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André Campos Marçal

A bolha do futebol

| 15.12.16 - 14:42

Goiânia - Estou lá me alongando, depois de duas horas de exercícios sem sentido na academia, quando chega um senhor: “Rapaz, e o Cruzeiro ontem, hein?”. Semi-conhecidos puxando papo com futebol. Só aconteceu umas oitocentas e cinquenta e sete vezes na minha vida. “E o Cruzeiro, hein?”, eu disse sem ter a menor ideia de que o Cruzeiro tinha jogado ontem, ou que qualquer time de futebol, na verdade, tivesse jogado. Eu só me lembro de futebol em duas ocasiões. Uma, geralmente às quartas-feiras, quando eu escuto o vizinho adolescente gritando “vai tomar no cu, vai tomar no cu, no cu, no cuuu” pelos cômodos na casa (nesses dias, eu sei que é jogo do Corinthians); e duas, jogo do Brasil em Copa do Mundo, que eu assisto pelo Twitter e outras redes sociais, na verdade.
 
“Rapaz, eu não entendo os jogadores de futebol hoje em dia”, ele continuou, “eles têm que jogar da mesma forma, independente se é em casa ou não”.
“É”
“Na Argentina, eles jogaram de um jeito, em casa eles devem manter a mesma tática. Não tem motivo para mudar”.
“É”.
“Rapaz, eu não entendo o futebol moderno. Os jogadores têm que jogar da mesma forma. Não é só porque não está em casa, que tem que mudar tudo. Parece que eles sentem muito a pressão. Tem que ser feito um trabalho em relação a isso”.
“É”, eu tentei fazer uma cara contemplativa como se eu concordasse com o senhor, mas, na verdade, eu estava com um pouco de dó dele. Afinal de contas, ele queria discutir os novos paradigmas do futebol comigo, a pessoa que menos entende do assunto na face da terra (eu entendo mais sobre o ciclo migratório das andorinhas).
“Por exemplo, você viu o Goiás ontem?”
“Vi não”.
“Foi a mesma coisa que o Cruzeiro. Perdeu de um a zero. Mudou todo o esquema tático. E pra que?”
“É…”
E assim foi durante mais alguns argumentos, sendo que os meus contra-argumentos continuavam sendo “é…”.
 
Futebol sempre esse mistério para mim. Eu não chego em “semi-conhecidos” em academias e digo: “Rapaz, e o novo Mad Max, hein? Você acha que essa refilmagem é melhor que o original da década de 80? Você acha que o Tom Hardy fez um trabalho melhor do que o Mel Gibson? O que você acha do viés feminista dessa nova versão?”. Ou então: “Rapaz, e o resultado do Oscar, hein? Você acha mesmo que Birdman mereceu ganhar Melhor Filme? Não foi um pouco exagero?”. Ou ainda: “Rapaz, e o Playstation 4 que não vai rodar jogos do 3? Você não acha que isso é muito capitalismo selvagem da Sony, não? Você não acha que antigamente os consoles eram bem mais simples e divertidos? Você acha que a Nintendo deveria focar mais em jogos adultos?”. Esse tipo de coisa.
 
O grande problema com quem é apaixonado por futebol, ainda mais no Brasil, país em que esse esporte é culturalmente incentivado e apoiado, é justamente esse do senhor: generalizar a paixão. Quando você ama alguma coisa, fica um pouco difícil sair dessa “bolha de amor” e perceber que outras pessoas talvez não possam compartilhar o mesmo entusiasmo que o seu. Tudo fica um pouco mais complicado com futebol, entretanto. Espera-se que alguém do sexo masculino, jovem adulto, saudável, praticante de atividades físicas e frequentador de academias, ame futebol.
 
Sou essa pessoa que tenta ao máximo praticar a tolerância, em todos os níveis. Tenho minhas reservas em relação a futebol, que vão desde a violência desnecessária e mortes dentro e fora dos estádios; o fato que todo mundo lucra, menos o pobre coitado do torcedor, que chega a doar dinheiro para clubes; a falta de incentivo e políticas públicas para outros esportes e, recentemente, corrupção e escândalos na instituição máxima desse esporte. Porém, respeito quem gosta. Cada um tentando preencher o tédio e falta de emoção do cotidiano com alguma coisa. Eu simplesmente uso outras além de futebol.
 
Uma coisa que eu observo, porém, é que quem ama esse esporte tem uma dificuldade maior em perceber algo: eles sempre esquecem da questão mais fundamental e bonita em relação ao ser humano: a diversidade. Que se estende também a esportes. E que o mais incrível de tudo é poder ficar à vontade em conversas aleatórias para poder dizer: “Não gosto muito de futebol, porém, gosto de outras coisas”. E o outro: “Ah, é mesmo? Eu também gosto de outras coisas”. E você: “Ah, tipo o que?” – e a partir daí desenvolver uma conversa menos unilateral e quem sabe um começo de amizade. Por um mundo com mais empatia para outras coisas.



*André Campos Marçal é professor


Comentários

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  • 16.12.2016 19:15 Alan

    Ótimo texto! Me identifiquei muito! sempe me olham meio estranho que me perguntam pra que time eu torço e eu respondo "nenhum"!

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