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Fredson Coelho Heymbeeck Milhomem

O “pensar” está ficando velho?

| 29.12.17 - 14:39

Goiânia - Lembro-me da velha canção popular que dizia “o pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar”. E realmente o poeta estava certo. A máxima de René Descartes do “penso, logo existo” vinculou a existência a este ato de absoluta libertação. Descartes dizia que trocaria tudo que sabia por metade do que não sabia.
 
Pensar dói! Arranca-nos a pele! É um ato de coragem! E talvez seja esta a razão pela qual tão poucos se dedicam a essa tarefa. O pensamento constrói saberes, identidades, heróis e vilões, gênios e insensatos, culturas e seus sistemas de funcionamento.
 
Vivemos um tempo onde a verdade é tão relativa, o ato de pensar tende a passear pelos rios ideológicos e acabou de certa forma, sendo encarado como algo chato e, portanto, reservado a uma classe especializada de intelectuais. Dessa forma, parafraseando o saudoso Gonzaguinha, o pensar perdeu a “pureza da resposta das crianças”. Como responderíamos a nossas crianças de forma a inspirá-las em seus sonhos, se fôssemos abalroados pelos seguintes questionamentos:
 
“Quantas semanas tem segunda-feira?” Ou “Quantas abelhas tem um dia?” “Porque os sorrisos custam tão caro?” “O que acontece com as andorinhas que chegam atrasadas no colégio?” “De onde vem a morte, de cima, de baixo ou de dentro?” “Pra onde vão os pensamentos que eu esqueci?” “Pra onde vão os sorrisos que são entregues no endereço errado?” “O que acontece com as lágrimas que não choramos?” “Se já estou morto e não sei, a quem devo perguntar as horas?” “Quem vive no meu lugar quando estou dormindo?” “Porque a quinta-feira se recusa a vir depois da sexta?”
 
As crianças em sua liberdade possuem o poder de nos deixar absolutamente sem respostas. E essa capacidade de pensar e perguntar faz delas verdadeiros artistas. Jean-Jaques Rousseau dizia: “Perguntar é uma arte. Muito mais de mestres que de discípulos. É preciso saber muita coisa pra perguntar o que não se sabe”. O pensar resgata nas pessoas uma certa humildade diante de toda a existência.
 
O brilhante filósofo argelino Albert Camus (1913 - 1960) incomodava-se com essa atitude de passividade diante do pensar, ele dizia que nós cultivamos o hábito de viver antes de adquirir o hábito de pensar.
 
Desenvolver o hábito de pensar é fundamental para na busca da verdade das coisas. Até porque há a verdade que nasce da reflexão a respeito da nossa própria condição e há a verdade que é “produzida”. Pois há uma relação entre o “SABER” e o “PODER”. O filósofo e historiador francês Michel Foucault (1926 – 1984) já nos advertia sobre essa relação. Afirmava que a verdade está cercada por todos os lados por sistemas de poder que a produzem e a apoiam, e a efeitos de poder que ela induz, e que a reproduzem. É o “regime” da verdade.
 
E esse “regime”, muito mais que uma ideologia, é um condição para formação e desenvolvimento do capitalismo. De modo que o maior desafio para os intelectuais não é criticar conteúdos ideológicos. Não é mudar a “consciência” das pessoas. Mas é pensar se é possível construir uma nova política da verdade, seu regime econômico e institucional de produção da verdade. Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder, até porque verdade é poder. Mas é desvincular o poder da verdade de suas formas de hegemonia social, econômica e cultural.
 
Um dos maiores pensadores de nossa atual condição pós-moderna, Jean-François Lyotard (1924 – 1998) nos advertia há meio século atrás, que poderíamos esperar, então, uma explosiva exteriorização do “saber” em relação ao sujeito que “sabe”, em qualquer ponto que este se encontre no processo de conhecimento. Ele afirmava que o antigo princípio segundo o qual a aquisição do saber era indissociável da formação do espírito, e mesmo da pessoa, cairia cada vez mais em desuso. Que esta relação entre fornecedores e usuários do conhecimento e o próprio conhecimento tenderia a assumir a forma que os produtores e os consumidores de mercadorias têm com essas últimas, ou seja, a forma de valor. O saber seria produzido para ser vendido, e seria consumido para ser valorizado numa nova produção: nos dois casos para ser trocado. Ele deixaria de ser para si mesmo o seu próprio fim; perderia o seu “valor de uso”.
 
O pensar serve hoje ao consumo e não há formação e emancipação humana. Nessa perspectiva, países em desenvolvimento como o Brasil, que são a lata de lixo da indústria do consumo, tem sua política pautada na formação de uma “espécie particular de pensador”.
 
Forma-se um povo tão pobre, mais tão pobre, que é capaz de gritar mais forte um gol que uma injustiça.
 
É o desarme intelectual de um povo. E quando se desarma intelectualmente um povo, coloca-o em prisões culturais cujas resistências são extremamente difíceis de serem rompidas, e que nem mesmo são percebidas por esse povo.
 
A cultura não é uma gaiola nem a chave que a abre. Ela é tanto a gaiola quanto a chave simultaneamente, afirmava o sociólogo da modernidade líquida Zygmunt Bauman (1925 – 2017).
 
Para Bauman estamos a ponto de criar um tipo de sociedade em que ficará quase impossível ter um pensamento com mais do que alguns centímetros de extensão. E essa indiferença à durabilidade dos processos da vida e ao bojo de valores que ele carrega, transforma a imortalidade de uma ideia em uma experiênciaque precisa ser imediatamente consumida. Ou seja, é a forma como se vive o momento é que faz desse momento uma “experiência imortal”. O ilimitado das sensações possíveis ocupa o lugar que era ocupado pelos sonhos de duração infinita.
 
O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar.
 
Termino essa reflexão, com esse pequeno soneto que escrevi sobre esse desafio de libertação intelectual a que necessitamos nos propor todos os dias, “PENSAR”:
 
No apego do homem à sua vida
Há misérias de força incomum
A verdade que então se duvida
Cobra a juros... não poupa nenhum
A verdade é uma busca constante
Muitos buscam em vários lugares
No silêncio da alma num instante
Vasculhamos por todos os ares
O viver cultivamos primeiro
É rotina sem nenhum pesar
Nessa ânsia de tão costumeiro
Esquecemos do velho pensar
É velho porque se esqueceu?
Ou é o “pensar” que se envelheceu?
 

*Fredson Coelho Heymbeeck Milhomem é professor da Faculdade Estácio de Sá de Goiás 
 

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