Sarah Mohn
Goiânia – Não há como negar que o dia 24 de junho deste ano foi pesado, especialmente para quem mora em Goiás. As mortes do cantor sertanejo Cristiano Araújo e da namorada, Allana Moraes, despertaram clima de tristeza e comoção coletiva, potencializado pela proximidade que o artista mantinha com muita gente conhecida, ou conhecida de conhecidos, pela interrupção repentina de uma carreira em plena ascensão e pela forma trágica com que o casal perdeu a vida.
Foi angustiante para quem tinha, ou não, ligação com o casal e conhecia, ou não, o trabalho do cantor. Exceto para os psicopatas disfarçados de seres humanos normais, que não se abstiveram de propagar piadas e comentários dispensáveis sobre o ocorrido. O fato é que, por alguma mínima ligação, nem que seja a conterraneidade, a maioria de nós, que vive em terras goianas, lamentou e ficou assustada com a fatalidade.
Mas as atitudes que tivemos a partir dessa consternação é o que mais me deixou chocada. Questionei a amigos e a colegas de trabalho e o relato foi unânime: todo mundo recebeu imagens e vídeos do desastre, dos primeiros socorros e, posteriormente, dos corpos de Cristiano Araújo e de Allana Moraes em clínica funerária.
Não é mesmo? Você que lê esse texto também teve acesso a esse material? Se não, eu o invejo. Você é um cidadão privilegiado e foi poupado. Se sim, que tal dar uma pausa de cinco minutos no seu dia para refletir sobre o absurdo que foi o compartilhamento ostensivo de imagens tão agressivas sobre a morte de dois indivíduos?
Isso é inaceitável. Faltou limite, bom senso, educação e respeito. Às vítimas, aos familiares e aos amigos de Cristiano e Allana. Não tínhamos direito, em primeiro lugar, de registrar essas imagens e vídeos. Essa deveria ser uma prerrogativa exclusiva dos peritos criminais que trabalharam no local do acidente e esses registros deveriam ser restritos, não públicos, ao trabalho da polícia e, no máximo, ao acesso de familiares.
A brecha só deveria valer para a imprensa, e mesmo assim o repasse do material apenas autorizado mediante análise e seleção feita pela assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado, órgão superior às polícias Civil, Militar, ao Corpo de Bombeiros, enfim, às corporações que atuam em casos de crimes e acidentes.
Mas não. O que vimos foram curiosos in loco e profissionais de resgate afoitos por registrar imagens chocantes e sensacionalistas. E, sem pestanejar, difundí-las nas redes sociais e nos viralizados grupos de WhatsApp, alguns deles oficiais e mantidos por corporações policiais, dos quais também, geralmente, fazem parte jornalistas.
Desculpem-me a sinceridade, mas quem se prestou a esse papel se comportou como verdadeiro urubu em cima de carniça. Digam-me qual a necessidade de o cidadão comum ter acesso a essas imagens, se não a de alimentar sua própria curiosidade mórbida?
Não havia porque esse conteúdo ser publicizado. É um tipo de material que deveria servir exclusivamente para investigação das causas do acidente. Qualquer outro fim deveria ser banido, imediatamente. E os responsáveis pelos registros e difusão deveriam ser criminalmente punidos.
Seriam medidas duras? Sim. Mas necessariamente oportunas para esse tipo de situação. Assim como é passível de multa motorista que, diante de um acidente de trânsito, interrompe o tráfego para bisbilhotar a cena de desastre, e não prestar socorro, deveriam sofrer penalidades os cidadãos que estimulassem o sensacionalismo de tragédias.
Não adianta criticar políticos, condenar governos, julgar celebridades envolvidas em escândalos ou apontar o dedo para o vizinho que liga o som no volume máximo, se nós, enquanto agentes sociais, nos comportamos como animais esfomeados em cativeiro diante de desastres. É preciso repensar nosso comportamento social. E, para aqueles que não aceitam regras e limites, é preciso repreensões legais.