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Fredson Coelho Heymbeeck Milhomem

Tornar-se quem já se é - O desespero do homem moderno

| 17.11.17 - 20:10 Tornar-se quem já se é - O desespero do homem moderno (Foto: Divulgação)   
Goiânia - Talvez uma das coisas que mais demandam energias humanas, é o esforço que alguém deve fazer para construir sua identidade nos dias de hoje. Até por que a identidade parece ser algo tão natural e espontâneo na nossa vida, que é complicado percebê-la como algo que tenhamos que nos esforçar para isso.
 
Não adianta ficar repetindo para um pé de manga que ele é um pé de laranja, pois mais cedo ou mais tarde ele espontaneamente irá dar manga. Pois essa é a sua natureza e identidade. E nenhum pé de manga se esforça pra dar manga. Ela naturalmente nasce.
 
Obviamente, guardadas as devidas proporções, as mais variadas influências sócio-culturais, o homem parece que vem traçando um caminho estranho.
 
O historiador alemão do séc. XlX Leopold Von Ranke (1795 – 1886) dizia que não era a cegueira ou a ignorância que levavam à ruína os homens e os estados. Pois não demorariam muito até que descobrissem onde os levaria o caminho escolhido. Mas que haveria neles um impulso que a sua natureza favorece e que o hábito reforça ao qual não poderiam resistir, e que continuaria a impeli-los enquanto lhes restassem a mínima energia. Dizia que aquele que conseguisse dominar-se seria um ser superior. Mas que, no entanto, a maioria vê diante dos olhos a ruína, e avança em sua direção.
 
Nas sociedades mais tradicionais como as indígenas, quilombolas, ou até mesmo ainda em alguns rincões do interior desse nosso enorme e lindo país, a força da comunidade na construção da identidade do sujeito ainda é grande. Ou seja, existe uma força vinculante entre as pessoas dessas comunidades que permeiam toda a vida do indivíduo. De forma que todas as dimensões da vida do indivíduo com suas respectivas decisões a serem tomadas, carregam em si o peso da comunidade. Decisões como namoro, casamento, vida conjugal, religião, trabalho, projetos de vida, são sempre permeados por aquilo que aquela comunidade vive, revive, encena e reencena na sua vida cotidiana. O indivíduo praticamente nasce com a sua identidade, pois nessas comunidades, as possibilidades de escolha são limitadas. No entanto o indivíduo está, de certa forma, amparado por aquilo que coletivamente se convenciona.
 
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925 - 2017) já havia dito em sua obra “Vida em Fragmentos” (1995) que a vida moderna é vivida na cidade e que a vida se torna moderna à medida que ela se parece cada vez mais com a vida da cidade. Cheia de prazer e perigo, de oportunidades e ameaças. Em nenhum outro lugar a mistura de alegria e medo é experimentada de maneira tão intensa, e que a cidade é a mãe do prazer da identidade multifacetada, que como Proteo, deus da mitologia grega, pode mudar de forma segundo a sua própria vontade.
 
A vida na cidade (vida moderna) é individualizada.
 
A força vinculante entre as pessoas é frágil, e está por conta própria a tarefa do indivíduo em tomar as decisões que construirão sua identidade. Nesse contexto as pessoas agora precisam carregar o fardo de cumprir a tarefa solitária de formar o próprio “eu”. Elas devem aprender a ser quem são. Agora, a força vinculante que antes uniam os laços comunitários dando suporte ao indivíduo na expressão de sua identidade, se liquefez.
 
A identidade assume formas variadas, recipientes sociais multifacetados de modo que o indivíduo corre desesperadamente para qualquer lugar. Ele não sabe mais quem é, a que pertence, nem de onde veio. Ele precisa rapidamente aprender a se construir, a se desprender de onde veio. Para onde vai? Pouco importa. Conectar-se ao hoje é questão de sobrevivência. “Precisar tornar-se o que já se é, é a característica da vida moderna“ afirma Bauman.
 
Os professores poloneses de Ciências Humanas Zbyszko Melosik (sociólogo) e Tomasz Szkudlarek (filósofo) concatenam com Bauman ao analisarem as nuances da vida moderna na cidade. Para eles, viver em meio a chances aparentemente infinitas, tem o gosto doce da “liberdade de tornar-se qualquer um”. No entanto a amargura dessa condição logo se revela, pois enquanto “tornar-se” sugere que nada está acabado e temos tudo pela frente, a condição de “ser alguém”, que o “tornar-se” deve assegurar, anuncia o apito final do jogo.
 
Ou seja, o indivíduo não está mais livre quando chega ao final do jogo de construir-se. Você não é mais você, mesmo que tenha se tornado alguém. Estar inacabado, incompleto e sub determinado é um estado cheio de riscos e ansiedade, mas seu contrário também não trás um prazer pleno, pois fecha antecipadamente o que a liberdade pretendia manter aberto.
 
Uma vida a procura da identidade torna-se rodeada de furiosas nuances em que a variabilidade das identidades individuais e a precariedade da solitária construção da identidade faz com que os indivíduos procurem o que Bauman chama de “cabides” para pendurar seus medos, ansiedades, neuroses individualmente experimentadas e que, agora, possam coletivamente ser “exorcizados”.
 
Essas “comunidades cabides” são frágeis e transitórias como emoções dispersas e que facilmente se esvaem, escapam, fogem e escorregam. Os indivíduos saltam erraticamente de uma para outra numa busca inconclusiva de um porto seguro: comunidades de temores, ansiedades e ódios compartilhados, no entanto, “cabides”, reuniões momentâneas em que os indivíduos solitários penduram seus solitários medos individuais.
 
Se essas “comunidades-cabide” garantem o que dizem oferecer — um seguro coletivo contra incertezas individualmente enfrentadas — ainda é questionável. No entanto, segundo Bauman, o participar coletivamente das dores pode fornecer um certo “alívio da solidão”.
 
A dinâmica, a velocidade com que as referências liquidas modernas se movem, o consumismo capitalista, fortalecem a construção das pessoas enquanto individualizadas. Com uma identidade cada vez mais desvinculada, na sua construção, de coletividades compartilhadas e vivenciadas. E essa dinâmica parece lançar esse indivíduo em uma ansiosa solidão correndo atrás de uma identidade que aparenta nunca ser plenamente alcançada.
 
Ou seja, não basta ser bom, tem que ser mais bom que o próprio bom. Não basta ser homem, tem que ser mais homem que o próprio homem. Não basta ser mulher, tem que ser mais mulher que a própria mulher. Não basta ser homoafetivo, tem que ser mais homoafetivo que o próprio homoafetivo. Não basta ser engenheiro, tem que ser mais engenheiro que o próprio engenheiro. Não basta ser professor, tem que ser mais professor que o próprio professor. Não basta ser criança, tem que ser mais criança que a própria criança. Você não é mais você. Você é a roupa que veste. Você é o carro que anda. Você é os lugares que frequenta. Você é a foto que posta na rede social. Você é todas as expectativas que a veloz exterioridade da geração da informação, do design e da estética colocam sobre seus ombros.
Construir a si mesmo deixou de ser um dado natural e espontâneo da vida humana para se transformar em uma tarefa obsessivamente construída sobre os padrões e expectativas que o mercado nos impõe todos os dias o dia todo.
 
Bauman faz uma analogia entre os tempos do antigo capitalismo pesado e do atual capitalismo leve comparando-os, respectivamente, aos passageiros de um navio e aos passageiros de um avião.
 
Os passageiros do navio “capitalismo pesado” sabiam que de uma forma ou de outra chegariam ao seu destino. Poderiam vez por outra reclamar com o capitão, rebelar-se, haviam regras que eram seguidas para que a ordem fosse mantida, mas chegariam ao porto. Já os passageiros do avião “capitalismo leve” percebem aterrorizados que a cabine do piloto está vazia e que não há como extrair da caixa preta qualquer plano de voo. Ninguém sabe para onde o avião vai, nem se existem regras que permitam aos passageiros contribuírem para uma maior segurança de chegada. E nem se haverá chegada. O indivíduo está por conta própria.
 
Essa condição de fragilidade das coletividades, de um presente veloz, um futuro incerto e de um passado que se perdeu, tem formado uma geração desengajada de causas sociais. Que desconhece a própria história. Que não consegue dialogar com as diferenças. Que perdeu a habilidade de resolver problemas de maneira coletiva. E que tem feito a nossa democracia ficar com o grito embargado.
 
O Brasil está desejoso que cada um de nós traga à memória aquela inocente pergunta da nossa infância. “O que você quer ser quando crescer?” Se a resposta for diferente do que você é hoje, lembre-se: Nem sempre ser alguém na vida, significa ser você! Avante juventude brasileira!
 
Fredson Coelho Heymbeeck Milhomem é professor da Faculdade Estácio de Sá de Goiás
 
 
 

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