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Gabriel Chalita

Olhares de amor

| 06.07.17 - 14:14
Era um almoço em um dia comum. Dias comuns se sucedem e nos surpreendem quando permitimos. Sentei-me em uma cadeira confortável junto a uma mesa com alimentos preparados com muito cuidado.
 
Eles gostam de cuidar. Gostam de receber amigos. Gostam de palavras que unem. Estão unidos há 40 anos.
 
Carlos teve uma indisposição no dia anterior. Comeu alguns doces que não lhe caíram bem. Tomou algum medicamento e sentou-se para almoçar algo leve.
 
Beth sabia disso. Beth sabe de tudo o que se passa com o seu amor. Trabalham juntos. Sonham juntos. Vivem juntos uma juventude que desafia o tempo. Ah, eram muito jovens quando se viram pela primeira vez. Nem imaginavam o quanto seriam capazes de construir.
 
Carlos coloca pouca comida em seu prato. Beth presta atenção. Insiste que coma um pouco mais, mas que prefira o que é mais saudável. Para que melhore. Para que fique bem o quanto antes. Carlos parece estar distraído com a conversa. Ela insiste. Eles se olham. E foi aí que nasceu este artigo. Os olhares se cruzam, olhares de amor. Um amor que cuida, que se preocupa, que compreende que a vida de um e de outro ganha mais significado por estarem juntos.
 
Conheço outros casais assim. É difícil imaginar um sem o outro. Os tempos das labaredas da paixão dão lugar a uma brisa gostosa do amor. Do amor que respeita. Do amor que compreende. Do amor que se doa.
 
Não há amor onde não há entrega. Os que se fecham em si mesmos, os que se trancafiam em seus desejos, os que se imaginam o centro de tudo, esses se perdem nos egoísmos comuns dos que não amam. Os que assim agem, quando estão casados, exigem a renúncia do outro, querem o que não dão, acham-se - de alguma maneira - mais merecedores da realização pessoal do que o outro. Podem, inclusive, estar juntos há muitos anos. Mas, perdoe-me, sem amor.
 
Há histórias de violência e de acomodação. Há histórias de desrespeito e de humilhação. Vidas desperdiçadas.  Piadas incômodas. Ditos mal escolhidos. Lembro-me de um marido dizendo, em tom de galhofa, que trocaria a mulher de 50 por duas de 25, que custariam menos e dariam mais prazer. Os filhos à mesa observavam os gestos do pai. Machismos colocam as mulheres como objetos. E não falo do ontem, mas do hoje. Cenas que se sucedem como uma sina triste de incompreensão de uma verdadeira história a dois.
 
Carlos diz a Beth que está melhor, que ela fique tranquila. Ela sorri. Ele prossegue dizendo: "Minha mulher é linda, não é?". Eu aceno com a cabeça concordando. Beth diz alguma coisa que está mal arrumada, que trabalhou a manhã toda. E olha novamente para o seu amor. E ele me olha dizendo que é um homem de sorte, em um mundo tão grande, encontrar sua Beth, é bom demais.
 
Beth é mais tímida do que Carlos. Pega em sua mão. Agradece sorrindo. Ele pede licença e vai pegar alguma coisa. Ela começa a elogiá-lo, a dizer o quanto ele faz para ajudar as pessoas, o quanto ele se desdobra para que todo mundo esteja feliz. Reclama de alguns que não são corretos. Conta uma e outra história. Ele volta. Senta-se novamente. Pega a mãe de sua mulher e beija com carinho. E se olham. E me conta dos anos em que estão juntos. Já me falaram sobre isso outras vezes. Mas é sempre muito bom ouvir. E ver a sinceridade do enredo. As palavras bem colocadas nascidas dos sentimentos.
 
Chega a sobremesa. Eu lamento que o almoço esteja terminando. Era um dia comum feito extraordinário com aquele amor. Conversamos um pouco mais sobre a vida. Sobre os tempos difíceis que estamos vivendo. Sobre a necessidade de estarmos mais próximos. De nos aquecermos com os nossos afetos.
 
Chega o café bem quente. E eu conto, a eles, uma história que vivi com uma escritora. Perguntou-me ela se eu gostava de café. Eu disse que “sim”. Ela aumentou o entusiasmo para dizer que gostava muito. E respirou fundo dizendo que já sentia o cheiro. Que já estavam trazendo. Quando chegou o café, ela prosseguiu em seu prazer simples. E confidenciou-me que gostava, também, de mexer o café com o dedo, "esquenta o dedo da gente".
 
Carlos e Beth riram, olharam para as suas xícaras, mas não quiseram experimentar a quentura do café no dedo. Preferiram continuar com o prazer do olhar, do sorrir e do me receber ali naquele recanto encantado de um dia comum.



*Gabriel Chalita é escritor, doutor em Filosofia do Direito e em Comunicação e Semiótica.
 
 

Comentários

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  • 06.07.2017 16:09 JULIANA NOGUEIRA

    ótimo texto.

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