Goiânia - Kevin*, como todo adolescente de 16 anos, gosta de selfies e de vídeos compartilhados. É um típico jovem da sociedade em rede, de uma geração nativa nas tecnologias digitais. Mas Kevin é diferente. Ao invés de festas com os amigos, ele havia gravado um homicídio com seu celular.
O vídeo correu o Brasil e o mundo. Chocou a sociedade, alarmada com tanta brutalidade vinda de alguém tão jovem. E, como sempre ocorre em momentos de comoção popular, despertou mais uma vez a discussão sobre a maioridade penal.
O tema é espinhoso, desperta paixões, enfurece debatedores, mexe com ideologias. Mas é preciso caminhar sobre esses espinhos.
Precisamos falar sobre o Kevin.
Há inúmeros argumentos fortes contra a redução da maioridade penal no Brasil. Acredita-se que o jovem está em formação e que trancafiá-lo em uma prisão seria abortar suas chances de futuro. Defende-se, também, que é preciso reverter a lógica punitiva vigente.
A Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 iluminaram o caminho. Muita coisa, porém, nunca saiu do campo das intenções.
Se há algo que o ECA produziu de efetivo foi uma nova linguagem carregada de eufemismos. Menores não cometem crimes, não são criminosos nem cumprem penas. No máximo, praticam atos infracionais e cumprem medidas socioeducativas – o que não passa de mito.
É politicamente incorreto, inclusive, chamá-los de menores, termo considerado pejorativo. Ainda que exista uma diferença abissal entre o adolescente de 24 anos atrás e o de hoje, ainda os mantemos em incubadoras invisíveis, onde estarão “seguros” sob a proteção de adultos bem intencionados.
Pessoalmente, aprovo a redução da maioridade penal para casos de homicídio, latrocínio e estupro. Sei que é uma posição polêmica.
Abaixo, em negrito, cito alguns dos argumentos mais comumente utilizados pelos defensores da manutenção da maioridade penal aos 18 anos e, em seguida, faço pequenos comentários:
Faltam políticas públicas para a juventude
Culpar o “sistema”, o Estado, a sociedade, é culpar a todos e, ao mesmo tempo, ninguém. O Estado, o sistema, a sociedade nunca serão presos. E se não há responsabilização, tudo é permitido.
Admitir que a criminalidade é o efeito e que as mazelas sociais são a causa é acreditar cegamente que o homem simplesmente é fruto do meio, um ser autômato, incapaz de tomar decisões pessoais.
Por fim, reduzir a maioridade penal não exclui o Estado da obrigação de promover tais políticas públicas.
Prender menores não resolve a criminalidade
Seria ingenuidade dizer o contrário. O que se pretende com a redução da maioridade penal é que cada cidadão tenha consciência de que poderá ser responsabilizado pelos seus atos, de acordo com a gravidade deles.
Os presídios não ressocializam
Sejamos sinceros. A única função da prisão é isolar, por algum período, indivíduos considerados perigosos ou indesejáveis pelo resto da sociedade. O ideal é que esse isolamento seja feito em condições de dignidade humana. Crer em ressocialização é um ato de fé para aplacar sentimentos de culpa.
Os presídios estão superlotados
É o varejo do crime que entope as celas: furtos, pequeno tráfico, etc. O Brasil prende muito e prende mal.
Estima-se que menos de 1% dos menores infratores comete delitos como homicídio, latrocínio e estupro. Isso significa que a mudança da maioridade penal em crimes do tipo não agravaria a superlotação.
Presídios são universidades do crime
Trabalhando na Secretaria da Segurança Pública, estive em dezenas de unidades prisionais nos últimos anos e não tenho medo de errar: se existe inferno, os presídios são suas sucursais na terra. Melhorar as condições gerais do sistema penitenciário é necessidade urgente no Brasil.
Ainda assim, me arrisco e pergunto: manter os adolescentes infratores fora dos presídios tem impedido que eles concluam seus “MBAs do crime”? Vários exemplos mostram que não. Ao contrário, a certeza da impunidade (ou de punição relativamente branda) é forte incentivadora à repetição e ao agravamento do delito cometido.
Uma alternativa seria que os menores iniciassem o cumprimento de pena em presídios específicos, sendo transferidos para o sistema geral após os 18 anos. Para isso, é preciso investir na estrutura do sistema.
Primeiro se reduz para 16; depois para 14; depois para crianças de colo...
Qualquer corte etário será arbitrário. Comissões formadas pelo Ministério Público, entidades de Direitos Humanos, psicólogos, assistentes sociais e Poder Judiciário poderiam analisar caso a caso e definir pela punição compatível, independentemente da idade.
Enfim, como disse acima, é um assunto melindroso. Não desejo ser o dono da verdade, ainda mais em tema tão complexo. O mais racional é que a redução da maioridade penal não ocorra de afogadilho. É preciso preparar o terreno antes.
Mas volto a dizer: precisamos falar sobre o Kevin. Você não acha?
P.S.: *Kevin é personagem de um livro. Aqui, usei como pseudônimo do adolescente que filmou o momento em que matou Marcos Vinicius Caixeta, em Senador Canedo (GO). O vídeo estava no celular do executor, que tem apenas 16 anos, e foi encontrado pela Polícia Militar.
Autor e vítima têm perfis semelhantes: jovens, pobres e usuários de drogas. O irmão de Marcos Vinicius também foi assassinado, há um ano. Kevin confessou ter matado outras duas pessoas.