Goiânia - As imagens do menino Aylan Kurdi, cujo corpo fora encontrado em uma praia turca, correm o mundo. O garoto sírio tentava alcançar a Grécia. Com apenas três anos de idade, Aylan era mais um dos milhares de refugiados desesperados que buscam abrigo longe das suas terras natais – questão que é provavelmente a mais desafiadora para todos os países ocidentais, inclusive o Brasil, mas que atinge especialmente o bloco europeu.
O êxodo moderno tem vários combustíveis. É a fome e a miséria que teimam em não recuar em alguns cantos do mundo, o derramamento de sangue perpetrado pelos velhos senhores da guerra, a insana crueldade alimentada pelo fundamentalismo religioso, como se a humanidade permanecesse com os pés fincados na antiguidade.
As fotos do menino Aylan são de uma tristeza concreta. A impressão é que podemos tocá-la com as próprias mãos. Impossível não cair no clichê: há, verdadeiramente, imagens que dizem muito mais que mil palavras e se transformam no símbolo de uma era.
Uma das fotografias mais icônicas ficou conhecida como “Menina do Vietnã”. Feita por Huynh Cong Ut, que trabalhava pela Associated Press, revela Kim Phuc, então com 9 anos de idade, nua, fugindo do napalm lançado em 1972. À foto não se pode dar o crédito pelo fim da guerra – o desembarque de milhares de caixões com corpos de os filhos dos norte-americanos certamente teve impacto maior sobre a opinião pública dos EUA –, mas ela ficou marcada como o retrato do orgulho ferido do império até então onipotente.
Outras fotografias se imortalizam pela carga simbólica que carregam. É o caso do retrato de Ernesto Guevara feito por Alberto Korda. Nele, se vê o “Che” altivo, olhar fixo no horizonte, como bem cabe aos homens que personificam os sonhos de todo um povo. A história tratou de relativizar – ou esclarecer – os feitos do médico argentino, mas o flagrante de Korda está fadado a estampar camisetas e embalar utopias mundo afora por muitos anos ainda.
O Brasil também tem seus exemplos de fotografias que influenciaram os rumos da história. Talvez a mais conhecida seja a do jornalista Vladmir Herzog nas instalações do DOI-COD, após supostamente ter se matado. Ela seria o álibi perfeito, mas expôs a farsa dos torturadores de forma tão evidente que ajudou a ruir os pés de barro do regime.
Ironicamente, a “Menina do Vietnã” vive no mesmo Canadá que era o sonho de liberdade de Aylan. Tragicamente, é possível que o “Menino da praia” se perca na inundação de terabytes que caracteriza o século 21.
Fica o desejo, quase um apelo, de que a ele não caiba o destino de todo viral, que é caminhar naturalmente rumo ao esquecimento em uma sociedade que só tem lugar para o instantâneo e o descartável.