se a frieza dos números sugere que há muito ainda o que melhorar – e realmente há –, por outro lado sugere também que houve uma melhora de fato. Na composição dos números que redundam na média do Ideb, diversos fatores entram na somatória, não expressando o índice uma formulação tão simples. Ressalte-se, ainda, que diversas unidades escolares de Goiás atingiram números próximos aos considerados de excelência em nível mundial.
 
Como as sagas modernas, em que uma vitória do herói funciona como preâmbulo para novos e maiores desafios, a projeção do Estado como primeiro lugar no Ideb do Ensino Médio configura uma importante conquista que sugere como desafio subsequente a sua manutenção, o que necessariamente passa pela ampliação do índice alcançado anteriormente. Mas isto diz respeito a uma projeção futura. Por ora, merecem os professores do Estado de Goiás as mais sinceras felicitações pelo desempenho na última edição do Índice da Educação Básica - Ideb. Por mais que pareçam chavões simplórios, afirmativas como as de que os leitores deste texto só podem compreender o seu conteúdo pelo motivo de que estiveram durante muitos anos sob a tutela intelectual de um professor expressam uma realidade que se desdobrada em suas múltiplas filigranas levaria a uma valorização social muito mais ampla que a atual em relação aos educadores.
 
Em seu clássico Sermão da Sexagésima, pregado no ano de 1655 na Capela Real, em Lisboa, Portugal, Padre Antonio Vieira, um dos expoentes do barroco luso-brasileiro, escreve sobre as excelências da Parábola do Semeador, constante do evangelho, que foi ensinada por Jesus Cristo. O padre português lança mão das palavras de Cristo para ressaltar a magnitude da palavra cristã, que, apesar das falhas do pregador, produzem frutos excelentes. Num dos versículos dessa parábola que coloca o pregador na condição de semeador, ao mesmo tempo em que à palavra é atribuída a qualidade da semente, é apontada também a qualidade dos solos que recebem a sementeira. Conforme o texto evangélico, a semente que caiu na terra de qualidade “deu boa colheita, a cem, sessenta e trinta por um”. Numa abordagem minimal deste versículo bíblico, pode-se pensar no professorado goiano como a boa terra em que a semente vocacional caiu e cuja produção deu farta colheita.
 
*Gismair Martins Teixeira é doutor em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás e professor.

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