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Declieux Crispim
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Declieux Crispim é jornalista, cinéfilo inveterado, apreciador de música de qualidade e tudo o que se relaciona à arte. / declieuxcrispim@hotmail.com

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Você não fala sobre o Clube da Luta

| 17.04.17 - 08:57 Você não fala sobre o Clube da Luta (Foto: divulgação)
Goiânia - Você não fala sobre o Clube da Luta. Desobedecer a uma das oito regras do grande filme de David Fincher é basilar para compreender os rumos pelos quais a civilização delineia seus caminhos. Cogito, ergo sum, ou penso, logo existo, o famoso aforisma cunhado pelo filósofo René Descartes, no século XVIII, parece ter sido dissolvido para ser gravado uma nova impressão diante das novas necessidades criadas pela sociedade consumista, para o bem ou para o mal, nesta visão singular embasada pelo romance homônimo de Chuck Palahniuk. Consumo, logo existo. Este é o mote exposto pela obra do escritor americano.
 
David Fincher esboça um tratado sobre a decadência de valores na sociedade capitalista calcada no consumo desenfreado para aplacar o enorme vazio existencial. Na trama, um executivo workaholic que trabalha como investidor de seguros, o narrador (Edward Norton), apesar de sua aparente estabilidade financeira, sofre com problemas de insônia. É neste aspecto que a película flerta com A Sociedade do Espetáculo, obra fundamental do escritor francês Guy Debord, em que o enfraquecimento espiritual, tanto das esferas públicas quanto privadas, é atribuído a forças econômicas que dominaram a Europa no pós-guerra.
 
Para se curar, ele pula de um lado para o outro entre terapias em grupo após uma frustrada tentativa por meio de tranquilizantes após uma consulta médica. Sua vida apresenta uma guinada significativa a partir do momento em que ele conhece Tyler Durden (Brad Pitt). A falência desta sociedade através do distanciamento das relações humanas e do entorpecimento pelo consumo de produtos desnecessários, mas que, pela força desmesurável que a propaganda exerce sobre as pessoas, incutem necessidades até então desconhecidas. Lançado em 1999, David Fincher pincela, por meio de um vigor narrativo impressionante, um retrato do homem no fim do milênio, embora extremamente atual, e, juntamente, com A Rede Social (2010), corrobora o esfriamento das relações interpessoais e a inexorável solidão. São duas obras que se complementam.
 
O plano definitivo de Tyler Durden é posto em prática. A destruição da sede de todos os cartões de crédito para instaurar o caos financeiro. O narrador tenta em vão, incessantemente, arruinar os planos de Tyler, visto que este sempre se encontra à frente do personagem vivido por Edward Norton. Quando o narrador, finalmente, depara-se com a presença de Brad Pitt, em um prédio em que a gangue de Tyler Durden havia instalado bombas para implodir todo o sistema financeiro. Norton, em meio a um combate com seu oponente, descobre a terrível verdade. 
 
O narrador é o próprio Tyler, uma faceta monstruosa de sua personalidade inconformada. Após esta sua outra face ser derrotada, Edward Norton não consegue evitar a continuidade de seu plano. Ele assiste, juntamente com Marla (Helena Bonham Carter), personagem fundamental à trama e catalisadora de toda a reviravolta na vida do narrador, uma vez que o personagem de Brad Pitt manifesta-se somente após o narrador conhecê-la, à destruição geral do símbolo da sociedade capitalista ao som marcante da canção Where is my Mind, da ótima banda Pixies.
 
A obra é uma crítica ferina e um brilhante estudo da sociedade pós-moderna, tal como outrora arquitetava o genial Luis Buñuel, e expõe uma série de outras referências que podem ser notadas ao longo da projeção. É possível vislumbrar Karl Marx, Nietzsche e, inclusive Lênin, uma vez que é arquitetado um clube da luta para inserir uma ação revolucionária que descambará para uma violência militarizada. É por meio da dor que os personagens se sentem vivos. 
 
Rebelar-se contra a banalização dos valores, questionar-se sobre as atitudes, não se deixar levar por um comercial estilizado de um determinado produto, voltar-se para o lado espiritual em detrimento do materialismo cego que perpetua o falso ideal de felicidade, mas que, ao final, apenas o disfarça. A necessidade de estabelecer vínculos afetivos verdadeiros e promover um resgate daquilo que realmente interessa, resistindo à alienação derivada do sistema vigente. Desconstruir a máxima criada consumo, logo existo, e retornar à célebre máxima de Descartes. Um filme fundamental.

Comentários

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  • 16.10.2017 12:45 Ingrid galboni

    Olá, so uma correcaozinha boba :) descartes eh do séc XVII

  • 18.04.2017 09:20 Flávia

    Texto muito bom! Adorei! Excelente como sempre! Parabéns!

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Declieux Crispim é jornalista, cinéfilo inveterado, apreciador de música de qualidade e tudo o que se relaciona à arte. / declieuxcrispim@hotmail.com

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