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Cássia Fernandes
Cássia Fernandes

Cássia Fernandes é jornalista e escritora / lcassiaf@gmail.com

Alinhavos

Estou grávida e o filho é seu

Um conto de terror para homens | 19.03.15 - 11:00
 

 
Goiânia - Estou grávida e o filho é seu. Assim começa este conto, uma história verídica ou – espero – ao menos verossímil, ou melhor, várias histórias, porque são vários filhos, de uma barrigada só. É que, depois do terror ao compromisso, nada mais aterroriza tanto um homem quanto receber uma notícia dessas, ainda mais quando é dada publicamente ou pelo oficial de Justiça. Os homens padecem de um horror ancestral de ser convocados a arcar com as consequências da cópula. Sempre foi assim e no passado ainda era pior, porque havia o medo de ter que criar, não os próprios filhos, mas as crias de outro que botava seus ovos no ninho e entre as coxas de suas esposas. Imaginem quantos no mundo não criaram descendente alheio.

Aliás, o terror de cevar chupim em ninho de joão-de-barro – dizem historiadores – e de transmitir-lhe a própria herança é que levou os homens a confinar as mulheres em gaiolas e a repassá-las de um grilhão ao outro, das mãos de ferro do pai às garras metálicas do casamento. Propriedade privada, família e patriarcado caminharam juntinhos, não é, senhores Marx e Engels? Antes, nas sociedades matriarcais, nos tempos da propriedade comum primitiva, a descendência era contada pela linhagem materna. Aliás, nem se sabia a princípio que parte o homem tomava na história da reprodução. Acreditava-se mesmo que o negócio era só da mulher, aquele ser misterioso e sangrento. Foi observando porcas e porcos em cercados, que se percebeu a participação masculina no processo.

Instituído o patriarcado, tudo transcorria de certo modo tranquilo, até que um Mefistófeles qualquer da ciência descobriu o ácido desoxirribonucleico. Foi o próprio diabo que inventou o tal do maldito do exame de DNA. Até então, os homens podiam liberar seus espermatozoides sem maiores preocupações, espojar-se e espargir-se ora aqui ora ali, semeando essa terra engraçada de meu deus.

O cara podia desvirginar quantas desejasse, embarrigar as tantas que conseguisse. Às vezes tinha que fugir de um pai vingativo ou de um marido furioso, acabava capado ou morto, mas, tirante isso, era comum os sujeitos morrerem sem saber quantos meninos tinham espalhado no mundo.  Porém, com o tal exame e outra invenção terrível, que foi essa de as mulheres e as crianças terem direitos e não serem somente propriedade do dominus, a coisa complicou. Extirparam de vez o escaravelho de asa de passarinho, e as mulheres de hímens arrebentados e os rebentos catarrentos começaram a arrebentar a vida dos sujeitos.

Roberto, contador cearense, sempre foi um bom marido, trabalhador, punha mantimento em casa, não espancava a mulher e até fazia amor sem dor, exceto por uma ou duas ou três vezes em que pulara o muro para adoçar a boca da vizinha.  Mas certa noite, estando em viagem para Salvador, não resistiu à friagem que por lá fazia e deitou-se com uma baiana das mais lindas, sereia. Letícia estava de casamento marcado para o mês seguinte. Casou-se com Maurício e tiveram gêmeos, mas quando os dois bruguelinhos branquelos já estavam com um ano e não escureciam a tez, ele começou a coçar sua testa já não tão mocha. Apertou a moça, que confessou. Exame de DNA se fez. E assim, 21 meses depois de Roberto comer a moqueca, o oficial de Justiça bateu em sua casa e por bem pouco ele não perdeu a esposa e as cuecas.

Estefânia, depois de muito choro e ranger de dentes, aceitou viajar com ele e os dois legítimos descendentes para conhecer os outros dois bastardinhos. Como prova de amor, ele tatuou seu nome no peito, nos braços, nas pernas e onde mais coubesse, feito gado marcado para sempre. Até que vivem bem, quando ela não lhe atira nas fuças que aquela pensão alimentícia tornou a vida, que já era difícil, ainda mais dificílima.

Aliás, o que aterroriza tanto os homens não é ter por aí, como resultado de andanças e lambanças, um ser criado à sua imagem e semelhança. É mesmo a tal da pensão. A tal da propriedade privada, meus caros.

“Se ao menos essas mulheres que se apresentam hoje tão feministas, tão cheias de direitos, tão independentes, tão liberadas sexualmente, aceitassem criar os filhos sozinhas. Mas não. Basta se tornarem mães, para que as Evas inocentes se convertam em serpentes rancorosas e ambiciosas.” – espumava Ricardo, goiano radicado em Brasília, noivo de Patrícia.

Viajou a trabalho para o Acre para uma temporada de seis meses, tempo suficiente de formar um depósito de esperma que supitava para a cabeça e confundia o juízo de qualquer temente a Deus e comprometido com futuro casamento. Arranjou logo uma curraleira, que era como se referia às mulheres do lugar, para aliviar-se ao menos umas duas vezes por semana. Quando estava prestes a voltar para sua casa em Brasília, Giselda fez o anúncio:

“Estou grávida.”

“Sua vadia!” – gritou. “Queria ver se eu fosse um pé rapado e não um funcionário público estável.”

“Você vai tirar.”

“Não vou”.

Ricardo perdeu a noiva, mas aprendeu uma lição, que ensinava aos colegas de trabalho.

“O cara é aprovado em um bom concurso público e vai morar lá na ponte que partiu. Desesperado, no meio de tanta mulher feia feito o capeta, acaba achando uma outra engraçadinha e cai nas mãos de uma dessas caça-barriga”.

Como medida preventiva, passou a jogar no vaso sanitário as camisinhas usadas e dar descarga várias vezes.

“As quengas vasculham o lixo e pegam os preservativos que contêm o sumo sagrado de seu futuro.”

Mas não teve sorte mais uma vez. Em outra viagem, para Rondônia, foi vítima de uma Vanuza, uma mulher ainda mais maliciosa. Enquanto ele ia ao banheiro aliviar a bexiga, ela fuçou sua carteira e fez um furo em cada camisinha. Quando ele voltava à capital federal, de novo o anúncio.

“Estou esperando um filho seu.”

“Sua piranha. Tira.”

“Não tiro.”

E Ricardo perdeu mais uma porcentagem de seu bom salário.

Justificando-se para os colegas de trabalho, ele explicou.

“A porcaria é que isso não acontece só no nosso país tupiniquim não”. E contava que na Argentina, houve há pouco tempo um comercial de televisão, na época do dia das mães, que mostrava uma mocinha colocando barriga de travesseiro diante do espelho e furando o preservativo para engravidar do primeiro otário que aparecesse.

Depois de dois filhos indesejados, decidiu operar os bagos, ainda que temesse que isso afetasse sua virilidade.

“Não adianta o bicho estar encapado. O homem tem que ser capado. É um fazendo sacanagem no outro.”

Desde então, ele não conta às namoradas que é vasectomizado e já recebeu duas tentativas de golpe da barriga, entre elas de Júlia, que poucos meses depois engravidou de Sérgio. Ele e Vanessa estavam já de casamento marcado. Vanessa tinha saído na frente e emprenhado do bom partido, fazendeiro paraense riquíssimo e galinha inveterado. Júlia não se fez de rogada. Engravidou para ver se evitava o casamento. Não evitou.  As menininhas têm hoje quase a mesma idade e as mães vivem se engalfinhando nas antessalas dos consultórios dos pediatras de Belém, embora ambas tenham uma vida bastante confortável.

A propósito, eu era na ocasião sua terceira namorada e como esse homem esfacelou meu ingênuo coração.  Não fui bastante rápida. Meus ovários não ajudaram.

A propósito dele, eu fiz esses versos:
 
Você vai viver preso
 no ventre de  mulheres que não ama,
como um gênio da lâmpada.
Vai chafurdar na lama.
E não serei, não serei eu,
nunca serei eu
a vigiar o seu coma,
fechar seu caixão.
E elas, umas donas,
não abrirão as mãos,
para libertar sua alma
sob a forma de pomba.
 
Por falar em caixão, crianças indesejadas são concebidas em bons e maus momentos, nas ocasiões de festa, mas também de luto. Leda, curitibana, estava muito triste aquele dia. Acabara de sepultar seu pai, que morrera desgostoso de não ter tido nenhum netinho. Cleber, advogado de uma grande empresa, velho amigo, foi lhe fazer companhia, consolá-la, mas ela estava tão apetitosa com aquela tristeza e aquelas lágrimas, tão linda e tão frágil que ele não aguentou, consolou-a, amou-a e gozou dentro.  Mas depois ficou morto de raiva daquela golpista. Fez tudo de caso pensado. Como pode uma mulher assanhar-se justamente no dia em que lhe morre o pai?

E Cleber lista muitas outras histórias de gravidez provocada não por azar, mas por puro ardil feminino.

“O casal se separa. A ex vai com tudo em cima e provoca um flash back. Pode saber. É batata. Engravida. É um clássico.”

E mesmo tão prevenido contra a malícia feminina, foi uma vítima inocente da namorada Jamile. Um dia em que ela foi tomar banho em seu apartamento, com essa obsessão que tem as mulheres por enxergar detalhes, cabelo em casca de ovo, encontrou, pregado nos azulejos, grande surtimento de longos fios pretos, loiros esbranquiçados, pelos crespos das partes baixas.

“Você podia até ser promíscuo, mas não precisava ser um porco. Lavasse esse banheiro”.

Parou de tomar a pílula. Deixou-se comer friamente em vingança.

Mulher traída sempre vai tentar acertar as contas com o enganador chutando-lhe o saco e lhe esvaziando o bolso das calças.

Furioso, Cleber pediu para ela tirar. Eles se engalfinharam verbalmente. Ela foi dar-lhe um chute escrotal, ele foi esquivar-se e escorregaram da escada de seu duplex. Porém, a vida real não é como nas novelas em que tombo na escada interrompe gravidez. Embrião gruda na barriga feito carrapato. Só que Cleber dessa vez chutou o balde de leite. Pediu demissão do emprego.

“Comigo não, violão. De mim mulher nenhuma não arranca mais nenhum tostão”.

Como Jamile, Karine se deu mal. Transou com um alemão no último jogo do Brasil na Copa em Brasília. Gastou sua única grana para comprar o ingresso e adquirir um marido gringo. Mas na derrota e na bebedeira da noite após o jogo, não perguntou a ele senão o primeiro nome: Hanz. Ou seria Franz? Ou seria Klaus? Quando o menino estiver crescido e indagar sobre suas origens, vai ter que botar um anúncio na internet: “procura-se pai alemão desconhecido”. Se bem que, até lá, daqui a uns 18 anos, talvez já exista um banco com todas as informações genéticas dos homens do planeta. Por meio dele, os de bom coração poderão saber se têm algum filho perdido no mundo. Aliás, quem sabe se no futuro, num avanço das leis, não sejam obrigados a colher material genético, como se hoje se coletam as impressões digitais. E aí, realmente, as asas duras de sua liberdade serão de vez castradas.

Será que tempos sombrios esperam os machos da espécie? Ou tempos mais justos em que finalmente serão responsáveis pelo próprio sêmen, não deixando mais essa responsabilidade nas mãos das mulheres? Será que a próxima grande revolução não será feita quando os homens começarem a tomar a pílula? Espero sinceramente que sim, porque se continuarem a deixar esse negócio de reprodução sob o controle feminino, o planeta continuará a ser superpovoado por crianças órfãs de amor, e os tribunais abarrotados de ações para reconhecimento de paternidade. É que as mulheres querem ter filhos, porque o Amor quer ter filhos. Acreditem: é uma mulher que vos fala. Não sejam os homens loucos de se arriscar, líquidos, com uma mulher encharcada que ainda não tenha experimentado as delícias e os horrores da maternidade.

Mulher quando quer ser mãe ninguém segura. É tromba d`água. É fogaréu. Os homens que se preparem. Há muitas ainda por aí em idade copulativa que ambicionam ser mães de filho rico ou pobre. E cada vez mais espertas, daqui a pouco vão aprender a engravidar até pela webcam. E quando eles pedirem para fazer sexo pelo Skype, elas vão estar com um potinho pronto para a coleta virtual. Se bem que, por outro lado, estão também muito mais conscientes do que lhes espera. Ainda têm bem acesas na memória as brasas do fogão de lenha em que passavam o dia a cozinhar e a marca de gado na pele. Como minha pobre avó,  passavam a vida grávidas; enjoadas; inchadas; com um filho no peito, outro na barra da saia e outro no bucho; e o diabo do homem atentando, esperando na porta do quarto acabar o resguardo. Por que é que não se satisfazia só no meio das vacas no pasto? Por que criavam só nelore e nelore é gado bravo? Além disso, sabem que cuidar de um filho sozinha nesse mundo cão, mesmo com uma gorda pensão, é missão das mais difíceis.

A propósito, para finalizar, acabei de fazer o teste. Me enganei. Não estou grávida dessa vez. Foi apenas o que se chama em jornalismo de “barriga”. Mas da próxima, cuide melhor do que é seu, ou será tudo nosso. Quem avisa é uma amiga.

Comentários

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  • 12.05.2015 17:09 Cassia Fernandes

    Amei sua redação e sua visão das mulheres engravidometros. Eu li e reli de tanto que achei sensacional.Eu tbm penso o mesmo que você. Ganhei o dia hoje lendo seu artigo. Obrigada!

  • 27.04.2015 16:46 Rafael da Silva Pereira

    Muito engraçado e criativo, acho q é pq não aconteceu comigo. :-) .Nota 10.

  • 09.04.2015 21:14 Cássia Fernandes

    Luiz Augusto, obrigada. Estou grávida sim, mas é de um livro. O romance vem aí. Tá vindo. Tá vindo. Se você for o Gugu, também te amo plenamente. :)rs

  • 09.04.2015 21:12 Cássia Fernandes

    Você tem toda razão, Regina. Para as mulheres, uma gravidez indesejada pode ser ainda mais aterrorizante do que para os homens, afinal somos nós que a vivemos dentro de nossa própria pele. Obrigada, João e Raimundo, pela apreciação.

  • 08.04.2015 14:54 luiz augusto

    Cássia, Seu conto não me assusta,mas me enleva e tortura ao mesmo tempo.O enlevo é por conta da beleza com que você brinca com as palavras.A tortura é por saber que ainda não sabemos quando é que você vai nos brindar com um romance daqueles que com certeza já te assombra em forma de pesadelos,tamanha a cobrança dos que, como eu, te amam plenamente.

  • 25.03.2015 17:31 Regina

    Para nós, mulheres, também é conto de terror

  • 25.03.2015 17:30 Raimundo

    Adorei

  • 25.03.2015 17:29 Joao

    Mais uma vez tiro o chapéu para esta excepcional escritora. Obrigado, Cássia

  • 24.03.2015 14:46 Cássia Fernandes

    Então o texto atingiu o objetivo de ser um conto de terror para homens. A pílula para os homens poderia mesmo representar o direito de escolha. Sem dúvida, poderiam negociar. E se não acabaria, pelo menos diminuiria essa história de ir atrás da vaca e depois não querer saber do bezerro. :)

  • 22.03.2015 12:58 Msamsa

    Que texto traumático, finalizo-o de pingolinho retraído. Mas a ideia do homem tomar a pílula é ótima, poderia até representar a liberdade do pênis. Até para barganhar. Quer um filho? Então, eis as condições.

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Cássia Fernandes é jornalista e escritora / lcassiaf@gmail.com

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