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Rodrigo  Hirose
Rodrigo Hirose

Jornalista com especialização em Comunicação e Multimídia / rodrigohirose@gmail.com

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Canto para minha morte

| 16.04.15 - 17:21

“No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás”. (Gênesis, 3:19)

Goiânia - É muito provável que entre as primeiras reflexões do ser humano, a partir do momento em que ele tomara consciência de si próprio, a morte tenha estado presente. Afinal, se existe uma certeza para todos os seres que nada sabem, esta é de que haverá um fim.

Apesar de ser assunto tabu, a morte é questão explorada por todos os ramos do conhecimento humano. Freud, por exemplo, ensina que há duas grandes energias em cada indivíduo: a pulsão de vida e a pulsão de morte. Elas estarão juntas, presentes, até o fim físico.

O prazer erótico carrega muito dessa contradição: ao mesmo tempo em que o ato sexual é a maior confirmação física de que estamos vivos, há quem considere o orgasmo como “La petit mort” (a pequena morte). Afeto e violência estão sempre de mãos dadas na cama.

Não por acaso algumas pessoas aderem a práticas arriscadas para aumentar o prazer, como a asfixiofilia (a interrupção voluntária da oxigenação do cérebro durante o ato sexual) e o bareback (o sexo sem proteção, geralmente com desconhecidos).

Observa-se que os povos não ocidentais (em um conceito mais cultural que geográfico) lidem de forma mais amena com a morte. Ainda assim, entre eles estão as maiores manifestações concretas de negação do inescapável fim: as pirâmides do Egito.

No mundo ocidental, ora a banalizamos na indústria cinematográfica e no jornalismo sensacionalista, ora a negamos nos excessos da indústria da beleza e sua promessa de juventude eterna, na apologia da vida saudável e nos infindáveis recursos das indústrias médica e farmacêutica, que muitas vezes transformam a luta pela vida em sofrimento inútil.
 
As grandes religiões têm como maior alicerce o enfrentamento da morte. No versículo 19 do capítulo 3 do livro de Gênesis, o autor sinaliza que a morte é consequência do pecado original – a ambição do homem de se igualar ao divino, ao comer do fruto da árvore do conhecimento.

Em Romanos 6:23 somos lembrados que o “salário do pecado é a morte”. O cristianismo, porém, nos conforta com a dádiva da ressurreição do Cristo.

 
Para o islamismo, a morte significa a passagem para a vida eterna, que será boa ou ruim dependendo das atitudes na experiência terrena. O kardecismo, por sua vez, explica que a passagem corpórea é apenas um estágio evolutivo do espírito – esse, sim, imortal. Também o budismo, que não tem deuses, crê na reencarnação.
 
A preservação da vida, portanto, é prioritária, tanto sob um enfoque moral quanto legal – vide legislações contrárias ao aborto e à eutanásia. Neste segundo caso, a manutenção da vida sobrepõe-se, na maior parte das vezes, ao insuportável sofrimento físico e psíquico de uma doença incurável.
 
Nesse contexto geral de apego incondicional à vida, emerge um personagem controverso: o suicida. Tratado como um pária pelas religiões (não confundindo com o mártir, figura celebrada e santificada), o suicida na maior parte das vezes é visto como um covarde entre aqueles que não têm fé alguma.
 
Busca-se imediatamente, em relação ao suicídio, uma explicação o mais racional possível. Na melhor das hipóteses, o suicida é um doente – e a depressão costuma ser o melhor dos álibis.

Mesmo a romantizada opção pela morte diante do amor não realizado não obtém o perdão social – exceto pelo legado que tal ato pode deixar, como nas imortais (expressão irônica) narrativas de Goethe ou Shakespeare.
 
Diante de tal repúdio à morte, poucas experiências podem ser tão transformadoras quanto a consciência da finitude.  Venha ela por meio da descoberta de uma doença incurável, um acidente do qual escapamos ou da perda de alguém muito próximo. Após tais experiências, é praticamente impossível escapar de uma série de clichês.
 
Viralizou há alguns anos um vídeo no qual pessoas no leito de morte relatavam os cinco maiores arrependimentos. São eles:

1) Não ter tido a coragem de fazer o que realmente queria e, sim, o que os outros esperavam;
2) Não ter trabalhado tanto;
3) Não ter tido coragem de dizer o que realmente sentia;
4) Não ter retomado o contato com amigos e
5) Ter sido mais feliz.

São sentimentos clichês exatamente por serem tão verdadeiros. Concluo, por fim, que a pulsão de vida quase sempre se sobrepõe à pulsão de morte, ainda que, no fim, ela prevalecerá. Como dizia Raul na belíssima “Canto pra minha morte”: “Vem, mas demore a chegar / Eu te detesto e amo morte / Morte que talvez seja o segredo dessa vida”.

Comentários

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  • 27.04.2015 14:59 Lopes

    O que nos domina diante do suicida é o sentimento de impotência. Só isso. Enquanto existe um sopro de vida, existe esperança da salvação. Obrigado.

  • 27.04.2015 10:00 Rodrigo Hirose

    Lopes, obrigado pela contribuição riquíssima.

  • 17.04.2015 14:14 Lopes

    Em Eclesiaste 3:1 o Senhor diz: Para tudo há uma ocasião, e um tempo para cada propósito debaixo do céu. Tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou. O homem não é dono do tempo e nem da vida. A vida é um presente de Deus e, portanto, só Deus tem o direito de tirá-la. Simples. Quem quer brincar de Deus tem o livre arbítrio para isso (dado também por Deus). O livre-arbítrio é um presente valioso de Deus, porque nos permite escolher amá-lo de ‘todo o coração’. Mateus 22:37. Portanto, fazer a escolha por Deus é uma opção do indivíduo e não uma obrigação, por isso os ateus vivem. Se Deus fosse tirano mataria todos que não creem Nele. Mas a escolha do indivíduo tem consequências, já que o homem não é Deus. Onde está escrito que o salário do pecado é a morte quer dizer que quem brinca de Deus e de tirar a própria vida tem o salário do pecado, ou seja, tem o direito de fazê-lo mas que aguente as consequências do seu próprio pecado. Como a Bíblia é clara que essa vida terrena é apenas passageira, o salário do pecado na vida eterna é sofrer eternamente. Por isso, os missionários cristãos agem nos presídios e hospitais, por exemplo. Eles não estão preocupados com a vida terrena. Eles sabem que a maioria não sairá dali ou não terá muito tempo de vida e este não é o propósito missionário - libertar do presídio ou curar pessoas. O trabalho é exatamente para a vida eterna, pois os cativos salvos ganharão este presente dos céus e deixarão de ser cativos, porém, junto ao Senhor, ganharão a vida eterna e sem mácula. O suicida não é visto como ser excluído pelo cristianismo mas lamentamos porque ele mesmo se excluiu e está pagando o salário da morte, pois foi essa foi a opção dele e não de Deus. Nada mais pode ser feito, infelizmente, nem mesmo orações.

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