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Elisa A. França
Elisa A. França

Jornalista formada pela UFG, especializada em comunicação ambiental, com passagem pelo Greenpeace e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). / eafranca@gmail.com

Ambiente urbano

Pedal de saias

Gabriela Silveira se engajou no cicloativismo | 13.04.12 - 09:59 Pedal de saias Elisa A. França


Há algumas semanas, combinei um encontro com a arquiteta e urbanista Gabriela Silveira, uma das coordenadoras do grupo Pedal Goiano. Nunca tínhamos nos falado pessoalmente, mas quando vi aquela moça chegando de vestido, luva e capacete, já sabia que era ela. Super articulada, ela contou que nem sempre andou de bike pra cima e pra baixo. Até o ano passado, ela sequer tinha uma bicicleta! Mas se encantou com a causa e hoje é uma de suas principais porta-vozes na cidade, que vê o assunto crescer e tomar corpo pelas ruas.
 
Quer ver o que mais a gente conversou? Respire fundo, pois o papo, ali debaixo das árvores do Bosque dos Buritis, foi longo.
 
O Detran-GO planeja uma campanha que contemplará a bicicleta. É uma novidade?
Jamais a gente vê isso no país. Quando divulgamos na internet, o pessoal de São Paulo ficou louco, “quando isso vai chegar aqui?”. Geralmente as campanhas envolvem só os motorizados e os pedestres. Será uma campanha abrangente, voltada para o ciclista, ensinando-o a respeitar as regras, como andar com mais segurança. Haverá folders, outdoors, banners nas bicicletas circulando pela rua e apoio da mídia, pela Rede Record.
 
Os motoristas serão alertados quanto aos cuidados que devem tomar com relação ao ciclista?
Isso. Também vai ser voltada para o motorista, para que ele, ao ver o ciclista, o respeite, diminua a velocidade, mantenha distância. E também pro pedestre. Para que todo mundo entenda que todos nós somos parte do trânsito, que temos direitos a nossa vez e ao nosso espaço. Não estamos em confronto. Até fiz uma sugestão para eles (Detran). Hoje, a maioria dos usuários que vão de bicicleta para o trabalho é de baixa renda. Gente que não tem conhecimento da lei, não entende esse negócio de fazer sinal com o braço, e não tem nem dinheiro pra comprar capacete. Então, a campanha tem que focar nos locais onde eles estão.
 
Que locais são esses?
Na época em que elaboraram o projeto da ciclovia do Guanabara, eles fizeram contagem na 5ª Avenida com a Independência...
 
“Eles” são a CMTC?
Não, quem elaborou o projeto foi uma empresa contratada pela Amob, chamada Exoteng. Na contagem, viram que na 5a avenida com a Independência são quase 600 viagens de bicicleta por dia. É muito. Moro a uma quadra desse cruzamento, ao lado de uma escola municipal, e os pais levam os filhos de bicicleta. Os meninos maiores e o pessoal da noite também vão de bicicleta.
 
Acontecem acidentes?
A gente tem notícia. Se não me engano, em 2010, o Hugo registrou dois mil e tantos acidentes envolvendo ciclistas. O pessoal faz muito alarde quando acontece, só que as estatísticas mostram que de carros acontecem muito mais, e de moto muito muito mais. Há um acidente para cada 39 motos em Goiânia. Um para cada 116 carros. E um para cada 395 bicicletas.
 
Mas o volume de gente que usa esses outros veículos também é muito maior. O ciclista está mais suscetível e é mais “invisível”.
É maior. Mas o que nos preocupa é que, como tem havido algumas mortes de ciclistas no país, sentimos que a mídia prestou um serviço meio contra. O ciclista é que estaria pondo sua vida em risco ao sair na rua. Mas não é isso. Se ele foi atropelado, por quem foi? Por quê? Por outro lado, muita gente fala que o ciclista não respeita regra, anda na calçada... Mas se for seguir a lei à risca, ela não salva nossa vida. Você não vai andar no meio dos carros correndo o risco de ser atropelado, porque o carro passa em alta velocidade e muito próximo da gente, principalmente nas ruas em que há veículos estacionados. Existe imprudência do ciclista? Existe. Assim como de pedestre, de motorista, de motociclista, de motorista de ônibus. É por isso que a gente precisa da campanha. Não é só jogar a ciclovia no canto que vai resolver o problema. A gente precisa de políticas públicas. Não é só porque a bicicleta é bonitinha, saudável e não polui. Estamos falando de resolver o problema da mobilidade urbana. 
 
Como está o projeto da ciclovia do Guanabara, ligando o Jardim Guanabara à Praça da Bíblia?
Engavetado. Mas o projeto é horrível. Simplesmente pegaram um mapa e jogaram um desenho, “ó, a ciclovia vai passar aqui”. Não fizeram estudo de tráfego, para saber se passa carro, caminhão, moto, se há travessia de pedestre. Assim, eles jogaram a ciclovia pra rua 10 (do Centro), porque cabia no canteiro central.
 
O que vocês acharam da ciclovia da 10?
Uma coisa que eu falei quando estavam fazendo aquele projeto, que eu sinto que não vai dar certo... No canteiro central, o problema é: quem está chegando às ruas transversais, como vai acessar a ciclovia? Há cruzamentos em que era preciso colocar pelo menos um rebaixo do meio fio. Alguns não estão rebaixados. Eu vim do setor Universitário, agora, e cheguei na rua acima da marginal Botafogo. Tive que andar um quarteirão todo pela direita (na rua). E há cruzamentos muito perigosos para o ciclista atravessar reto e entrar na ciclovia.
 
Como foi seu diálogo com a CMTC sobre o projeto? Aconteceu desde o começo?
Não, eu nem participei, eles só falaram pra mim que iam fazer a ciclovia, e perguntaram algumas coisas. Tipo: como você acha que a gente faz a travessia pra Praça Universitária? A primeira coisa que eles falaram foi sobre a travessia pra Praça Cívica. Que eles não fizeram. Hoje, vindo pra cá, passei por lá. Onde termina a ciclovia, é uma dificuldade imensa de atravessar. Não há acesso pra bicicleta. Tem a rampa do pedestre. E o único tempo que a gente tem pra atravessar é o do pedestre. Na Praça Universitária, fizeram uma ciclovia em volta, onde era uma pista de caminhada. E as pessoas estão caminhando e correndo em cima da ciclovia. Também perguntei na CMTC quando eles iam fazer a sinalização, mas disseram que é a última coisa. Primeiro têm que construir todo o trecho, até a Praça da Bíblia, e depois que terminarem a ciclovia e a restauração da praça, tem as calçadas, que já estão começando a fazer. E tem a faixa exclusiva do ônibus, tem que recapear todas as vias... ou seja, eles só vão fazer a sinalização da ciclovia quando forem fazer a sinalização viária. Depois que tudo estiver pronto.
 
Eles deram algum prazo?
Acho que era abril. Estou tentando marcar uma reunião lá desde janeiro. Enfim, a responsabilidade é deles. Eu queria ajudar. As pessoas não sabem que aquilo é uma ciclovia, sem a sinalização. Elas estão andando e correndo ali. Então, eles vão deixar meses aquilo ali pras pessoas se apropriarem e, de repente, vão colocar uma sinalização. E acham que as pessoas vão respeitar? Não vão. E eu duvido que eles façam algum trabalho de educação lá. Teria que haver. Nos municípios onde as ciclovias são construídas, entregam até um manual pros ciclistas, pra ensinar o que é uma ciclovia, o que é esse sinal, como atravessa... 
 
O diálogo da Prefeitura com a sociedade é bem frágil.
Como foi na questão da arborização. Eles fizeram o projeto depois que começaram as obras. Eu fui à reunião onde o apresentaram e conversei muito com o Toninho (Antônio Esteves), que é o gerente de arborização da Amma (Agência Municipal de Meio Ambiente). Tem um trecho na ilha com uma faixa estreita de paver (calçamento pro pedestre) e uma faixa estreita pras árvores. Sugeri retirarem esse paver, ninguém vai caminhar lá. E a árvore, que vai ter 60 centímetros de diâmetro, vai quebrar o meio fio. O Toninho falou que ali não havia problema, que não ia quebrar... A explicação é que eles seguiram o alinhamento das árvores que foram mantidas na avenida. Mas antes isso (não manter o alinhamento) do que o resto mal feito, né? Outra coisa: no retorno, quando o carro para pra fazer a curva, há várias árvores bem no campo de visão do motorista. Hoje são só umas mudinhas, mas quando crescerem vão atrapalhar. 
 
Ou seja, é um projeto mal discutido e mal elaborado.
Falei isso com o Pedro Henrique (antigo presidente da Amma), ele chamou o Toninho na sala dele e conversamos os três. O Toninho falou assim: realmente, quando eu fiz o projeto, como havia muita crítica de a gente arrancar as árvores, pensei em plantar o máximo possível e não prestei atenção nisso. Ele disse que na próxima vez que fosse lá iria me chamar, anotou meu telefone. Nunca mais tive contato. Ele falou que ia consertar o problema das árvores no campo de visão, mas não fizeram nada. Na CMTC, pedi a reunião com a arquiteta do projeto, ela disse que queria marcar o mais rápido possível, mas que estava sem tempo... Então tá, faz as coisas erradas, mas depois não vem falar “atendemos à solicitação do Pedal Goiano”. O Pedal nunca pediu um negócio mal feito desse, não. Tentei ajudar diversas vezes, eu quero que aquilo ali funcione. 
 
Mesmo assim, você acha que a gente pode ver algo de positivo, no fato de termos a primeira ciclovia de Goiânia? 
Podemos. Primeiro, o conceito desse eixo é muito interessante. Nunca se falou nisso: se priorizar o usuário do transporte coletivo, o pedestre e o ciclista. O usuário, porque vai ter o eixo preferencial pro ônibus, que não vai ter que competir com o carro. Pro pedestre, porque eles vão reformar todas as calçadas ao longo do eixo. Elas vão ser de acesso universal, com rebaixamentos, a arborização vai ser refeita. E pro ciclista, porque vai ter um caminho próprio pra ele. Esse conceito é de mobilidade urbana sustentável. Só que o conceito é uma coisa. A aplicação dele é outra. 
 
Qual é o próximo passo, pra Goiânia caminhar no sentido de dar espaço para o transporte em bicicleta?
Primeiro, tem que haver participação do cidadão. Não adianta a gente ter lei, se não houver controle social. Se a gente não participa, o político faz aquilo que bem entende. A estrutura administrativa que existe hoje também é muito fragmentada, o que torna difícil a gente participar. Você viu, eu tenho que ir à CMTC, à Amma, não sei mais onde. E percebo que, em cada um, o discurso é diferente. A partir do momento em que começarmos a cobrar, eles terão de se organizar. Tem muita gente que pensa que há outras coisas mais importantes do que bicicleta, como saúde e educação. Mas pra você ir pra escola, você tem que se deslocar. Pra ter acesso à saúde, também. Pra comprar pão, idem. Todo mundo tem necessidade de deslocamento. E todo mundo faz parte desse problema chamado mobilidade urbana. Falando de bicicleta, estamos falando de uma melhoria pra todo mundo. Não é só pra quem tem a necessidade de usá-la.
 
*Este texto passou por alterações às 14h30
**Gabriela Silveira informou à coluna que, depois de conceder a entrevista (no dia 26/03), ela se encontrou com a CMTC e a AMT para discutir o projeto da rua 10. Daremos mais informações na próxima semana.

Comentários

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  • 23.04.2012 09:50 Elisa A. França

    Continuo sonhando com o dia em que os comentários nos veículos de internet ganharão mais qualidade, com as pessoas respeitando umas às outras e baseando suas opiniões em argumentos.

  • 19.04.2012 11:30 José Maria e Silva

    É um absurdo ver uma pessoa que descobriu a bicicleta há menos de um ano – por puro modismo, como fica bem claro nas respostas vazias da entrevistada – de repente se tornar autoridade em urbanismo, a ponto de ser consultada sobre a reforma de uma avenida histórica como a Universitária, assassinada pelo prefeito antiecológico de Goiânia. Nunca vi tanta imprecisão e tanta empáfia juntas como nesta entrevista. O cicloativismo é uma doença da mente. Se o poder público quisesse criar, de fato, uma cultura séria da bicicleta, ele ouviria seus verdadeiros usuários: os bicicleteiros pobres. Ocorre que esses, coitados, sonham com moto e carro e só andam de bicicleta por falta de alternativa. O tal cicloativismo é praticado por filhinhos de papai que deixam seus carrões na garagem e transformam a bicicleta numa espécie de droga ambulante. Falo com a autoridade de quem detesta a cultura d0 automóvel e nem mesmo dirige veículo automotor.

  • 13.04.2012 04:53 Fernando Chapadeiro

    Parabéns Elisa! A Gabi já tem três votos...do Pablo, o meu e da Luiza.

  • 13.04.2012 02:40 Wendel Franco

    Elisa, quero aproveitar e reclamar aqui que a prefeitura revirou tudo lá na praça Universitária e parou a obra da ciclovia. Resultado: não há mais calçamento ao redor da praça, somente entulhos, as pessoas que costumavam fazer caminhada lá estão impedidas de fazer isso, ciclistas não podem passar, tampouco o pedestre, que agora tem mais dificuldade de transitar por lá. Êta, prefeitinho ruim!

  • 13.04.2012 01:24 Marcelina Gorni

    Excelente matéria, Elisa! A Gabriela é pessoal e profissionalmente uma pessoa fantástica, desde os tempos de estudante! Parabén pela ótima matéria!

  • 13.04.2012 10:48 Pablo Kossa

    Uma pena a Gabriela não se candidatar. Teria meu voto fácil.

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