Goiânia - Creepy, um dos dois filmes de Kiyoshi Kurosawa lançados em 2016, representa um retorno às origens ao terror, gênero que o consagrou. Apesar do sobrenome, não há grau de parentesco com Akira Kurosawa, um dos diretores mais reconhecidos do cinema japonês, e um dos meus favoritos. Após o belíssimo Para o Outro Lado (2015), uma espécie de Tio Boonmee do diretor, seu novo trabalho dialoga com Cure (1997) - meu preferido dele - e demonstra uma perícia inegável na construção de atmosferas sufocantes.
Koichi Takakura (Hidetoshi Nishijima) é um ex-detetive que se tornou professor de psicologia criminal numa universidade depois de ter abandonado a polícia por causa de um funesto imprevisto em que foi ferido por uma faca e uma pessoa inocente morreu. Passado um ano, ele e Yasuko (Yuko Takeuchi), sua mulher, mudam-se para uma cidade do interior em um afastado e pacato bairro para um novo recomeço.
Apesar de ter se desligado da polícia, ele ainda está imbuído pelo sentimento de querer desvendar os mistérios inerentes à sua antiga profissão. Ele não é mais detetive, mas sua ânsia para resolver casos não solucionados parece estar enraizada em seus hábitos. Quando um antigo amigo pede seu auxílio, Takakura se envolve e passa a investigar o caso de uma família desaparecida há seis anos. Resta-lhe somente a filha mais nova, Saki, que nunca soube dizer ao certo o que aconteceu com o sumiço inexplicável de sua família.
Yasuko, utilizando-se da política da boa vizinhança, busca trilhar novas amizades com os vizinhos distribuindo chocolates de casa em casa. A aparente tranquilidade ganha contornos sombrios quando ela conhece o vizinho Nishino, uma espécie de anjo exterminador, um personagem permeado por ambiguidades, ora muito hostil, ora muito amável, desenvolvido com maestria por Kurosawa.
A destreza da narrativa provoca a cada instante uma sensação ambivalente e desconfortável ganhando contornos cada vez mais mórbidos através de signos cotidianos como um simples farfalhar de folhas ao vento, que parece prenunciar um horror iminente. A fotografia utiliza tons cinza-azulados e gera ainda mais densidade à obra que se debruça definitivamente em uma espiral que parece caminhar para um desfecho trágico.
Yasuko desenvolve um fascínio incompreensível pelo vizinho. Há uma cena em que o cachorro do casal desaparece e ela o encontra com Nishino promovendo uma certa tensão sexual entre os dois, mas nada acontece, a não ser uma proximidade de seus rostos e uma provocação realizada por ele. A obra versa sobre a incapacidade de as pessoas em se comunicarem e a solidão a que as pessoas são submetidas congregadas com o pulsante desejo em preencher o vazio existencial, o que talvez explique o comportamento da esposa de Takakura.
Nishino vive com sua filha e sua mulher doente, mas em determinado momento do filme, Takakura tem uma revelação inesperada proveniente da filha de seu vizinho, o que provocará uma reviravolta na trama. Takakura pede auxílio a um amigo policial que terá um trágico destino ao longo de sua investigação.
Quando as pistas apontam a culpabilidade de Nishisno e a identidade do assassino é revelada, há uma convergência entre as histórias e o terror se instaura em um caos generalizado. O grito exasperante da esposa de Takakura ao final do filme é um momento marcante, que parece findar toda a tensão angustiante que predomina durante quase toda a projeção em um desfecho surpreendente de mais uma obra de mestre de um dos grandes nomes, não somente do cinema japonês atual, mas de todo o cinema em qualquer época.