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João Henrique Ribeiro Roriz

A vingança da ignorância

| 10.11.16 - 20:57

Goiânia Nessa terça foi eleito para ocupar a Casa Branca o candidato que disse que mexicanos são “estupradores” e que “estão levando drogas” aos EUA. O candidato que afirmou que “faria algo pior do que a técnica do afogamento” para interrogar suspeitos de terrorismo e que não é suficiente bombardeá-los, mas que suas famílias também deveriam ser alvos legítimos. Sua coleção de insultos às mulheres inclui: “porca gorda”, “cadela”, “animal repugnante” e outras palavras tão baixas que não têm como serem publicadas aqui.
 
Mas mais do que o candidato showman, Donald Trump foi aquele das soluções fáceis. Há um problema com os imigrantes ilegais? Que se construa um muro. Os mulçumanos são terroristas em potencial? Que sejam banidos. Alianças internacionais não compensam mais? Que a diplomacia seja desfeita. Violência crescendo? Mais armas. Estado Islâmico? Mais tortura e bombardeios. Denúncias de misoginia foram tratadas como “conversa privada entre homens”. Acusações de racismo e xenofobia foram desconversadas. A dúzia de alegações de assédio e abuso sexual não o atingiram. 
 
Donald Trump – nunca eleito para um único cargo político em sua vida – será o 45º presidente do país mais poderoso do globo. Como um bilionário que se tornou conhecido como apresentador de TV foi eleito presidente dos EUA está a ser explicado (e digerido). Mas se algo se destaca no calor dos acontecimentos é como prevaleceu a ausência de discussões qualificadas sobre os problemas complexos levantados durante a eleição. Questões como migração, violência, terrorismo, política internacional e outras, foram tratadas não a partir de análises rigorosas, mas invocaram sentimentos, principalmente o medo. Medo dos imigrantes, dos mulçumanos, do diferente. Todavia, muito pouco ou nada surgia depois dos discursos inflamados e dos delírios de “fazer a América grande de novo”. O vazio de propostas ou mesmo de uma elaboração mais completa sobre suas ideias foi o tom da campanha. 
 
A mensagem de Trump foi clara: todos estão mentindo para o eleitor, menos ele. Os partidos políticos, a mídia, os estudiosos, as instituições públicas e aquelas de pesquisa. Frente à desconfiança generalizada, seu apelo não foi à informação, mas ao seu contrário: à desinformação. Em seu twitter, sugestionou aos seus apoiadores que não assistissem mais à rede de TV CNN. Seus seguidores passaram a formar um séquito que não permitia hesitações ou questionamentos. “Eu poderia atirar em alguém na 5ª Avenida e não perderia votos”, disse Trump certa vez. 
 
O sistema político eleitoral estaria “corrompido”, nas palavras de Trump no último debate presidencial. Uma reforma profunda seria necessária e ele – como figura do não-político ou do antipolítico – seria o caminho possível. A contagem dos votos revela que muitos compraram o discurso de Trump. Afinal, pode ter pensado o eleitor estadunidense, quem melhor para enfrentar os políticos tradicionais do que um bilionário que não se cansa de repetir o quão rico e esperto ele é? 
 
A eleição de Trump é a vingança daqueles que se sentem desprezados por Washington. Representa a careta de desdém do eleitor mediano com um sistema cheio de problemas. Mas, ao mesmo tempo, mostra como esse discurso de soluções fáceis se aproxima do que há de mais baixo na política e que enchem os livros de história: discriminação, racismo, xenofobia. Tais problemas não estão longe de qualquer país democrático, pelo contrário, afloram com a ascensão do conservadorismo radical. Mas, geralmente, aparecem disfarçados, pertencem aos bastidores e são desconversados quando trazidos à luz. O que Trump fez de inédito foi trazê-los para o primeiro plano, para o centro do debate público. Não entendo que seja demasiado afirmar que Trump foi eleito apesar de suas ideias discriminatórias, mas em muito sua vitória se deve por elas.
 
E o que as eleições estadunidenses dizem para nós, brasileiros? Muito, na minha opinião. Mais do que podemos analisar agora. Talvez o alerta mais imediato seja o resultado da combinação de ascensão do conservadorismo radical com a ausência de debates políticos críticos sobre questões que afetam o país como um todo. O ano de 2016 também tem sido um divisor de águas no Brasil, de ausência de diálogo e de promessas de soluções fáceis em questões cruciais como a educação pública. Que as palavras de Trump no início deste artigo sirvam de exemplo para um caminho não desejado do debate político.
 
*João Henrique Ribeiro Roriz é pós-doutor pela Universidade de Oxford e professor de Relações Internacionais na Universidade Federal de Goiás 

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