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Carol  Piva
Carol Piva

Carol Piva é doutoranda em Arte e Cultura Visual na UFG e uma das editoras-fundadoras do jornal literário "O Equador das Coisas". Servidora do TRT de Goiás, tradutora e ficcionista. / carolbpiva@gmail.com

BRASIL CENTRAL, PATRIMÔNIO DA GENTE

Literatura, o olhar, a crítica. O personagem Gilberto Mendonça Teles (3)

| 07.03.16 - 15:55
Havia mais ou menos oito ou nove delas ali-na-rua. Oito ou nove centenas. Sim, centenas. Como iam chegando aos bocados, “Decerto desde a Praça Cívica, em prolificação evidente”, era no mínimo de se cogitar: não tardava, em breve seriam mesmo milhares.
 
— Gilberto, ô, Gilberto! — José Mendonça, irmão do poeta, era quem alvoroçava do lado de fora, pedindo entrância. — Que lerdeza para abrir essa porta, hein? Vejam que incrível!
 
Juntamente, as pessoas, que de bobas nem-não eram, tum-tum, tum-tum-sobrevinham (atiçadas as curiosidades, é claro), intrometendo-se com seus lá-deslumbramentos no meio do ocorrido, umas falando com as outras, a maioria bastante opinativa:
 
— Coisa que não se vê toda hora, hein, Seu Crispim? — resolvia, encandeado, e com a devida convicção, um dos fregueses do bar-café na Avenida 84.
 
— Mas, Seu Tavares, como o senhor mesmo diria, a coisa é assim tão grande, tão imensa, e quem algum dia poderia antecipar ocorrência de uma coisa dessa, né?, que parece a vida nutrida de infinito, não acha, não? — fortalecendo a fala, o homem emendava. Semelhantes, aliás, eram os outros posicionamentos de quem acompanhava o ludus todo. Na aflição de saber e não saber do que por certo se tratava aquele trançar de...   
 
Senha, contrassenha; tempo, contratempo. Coisa de múltiplas cavilações. Porque se se reparasse direito, mesmo num olhar à distância, não eram propriamente centenas de pessoas àquela hora da noite estando assim, de barulheira na rua. Em algum instante, depois do susto inicial quando Gilberto abriu a porta, a cena tão assaz se via: Bernardo, J. Veiga e todos os demais, embora algo ainda paralisados, puseram-se a três passos de fora da casa, não exatamente ainda na calçada-calçada, “Justo ser sensato, manter prudência”, mas tentavam até ali acompanhar menos de longe aquele movimento alucinante...
 
Mas isso é como rio correndo sem margem ainda... E a imagem que se forma então, como pássaros sem pena voando bem dentro, compele a essa extraordinária transformação de ausências em imediatas presenças que conhecemos bem, né?, daí a algazarra toda, minhanossa, agora compreendo, que fabuloso! — pois o que se via, afinal de contas, argumentava o poeta Gilberto, era mesmo um esplêndido irradiar de ditos.
 
O sobrado de portão azul-nuvem, bem de frente para eles, talvez fosse o lugar onde mais se concentrava aquela infinidade de corpos. Corpos de palavras, zanzando de canto a outro, galopantes, estrepitosas. Faziam graça só para eles, oferendavam-se às pessoas.
 
— É o que você disse uma vez, Gilberto: deixar que a palavra role assim perdida, como a própria sombra desta coisa toda que é a nossa existência — intrigava-se José J. Veiga.
 
Pois elas faziam ciranda-cirandinha em torno das gentes, subiam em árvores, caíam, tropeçavam-se, encontravam-se, perdiam-se. Umas em titubeação toda elegantíssima, outras tão só em linha-reta, mas a maioria na peleja de extrapolar formas significantes e alcançando seus respectivos percursos de significados. As pessoas é que enfim ajudariam?
 
Sim, centenas. Iam se quintuplicando. Palavras limpas de silêncio, retidas como um sonho. E ali, como búzios sonoros, excedendo limites de uma-sua vida orgânica, sentidas, por sentir, borbotando de reinos-miríades ainda por transversar, elas apesar disso faziam festa.
 
Umas, de tão regateiras, corriam dando volta na rua toda, acenavam para as pessoas e dali-logo se juntavam em sentenças, períodos, versos, sonoridades. Outras tantas pareciam despencar mesmo do céu, mas de já procuravam rumo se ajuntando de medidas.
 
Diante daquilo, os escritores naquela noite não pensaram duas vezes para resolver que...
 
— Sim, e o poeta entranha essa fronteira ousando atravessar as lindes mais fundas do silêncio... — acrescentava Gilberto, quando perguntado sobre o conceito de poesia.
 
De volta à entrevista, no desatino de redescobrir como tudo em nós é desejo tal de linguagem, fui como se trançando linhas de relâmpago, imaginárias, nos vidros ilegíveis daquela janela imensa. Revi palavras com seus sinais de ressonância pela sala, impulsos, improvisos, em verdadeira milícia verbal configurando subversões em zonas de silêncio. Também quando pensa o personagem por trás da palavra, a gente entende como é que ele desnuda territórios em todos os acasos e silêncios, ficando no vento e nas distâncias como nuvens brancas, repetindo as palavras, testemunhando, impelindo sua formação...
 
Fomos seguindo a entrevista, aqui-ali me vindo o ensaio da Virginia Woolf, eu com imagens que dos personagens imaginam. Muitas ainda sobre o Gilberto redemoinharão. Que-sim.

Comentários

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  • 11.03.2016 21:53 Carol Piva

    Querida Helena, querido Germano, ser lida por vocês é coisa de honra-além, sabem? Quem é que não quereria ter por perto parceiros (de amor-em-vida, leitura, tessituras) tão-assim... assim... sensíveis, de vista percuciente, brilhantes? Ah, fico de agraciamento bonito demais da conta! Pro alto e avante, sempre! Sigamos!

  • 10.03.2016 19:47 Germano Xavier

    Na espreita, Carolina. :)

  • 09.03.2016 08:23 Helena Frenzel

    Valeu a pena ter esperado, Carol. Só a magia da linguagem e o prazer de quem se entrega a brincar com ela pra "clarifunchar" minha satisfação. Um abraço e até mais!

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Carol Piva é doutoranda em Arte e Cultura Visual na UFG e uma das editoras-fundadoras do jornal literário "O Equador das Coisas". Servidora do TRT de Goiás, tradutora e ficcionista. / carolbpiva@gmail.com

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