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Tutti-Frutti

A consciência tem cor

Força de nossas raízes está em braços negros | 24.11.14 - 19:45

Goiânia - O fotógrafo Oliviero Toscani, responsável pela peça acima, desenvolveu o anúncio para a polêmica campanha United Colors da Benetton. A imagem criou controvérsia quando foi lançada e classificada como racista por alguns grupos. A questão é: a peça é racista ou promove uma reflexão sobre nossa visão distorcida de mundo?
 
Após o Dia da Consciência Negra, a jornalista Neila Medeiros do SBT diz que “Hoje é dia de branco”. A jornalista cometeu uma gafe na manhã desta segunda-feira (24/11). 
 
"Dia de branco" é uma “forma” de chamar a segunda-feira. E é uma expressão tão racista quanto aquela marchinha de carnaval "O teu cabelo não nega mulata, porque é mulata na cor. Mas como a cor não pega mulata, mulata eu quero seu amor".
 
O timing da profissional foi péssimo, claro, mas me pareceu mais um acidente do que uma declaração racista.
 
Contudo essa expressão tem um significado muito claro: brancos trabalham e negros são vagabundos. Se isso foi tradição no tempo dos nossos avós, hoje evoluímos e precisamos evoluir muito mais. Tradições nefastas devem ser combatidas, pois senão continuaria sendo normal homem arrastar mulher pelos cabelos.
 
A jornalista cometeu um crime, pois como comunicadora de massa ela tem obrigação de saber o significado do que fala, responsabilizando-se pelos efeitos causados.
 
A pesquisa Participação, Democracia e Racismo?, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada nesta quinta-feira (20/11) apontou que, a cada três assassinatos no País, dois vitimam negros.
 
Segundo a pesquisa, a possibilidade de o negro ser vítima de homicídio no Brasil é maior inclusive em grupos com escolaridade e características socioeconômicas semelhantes. A chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos.
 
No dia 20 de novembro, apenas 18% das cidades do Brasil pararam suas atividades em razão da consciência negra. E não faltaram, entre os brancos e bem nascidos que gozavam do feriado ainda tão restrito, as mais bizarras observações acerca da data, como propor dia da consciência branca, a necessidade de uma consciência que não tenha cores, o excesso de feriados no país etc. São sinais de que a falta de conhecimento histórico é um grave problema do Brasil.
 
Primeiro, falemos de feriados. O Brasil todo (ou seja, 100% das cidades) para em pelo menos seis datas religiosas (todas católicas em um país dito laico), sendo elas: Sexta Feira Santa, Páscoa, Corpus Christi, Dia da Padroeira Nossa Senhora Aparecida, Finados e Natal. Somam-se a isso as datas municipais de padroeiros em que cada cidade para suas atividades para badalar os sinos da igreja. Portanto, se há muito feriado no Brasil, talvez seja hora de repensar se não há santos demais impostos pelo Vaticano em nosso calendário.
 
O que importa mais nesta questão, entretanto, é o porquê da consciência especificamente focada nos negros.
 
O Brasil foi o país que mais recebeu escravos africanos no planeta entre os séculos XVI e XIX. Segundo o historiador Caio Prado Jr., foram ao menos 7 milhões de seres humanos acorrentados para uma vida de sacrifícios, apenas por terem nascido negros (esse número é mais da metade de todos os escravos trazidos para as Américas).
 
Também foi o Brasil o país que mais tarde acabou com a escravidão no mundo, num processo que apenas jogou os afrodescendentes numa liberdade sem oportunidade alguma de vida digna, condenando-os à marginalidade social.  
 
Os reflexos desse momento histórico estão à nossa vista até hoje, e bastam dois dados para entendermos o que isso significa: 68% das mortes violentas no país têm como vítimas os negros, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014; trabalhadores negros ganham, em média, pouco mais da metade (57,4%) dos rendimentos dos brancos, segundo dados do IBGE, também deste ano. Ou seja, existe uma ferida aberta, ainda necessitando de cicatrização.
 
Dizem os defensores da "consciência branca" ou da "consciência sem cor" que as gerações de hoje não têm culpa pelo que foi feito no passado e eis o cúmulo da irresponsabilidade histórica, pois estes repetem os mesmos discursos de seus ancestrais para manter a escravidão no país, até porque foram os colonizadores que a impuseram como modelo na colônia (e, portanto, os senhores de engenho não teriam "culpa" por isso).
 
Numa sociedade democrática onde se pratica cidadania, todos são responsáveis por (e incumbidos de) construir um país justo e consciente de seus débitos e créditos do passado. Porque não se chega a altura alguma sem considerar as raízes fincadas no chão.
 
E a força de nossas raízes está em braços negros que ajudaram moldar nossa cultura e são nossos irmãos de nação.
 
Sem África, não haveria o Brasil que hoje temos.

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