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Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara

Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

Música Clássica

O Lyceu de Goyaz e a música

. | 24.06.16 - 12:02
Othaniel Alcântara
 
O nome do colégio Lyceu de Goyaz está sempre presente nos livros sobre a história da música goiana. A pesquisadora Maria Augusta Calado de Saloma Rodrigues, por exemplo, em sua obra “A Modinha em Vila Boa de Goiás” registra: “Em 1848 é criada aula de música anexada ao Liceu”. Mas, o que se poderia entender por “aula” naquela época? E que tipo de instituição era o Lyceu? (ou: Liceu, Licêo, Liceo e Lyceo, conforme as outras grafias utilizadas).
 
O assunto torna-se mais próximo do nosso cenário quando Braz Wilson Pompeu de Pina Filho, em “Memória Musical de Goiânia”, afirma que a transferência do Lyceu de Goyaz para Goiânia, em 1937, foi um marco importante para a implantação da música clássica na nova capital. Segundo o pesquisador, os corais e pequenos grupos instrumentais organizados pelo violinista e compositor Joaquim Edison de Camargo (1900-1966), então professor daquela instituição - futuro Liceu de Goiânia - tiveram destaque no cenário musical goianiense nos anos seguintes. O mesmo ocorreu, posteriormente, com os Corais formados também no Instituto de Educação.

Uma curiosidade me veio, então, à cabeça: quais foram os outros professores de música dessa importante escola (Lyceu) entre os anos de 1848 e 1937?

 
Bastante pertinente o interesse acerca dos professores do Lyceu de Goiânia no período mencionado anteriormente. Entretanto, para satisfazermos nosso anseio de conhecê-los, necessário se faz entender, primeiramente, o significado do termo “aula” no século XIX. Então, voltemos um pouco no tempo. Desde 1727, ano da fundação do Arraial de Sant´Anna por Bartolomeu Bueno da Silva (filho), o “Anhanguera”, até o declínio da exploração do ouro (final da década de 1770), não existiu uma preocupação com a instrução pública na região. Sabe-se que, nesse período, nem mesmo os jesuítas deixaram sua marca na Capitania de Goiás. Por outro lado, é quase certo que tenha existido o ensino informal (individual) nesse povoado que passou a se chamar Vila Boa de Goyaz, em 1739 e, depois, Cidade de Goiás, a partir de 1818.
 
Enfocando, agora, especialmente o ensino da música, é provável que ele tenha se iniciado com a chegada dos primeiros padres à região. A partir da prática cotidiana de cantos provavelmente religiosos que aos poucos foram dando lugar a outros gêneros, a música acabou se tornando um aspecto importante na vida social da antiga capital. É certo que tais ensinamentos foram repassados informalmente durante todo o Período Colonial. E, provavelmente, como nas outras áreas de conhecimento, foram também adquiridos em outras capitanias ou até mesmo na Europa, privilégio das famílias mais abastadas da época.
 
Nesse diapasão, o historiador luso-brasileiro Raimundo José da Cunha Matos (1776-1839) relata, em 1824, que a música “foi cultivada com gosto por toda a Província de Goyaz; e apesar da decadência da mesma província, ainda se encontram na cidade, e nos arraiaes [sic] muitos homens que tocam rabeca, rabecão e outros instrumentos de corda; tanto assim, que nas festas das igrejas sempre a música vocal é acompanhada de música instrumental”.
 
O ensino público foi implantado no Brasil apenas na década de 1770. Contextualizando melhor, esse fato aconteceu após profundas reformas na administração portuguesa. Essas reformas foram implantadas por Sebastião José de Carvalho (1699-1782), o Marquês de Pombal, que foi Primeiro Ministro de Portugal durante o reinado de José I. Mais especificamente, no campo educacional, com a “Reforma Pombalina”, o ensino deixa de ser atribuição dos jesuítas e passa a ser de responsabilidade da Coroa Portuguesa, seguindo a tendência de implantação da nova filosofia iluminista, esta que se espalhava velozmente pela Europa.
 
É importante esclarecer que as escolas tinham uma estrutura diferente naquela época. Não havia um sistema de seriação. Tratava-se, na realidade, de “cadeiras” ou “aulas” avulsas ministradas por pessoas que conseguiam uma licença da Coroa Portuguesa após aprovação nos exames. Os exames eram obrigatórios e realizados pela Real Mesa Censória, com sede na cidade de Coimbra. No entanto, ao que parece, tal exigência não se aplicava à área de música.
 
Em Vila Boa, a primeira “escola” a ser aberta foi uma aula de “Gramática Latina”, que funcionou a partir de 1788, quando a sociedade goiana passava pela transição da mineração para uma economia baseada na agricultura e na pecuária. Até o final do século XVIII, a Capitania de Goiás contava com oito cadeiras, sendo duas de “Latim”, quatro de “Primeiras Letras”, uma de “Retórica” e uma de “Filosofia”, todas mantidas com recursos provenientes de um imposto específico criado para esse fim, o “subsídio literário”. 
 
O ajuntamento dessas “cadeiras” ou “aulas” avulsas em uma instituição de ensino aconteceu no século XIX, após a promulgação do Ato Adicional de 1834 (uma modificação da Constituição Brasileira de 1824).  A partir de então, as Províncias - antigas Capitanias - obtiveram autorização para a abertura de estabelecimentos destinados ao Ensino Secundário. Nas três décadas seguintes, surgiram 21 deles, conforme classificação a seguir: 1 Ateneu, 3 Colégios e 17 Liceus.
 
O Lyceu de Goyaz foi criado pela Lei n.9 de 17/06/1846 e instalado no ano seguinte. Permaneceu como a única instituição de Ensino Secundário em Goiás, até 1929.  Na nova Capital, a partir de 1937, manteve-se em posição de destaque no cenário educacional goiano até meados do século XX.
 
 
Surge, neste momento, outra curiosidade: Qual teria sido o motivo da denominação de “Lyceu” para a maioria das instituições secundaristas no Brasil Imperial? A nova política educacional brasileira pós 1834, que culminou com a criação desses estabelecimentos, seguiu o modelo adotado por Portugal nas primeiras décadas do século XIX. Os moldes educacionais de Portugal, por sua vez, foram influenciados pelas ideias do ensino francês, aplicadas nos novos liceus criados na França, após a Revolução de 1789.
 
Deve-se elucidar que o nome escolhido teve origem na instituição homônima fundada por Aristóteles, na cidade de Atenas, em 335 a.C.  Originalmente, foi criada para aqueles que pensavam cientificamente, ou seja, tratava-se de uma casa voltada ao humanismo essencialmente direcionada para a educação das elites. Tais características também podiam ser observadas nas representações brasileiras do século XIX, inclusive naquela criada em terras dos Índios Goyazes, numa época em que o poder, em quase todas as suas formas, era exercido pelos chamados “Coronéis”.
 
As cadeiras oferecidas no primeiro ano de funcionamento do Lyceu de Goyaz foram: Gramática Latina, Francês, Geometria, Retórica e Poética, Filosofia e História. A partir de 1849, teve início o funcionamento da cadeira de Música, com 42 alunos matriculados. Em uma tabela de disciplinas oferecidas nessa instituição, entre os anos de 1847 e 1907, mencionada na Tese de Doutorado da pesquisadora Vanda Domingos Vieira, é possível comprovar a existência da “aula” de Música em pelo menos 15 anos no referido período.
 
Não há nos trabalhos* pesquisados para a elaboração deste texto, uma lista dos professores de música que passaram pelo Lyceu de Goyaz entre os anos de 1847, quando teve início o seu funcionamento, e 1937, ano em que ocorreu a sua transferência para Goiânia. Existem apenas referências isoladas como, por exemplo, a do importante artista José do Patrocínio Marquez Tocantins (1844-1889), além do já citado compositor Joaquim Edison de Camargo (1900-1966). Também não há registros referentes ao conteúdo programático da disciplina “Música”. A partir disso, algumas dúvidas foram suscitadas: seriam essas aulas apenas teóricas ou de prática coral? Havia, nesse período, aulas de instrumentos musicais? Esse é, certamente, um tema de muita importância para futuras pesquisas.



 
 
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* TRABALHOS PESQUISADOS:
         
                                                                                
BARROS, Fernanda. O tempo do Lyceu em Goiás: formação humanista e intelectuais. Goiânia: UFG, 2012. (Tese de Doutorado).
 
MENDONÇA, Belkiss Spencière Carneiro de. A Música em Goiás. 2 ed. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1981.
 
PINA FILHO, Braz Wilson Pompeu de. Memória Musical de Goiânia. Goiânia: Kelps, 2002.
 
RODRIGUES, Maria Augusta Calado de Saloma. A Modinha em Vila Boa de Goiás. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1982.
 
VIEIRA, Vanda Domingos. Goyaz, século XIX: as matemáticas e as mudanças das práticas sociais de ensino. Rio Claro, UEP, 2007. (Tese de Doutorado).
 

Comentários

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  • 31.01.2021 08:32 Euler de Amorim Junior

    Importantíssima a pesquisa do Prof. Othaniel Júnior, pois dá seguimento aos trabalhos de Maria Augusta Callado, Belkiss Spenziere C. Mendonça, Braz W.P.Pina e de outros atuais pesquisadores. Em 1959 tive aulas de "Canto Orfeônico" (acho que era escrito ainda com ph), com dona Maria Jubé. Eram aulas centradas no solfejo, ditado musical, manosolfa, cânone e maneira correta de cantar os hinos oficiais. Isso era no antigo Lyceo de Goyaz, no meu tempo chamado Colégio Estadual de Goiás, famoso casarão da Rua Doutor Corumbá. Parabéns pelo trabalho. Sucesso.

  • 30.01.2021 06:57 Luís Carlos Furtado

    Belo artigo. Fiquei curioso sobre o conteúdo das aulas de múdica.

  • 29.01.2021 21:22 Andréa Luísa Teixeira

    Bela matéria. Parabéns!!!

  • 16.09.2016 00:14 Moysés S. Brandão Júnior

    ótimo texto, sabendo mais um pouco da história de goiás.

  • 28.06.2016 17:36 kennedy rodrigues ribeiro

    Gostei muito do texto!! realmente é uma pena o fato de não haver registros referentes ao conteúdo programático da disciplina “Música" em nenhum dos trabalhos pesquisados. Assim como, é lamentável não haver listas desses professores de música que passaram pelo Lyceu de Goyaz entre os anos de 1847 a 1937.

  • 24.06.2016 23:24 Marshal

    Texto interessante, professor!

  • 24.06.2016 23:12 Saulo Ribeiro

    Bacanérnimo o texto. Não fazia ideia da história do Lyceu. Fiquei curioso sobre a Rabeca e o Rabecão.

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Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

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