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João Camargo Neto

Eu nasci de câncer

O que faz diferença é a esperança | 08.07.11 - 17:19

“Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá”
Chico Buarque
 
Aos 50 anos, meu pai nunca tinha ido ao médico. Nem para nascer, já que nasceu de parteira debaixo de uma árvore, como orgulhava-se de contar. No meio do ano passado, adentrou um consultório pela primeira vez. Diagnosticou um câncer no nariz e precisaria passar por uma cirurgia para amputar o órgão. Morreu antes de completar 51. Tudo nessa mesma velocidade textual.

Meu pai era daqueles que até admitia ter plano funerário, mas de saúde jamais. Ele morreu aos 50 anos onde eu nasci aos 25: no Araújo Jorge. Na internação, passei a enxergar aquele hospital do qual eu temia até mesmo o nome e a rua, como maternidade. Nasci ali com um quarto de século, faculdade concluída e emprego arranjado.

Eu sou um caso de sucesso, como muitos por aí, de quem nunca teve câncer, mas viveu de câncer. E sobreviveu. Só não aprende a viver com a morte quem já morreu. Trata-se de uma doença genética, contudo não quer dizer que seja hereditária só porque mexe com seu DNA. Pelo sim, pelo não, desde então, vou mais ao oncologista fazer revisão preventiva que à alergista cuidar da rinite alérgica, presente nas quatro estações do ano.

Câncer é a doença do impacto. Não tem nada de muito exato. É aquela que chega e diz: "Olá. Tudo bem? Meu nome é Câncer. Não precisa responder prazer. Você pode morrer, como não pode." Não faz diferença se o sobrenome do Tumor é Benigno ou Maligno. Sem medo da palavra, o que faz diferença é alimentar a esperança, porque a fé independe se a morte já foi sentenciada ou não. E ter fé, acreditar naquilo ou naquele que não se vê, não é ser bobo, é ter apreço pela vida.

A fé, no entanto, não é cartesiana nem resolve teoremas. Meu pai sabia que ia morrer. Ele nunca fez nada de errado na vida, nem em nome da felicidade extrema que sempre seguiu. Foi um marido fiel, um pai exemplar, um cidadão consciente, um vizinho caridoso. E teve câncer. Portanto, doença não é maldição nem punição.

Quem tem câncer não tem desejo, mas tem sonho. Sonha mais, exercita mais a esperança em velocidade acelerada de algo que pode acontecer. Como não pode. Meu pai passou a sonhar ainda mais com o casamento da minha irmã, com o nascimento dos netos, com as bodas de ouro com a minha mãe, distantes 23 anos dali. Sonhou. Viveu.

Não há eufemismo para tumor. Não há nenhuma palavra que suavize metástase. Quimio, rádio e outros prefixos inovadores para terapia oncológica não soam como visita ao psicólogo ou massagem com pedras quentes.
Há câncer curável sim. Cabe ao médico usar de toda a sua sinceridade, de preferência amparada por um psicólogo fundamentado na gestalt, para acompanhar a família e o paciente. Adulto tem todo o direito de saber sobre suas possibilidades, positivas ou negativas.

Imagine que, depois de um diagnóstico, o cuidador passa a inspirar cuidados. Quem comprou fraldas para você e sua irmã, 25 anos depois precisa que você compre fraldas para ele. Quem te deu banho, depende do seu sabonete e do seu xampu. Quem passou madrugadas acordado ao seu lado por causa de uma gripe exige a sua vigília em torno de algo que não se cura com chá.

Câncer acomete leigo e médico, quem coleciona BMW e que nunca teve Carteira Nacional de Habilitação, quem mora em Itapuranga e quem passa o natal em Nova York. Você tem medo da morte? Eu não. Tenho da dor. Quem teme a morte é porque tem pendências na vida. Familiar e amigo de quem tem câncer não têm direito a dor, pois ela brutalmente já afeta o escolhido, que tem de ser acolhido e amparado.

Quem gosta de clichê pode logo pensar que contra fato não há argumento. Entretanto, há esperança e fé. Ok. Os números são contraditórios, mas a vida não é. Ela é maior, soberana e ignora roteiros. Apesar de o Brasil não estar entre um dos países com maior taxa de mortalidade por câncer, ele é a segunda causa de morte em território nacional, correspondendo a cerca de 13% do total dos óbitos, perdendo apenas para doenças como diabetes, infarto, hipertensão, entre outras.

Este texto pode parecer um parecer pessimista. No entanto, não é nem de longe. Foi escrito por uma pessoa plena e intensamente feliz, mesmo órfão de pai cuja vida foi ceifada por um carcinoma e filho de mãe curada de outro tipo de câncer. Portanto, tenho propriedade para afirmar que quem lê câncer e entende morte não sabe ler. Quem ouve câncer e entende morte não sabe viver.


Comentários

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  • 25.03.2013 00:05 Rodrigo Rizza

    Parabéns pelo artigo João! Seu texto sintetiza com veemência como é a rotina do paciente com câncer, e de como essa doença transforma aqueles que estão ao lado do doente no tratamento, compartilhando de toda agonia e também da fé, que vigorosamente renasece da esperança dos acometidos por essa doença. No ano de 2012 vivi situação muito semelhante a sua. Foi um momento de muita luta e superação, porque é muito difícil ver uma pessoa que você ama sofrendo. Meu velho pai passou pelo tratamento no hospital Araújo Jorge(essa abençoada casa que merece mais atenção das autoridades), pacote completo - cirurgia, quimioterapia e radioterapia; acompanhei tudo de perto, conversei com muitos outros pacientes e pude compartilhar muitas histórias de fé e esperança de pessoas de todas as classes sociais, pois como ja salientou o câncer é bem eclético. Posso dizer que o HAJ foi uma escola de vida para mim. Redescobri com meu pai e com outros o poder da fé; fiz amizades e hoje posso dizer que dou mais volor a vida. O demorado tratamento do meu velho terminou; os médicos(essas pessoas a qual pedimos a Deus que lhes deem toda perícia e hombridade) o deram auta e retornamos a nossa rotina como pessoas melhores de que quando iniciamos a batalha. Hoje meu pai se encontra curado e rezo a Deus que continue assim por toda a vida. Aprendi no Araújo Jorge a desmistificar o câncer e encará-lo como uma doença que pode sim ser curada. Essa cura em muitos casos pode parecer distante mas hoje a certeza que tenho é que essa esperança e fé é o "remédio" que ainda mantém esses pacientes na luta, com um sorriso no rosto em cada regressão da doença buscando simplesmente viver. Grande abraço meu amigo

  • 24.03.2013 22:24 Andrey Azeredo

    Sincero, verdadeiro e emocionante! Parabéns pelo texto. Meus sentimentos...

  • 08.06.2012 01:45 Divina da Cunha

    João compartilho com você o sentimento de saudade, o valor da vida, a família/origem/raízes/matriz da nossa identidade. Reconheço a dor de ter visto minha mãe ser curada em 2006 e o retorno em 2008 do câncer. Onde levou-a em pouquíssimo tempo. A solidão de não ter companheira de 49 anos de matrimônio levou meu pai em uma noite no ano de 2009,vítima de a. Vccomo se não bastasse neste mesmo ano me aventurei passar o natal em uma u. Ti, emocionalmente abalada dor no coração. Em 2010 minha irmã se foi com apenas 51 anos morte súbita. Amiguinha de infância, de adolescência, casamos e tivemos filhos bem próxima as datas e desde então eu mais uma vez venho sentir e refletir sobre a morte e o morrer, já que há 18 anos o meu marido partiu de acidente de trânsito, meu irmão partiu quando me casei há 31 anos. Esta experiências de vida e de morte me faz acreditar que o sentimento de esperança é a maior força. No mais ficamos mais humanos, civilizados, nos colocamos no lugar do outro e tentamos sentir. A dor, a alegria e viver com sonhos/desejos de ser . Beijos!!!.

  • 25.11.2011 01:47 Chyntia Barcellos

    João, querido. Ainda não tinha lido este lindo artigo. Na época o Lucas estava quase chegando e eu estava fora de órbita. Cresço sempre quando leio suas palavras, sinceras, reais e cheias de lições de vida. Hoje 4 meses depois desejo que o Lucas, a Luz dos meus olhos seja um homem como você.

  • 26.08.2011 08:54 Nádia Junqueira

    Lindo texto, João! E nada pessimista. Parabéns!

  • 24.08.2011 18:01 Joscineia Alves de Oliveira

    Parabéns pelo texto...... muito verdadeiro...

  • 16.08.2011 11:28 Vibia Camargo

    Netinho, como sempre, texto escrito com a alma! Beijo

  • 28.07.2011 22:55 Sônia Lina

    Adorei o texto, bem sereno, mas um tanto quanto dolorido para quem conheceu, faz muita falta. Uma pessoa admirável e lidou com o cancêr como muita sabedoria. Mas falando do escritor, é preciso ser muito profissional para conseguir escrever sobre si mesmo com tanta serenidade e profissionalismo. Ammmmmmmmmmmmmmmeiiiiiii...

  • 17.07.2011 14:21 Raquel

    Maravilhoso, mesmo. Compartilho do seu pensamento, que foi meu argumento quando meu pai enfrentou a doença pela segunda vez (também já tendo minha mãe passado por isso).

  • 15.07.2011 12:00 WENDER DE ASSIS

    JOAO, HOJE FOI MINHA PRIMEIRA VISITA NESTE JORNAL VIRTUAL, LI MUITA COISA BACANA, MAS TE CONFESSO, QUE ESTE SEU ARTIGO SOBRE O CANCER, É SIMPLESMENTE...INCRIVEL, PARABENS!!! MUITO INTERESSANTE A MANEIRA COMO VOCE VÊ, E ENXERGA O CANCER, A VIDA E A MORTE...VALEU GAROTO, ESPERO TER O PRIVILEGIO DE LER NOVOS ARTIGOS SEU.

  • 14.07.2011 13:37 Maianí Gontijo

    O texto do Neto refleti o que devemos nos permitir e questionar com relação ao medo da palavra Câncer... sem medo da palavra.

  • 13.07.2011 11:36 Thais Fleury Scheideman

    Fantastico, sensato e completo! Realmente toca o coracao. Obrigada.

  • 12.07.2011 13:54 jordana frauzino lima

    Gostei muito do seu texto, e ele veio justamente neste momento em que estou precisando muito. Obrigado! E sucesso sempre! E fique com Deus!

  • 11.07.2011 21:47 Marco Antonini

    Adorei! É isso ai!

  • 11.07.2011 18:44 Mariani Ribeiro

    John, lindo seu modo de expor sua visão sobre algo tão marcante. Sempre sereno.

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