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Edemundo Dias

O drama do crack

Para além das cracolândias | 17.01.12 - 18:38
Para além das “cracolândias”, um bom observador da realidade já percebeu o quanto as ruas estão cheias de andarilhos: adultos e jovens, com aspecto físico semelhante — magros, sujos, rasgados e, sobretudo, de olhos fugidios, perdidos. Estão visivelmente sob o efeito de alguma droga, mormente, o crack. Caminham sem rumo certo, às vezes, em grupos ou sozinhos. Eles tomam a direção dos veículos, vagabundeiam no meio da rua, atravessam as avenidas sem atenção. Estão completamente à margem da sociedade e alheios a ela. Eles somem de casa por vários dias, e, às vezes, retornam rasgados, famintos, machucados, envergonhados... Transformados em verdadeiros zumbis ambulantes!
        
 Eles não se enquadram nas descrições e proposições de Charles Baudelaire ou mesmo de Walter Benjamin. Os flâneurs da pós-modernidade – a vagar em ócio pelas ruas, embevecidos tão somente pelas infinitas possibilidades de significações urbanas e humanas – perambulam sob marquises, pelas calçadas e logradouros baldios e ínferos, estuporados por um dos piores males deste século: a droga, o crack.
 
 As famílias estão perdendo cada vez mais seus filhos para as drogas e, dessa vez, a novidade são as ruas cheias de pais e mães de famílias que deixaram seus lares e estão completamente reféns da alucinação da alma. Hoje, eles se juntam aos peregrinos mais antigos, ou seja, os menores de rua, formando uma grande e nova família. Paradoxalmente, outros órfãos surgem nos lares — aqueles que estão em casa à espera da mãe ou do pai viciados, e ainda correm o risco de virarem mercadoria. No Parque Amazônia, em Goiânia, a mãe tentou trocar a filha recém nascida por 20 reais de pedras de crack. Ela daria a filha a um traficante em troca de uma porção da droga. A família dela se disse envergonhada. Mas, antes de julgar essa mãe, é preciso observar que ela não mais opera com a razão, já tendo a sua racionalidade completamente destruída e tomada pela droga.
 
Nesse drama, tanto a sociedade quanto o governo também estão perdidos, também marcham errantes. E por essas paragens caminhamos todos, de fato, para um mundo irrefreado, totalmente adulterado. Começando pela conotação que desenvolvemos para o termo flâneur... Se antes eram poetas, hoje são bandidos; se antes eram olhos que funcionavam como janelas da alma, hoje são elementos espúrios da sociedade, indesejáveis e repugnantes seres maltrapilhos. Excluídos dos excluídos: cadeias já não lhes cabem, igrejas já não lhes desejam, hospitais já não lhes suportam, hospícios já não lhes comportam... O que lhes resta?
 
Ademais, os dias de hoje têm servido para transformar muitos de nós, ainda, muito mais em apetrechos materiais somente; têm consumido o que resta do ideal ressocializador de nossas mais bem intencionadas concepções humanas e espirituais.
 
Por fim, sabemos que nas linhas de um texto como este fica latente o estado de catarse, definido pelo pensador Aristóteles como o estado da alma a partir de uma descarga emocional provocada por um drama, e as palavras parecem não mais alcançar a complexidade que a realidade revela. Não obstante, para se sair desse estado de espectador inerte e se estabelecer soluções práticas, a capacidade de indignação de um povo não pode ser jamais perdida. Esta é uma responsabilidade da sociedade e dos governos.
            
Edemundo Dias de Oliveira Filho -  Pastor Evangélico. Escritor. Presidente da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal

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