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Fabrício Cordeiro
Fabrício Cordeiro

Crítico de cinema e curador da Goiânia Mostra Curtas 2013 - Mostra Municípios / fabridoss@yahoo.com.br

Sala de Cinema

O novo RoboCop e o Inmetro

| 24.03.14 - 12:19 O novo RoboCop e o Inmetro (Foto: divulgação)
Por Fabrício Cordeiro

Goiânia
- Num território tão desvantajoso quanto o dos remakes de obras cults, vigiados por apreciadores dos originais a cada notícia e imagem que apareça na mídia, é preciso, em primeiro lugar, dar o devido crédito de termos aqui no mínimo uma refilmagem (ou atualização, me parece mais apropriado) diferente de sua fonte (quem quiser algo igual ao original, que reveja o original, não?) e aparentemente interessado em seus próprios objetivos, que não são poucos. Em certa medida, o RoboCop de José Padilha flerta mais abertamente com o sci-fi, agregando pequenas e curiosas discussões que, embora dignas de contos de Philip K. Dick, nunca são de fato aprofundadas, limitando-se a passar de raspão por elas.
 
Em suas ambições, esse novo filme amplifica seu universo e tenta fazer o mesmo em relação ao "mal necessário" que seria uma polícia robotizada num futuro próximo. Na melhor cena do filme, a câmera acompanha uma tentativa de fuga de Robocop logo após acordar num laboratório, passando por centenas de trabalhadores e revelando, enfim, que parte do história não ocorre nos Estados Unidos e que existe ali uma logística de produção nada menos que atual (o ambiente clean e branco parece sinalizar para a Apple, aliás).
 
Há também uma ânsia por percorrer vários canais de debate, às vezes tateando sem muita certeza do que dizer e onde chegar, feito a parábola dos cegos e o elefante. Sensacionalismo televisivo, corrupção policial, melodrama familiar, ética científica, rivalidade entre homem e máquina, vingança, tudo isso entra no roteiro, de alguma forma espelhando as conexões que o diretor brasileiro já propunha em seus dois Tropa de Elite. Aqui, no entanto, montagem e direção parecem suar para deixar os lados todos perfeitinhos, como se brigassem com um cubo mágico por duas horas.
 
Entretanto, por mais que sejam diferentes e tenham de ser diferentes, o princípio de ambos os filmes é a violência. É ela o elemento que dá liga, e é ela, também, o grande tema de Padilha desde o documentário Ônibus 174 (2002), até hoje seu melhor trabalho. No caso de RoboCop, de algumas maneiras a versão atual parece pedir por mais violência gráfica do que o original - e brilhante - dirigido por Paul Verhoeven em 1987. Mas não há uma gota de sangue. Não há nada para horrorizar o público e deixá-lo intrigado e incomodado com sensações mistas, porque uma violência G.I. Joe sempre será OK ao olho nu.
 
Temos aqui, então, um filme que se coloca diante de questões em torno da violência (urbana, mundial, simbólica, pessoal), mas se esconde dela. Cheia de receio em mostrar homens explodindo ou mesmo tiros em pessoas, a câmera ora filma de longe, ora aproveita a perspectiva do personagem cameraman para tremer e se virar pra um lado seguro, ou então uma fumaça de explosão oculta todo o campo de visão, ou simplesmente os inimigos caem como sacos de areia, secos e neutralizados.
 
A armadilha que vitimiza o policial e homem de família Alex Murphy (Joel Kinnaman, em atuação andróide antes e depois da armadura), posteriormente levando-o à sua única opção de vida, que seria aceitar sua transformação em um experimento criado por um empresário milionário oportunista (Michael Keaton) e desenvolvido por um cientista (Gary Oldman), tampouco escapa do acanhamento em relação a mostrar ou não mostrar uma violência mais explícita. Porque, afinal, a cena é premeditada, é anunciada antes de acontecer, deixando o espectador apenas no aguardo de sua confirmação, que já vira em cena anterior a preparação da tentativa de assassinato do personagem. Um pouco mais de cuidado e preocupação com a integridade do nosso olhar e teríamos cintos de segurança e airbags nas fileiras do cinema.
 
No delicioso carro desgovernado que é o RoboCop de 1987, obra que jamais seria realizado hoje, o Alex Murphy de Peter Weller se via num covil de criminosos insanos, cercado por uma série de possibilidades brutais que só se revelavam no exato momento em que eram executadas. Naquele filme, mas não apenas nele, Verhoeven era um mestre do incômodo e do estado de alerta, da tensão criada pela desconfiança de que qualquer coisa pode acontecer ali, naquele momento. Sem avisos, sem tempo de fechar os olhos ou virar o rosto.
 
Quase como um homem-bomba infiltrado em Hollywood, Verhoeven fazia de seu RoboCop um reflexo alucinado de uma sociedade norte-americana (Detroit, para ser mais específico) que se engasgava em altos índices de violência. O longa de 87 se permite embriagar-se dessa agressividade, fazendo-se irresistível mas também difícil de olhar.
 
A questão, logo, tampouco poderia ser mais atual, sobretudo no Brasil (o que sugere uma oportunidade desperdiçada por um cineasta brasileiro em sua produção de maior visibilidade): uma violência policial, patrocinada por empresários e apoiada por Estado e interesses políticos, seria mais "aceitável", não importando seu equivalente potencial de desgraça e feiura?
 
Na trama do novo filme, o rosto de um homem num robô é uma clara tentativa de humanização seguida de aprovação da opinião pública, uma nova investida estratégica de uma força policial que literalmente se desumanizou com o tempo. Em cena um tanto cronenberguiana, Murphy se descobre ainda Murphy, mas com o desafio de lidar com uma nova ideia de corpo e, não muito atrás, origem. O conceito de um robocop não completamente autômato surge da noção de que ele é uma cria consequencial de um sistema descontrolado e, portanto, parte desse sistema e, enfim, de sua violência. Porque é ela que guiará determinados tipos (ou níveis) de aceitação, para não dizer aprovação, desse espelho de um futuro proposto.
 
O problema é que, neste caso, se não há sangue, não há questionamento, e apenas o original de Verhoeven demonstra compreender este ponto. No que talvez seja medo de chocar o que tem tudo pra ser seu maior público (às vezes arriscando desviar o interesse para outras questões, mais próximas da ficção-científica, como já dito), o filme de Padilha evita escancarar a violência na tela e acaba por transformar seu Robocop em um herói fácil, algo que o longa de 87, com toda aquela demência visual e satírica, tão apreciada por Verhoeven, nunca deixava acontecer. Pelo contrário, na verdade: aquele RoboCop é de uma rara esquisitice, pois enquanto cabe a ele o papel de mocinho upgrade num universo onde há bandidos a serem combatidos, ao mesmo tempo o natural sentimento de prazer que o espectador teria em acompanhar os feitos desse herói-produto é intimidado pela possibilidade de uma mão e um braço explodirem a olhos vistos ou um carro atropelar e estourar um homem já derretido por líquidos tóxicos. No longa de Verhoeven existe o combate ao crime, existe a vingança, os vilões derrotados, mas antes disso, bem antes, a primeira coisa a ser lembrada são essas imagens grotescas e despudoradas. Não é biscoito.
 
Por sua vez, o Robocop geração 2014 evita DRs e nasce pronto para o boneco action figure, pois é fácil abraçar suas ações num filme tão tímido visualmente. Quando a população vibra com sua presença, não há ambiguidade. É mocinho inegável e aprovado pelo Inmetro, o que talvez explique um sujeito na minha sessão que se empolgava e batia palmas a cada guinada do Robocop a uma missão. Ele comprou o heroísmo adolescente, por mais que ao final o filme tente deixar mastigada sua ironia.
 
 

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