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Declieux Crispim
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Declieux Crispim é jornalista, cinéfilo inveterado, apreciador de música de qualidade e tudo o que se relaciona à arte. / declieuxcrispim@hotmail.com

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A glória de Manoel de Oliveira

| 08.05.17 - 09:14 A glória de Manoel de Oliveira (Foto: divulgação)
Goiânia - A glória de se fazer cinema em Portugal representada por Manoel de Oliveira, o maior diretor de sua história e um dos maiores entre todas as nacionalidades. Um país abundante em realizar filmes relevantes e contribuir para o engrandecimento desta arte. Oliveira está no patamar de mestres como Kenji Mizoguchi, Jean Renoir, Luchino Visconti, Fritz Lang, Yasujiro Ozu, Stanley Kubrick, Orson Welles, Max Ophüls... mas, infelizmente, parece ficar à margem e relegado a um seleto nicho de cinéfilos. Possivelmente, devido ao fato de o cinema português não gozar do mesmo prestígio de outros países.
 
De uma filmografia extensa e de uma qualidade absurda, eleger um filme preferido é complicadíssimo. Não há um sequer de que não gosto, o que varia é a intensidade que me relaciono com cada um deles. Cravar, indubitavelmente, um único longa-metragem do diretor é praticamente inviável, e os favoritos podem mudar conforme revisões. Benilde ou a Virgem Mãe (1975), Amor de Perdição (1978), Francisca (1981), O Sapato de Cetim (1985), O Meu Caso (1986), Non, ou a Vã Glória de Mandar (1990), Vale Abraão (1993), O Convento (1995), Viagem ao Princípio do Mundo (1997), Palavra e Utopia (2000), Porto de Minha Infância (2001), O Princípio da Incerteza (2002), O Quinto Império - Ontem como Hoje (2004), Espelho Mágico (2005), Sempre Bela (2006), O Estranho Caso de Angélica (2010) e O Gebo e a Sombra (2012). Qualquer um destes mencionados merecem destaque especial e comprova a genialidade e a necessidade de proliferar sua arte.
 
Amor de Perdição, meu preferido hoje, é baseado em uma novela escrita por Camilo Castelo Branco em 1862, durante o período em que esteve preso por adultério. A história é baseada em um episódio real vivido pelo seu tio, Simão Botelho, mas transposta livremente à tela. O romantismo transborda na película e insurge entre Simão (António Sequeira Lopes) e Teresa (Cristina Hauser), dois jovens pertencentes a nobres e inimigas famílias. O mote primordial do romance não é novidade, e já rendeu outras obras-primas, como Sombras dos Nossos Antepassados (Sergei Parajanov, 1965), filme com o qual a película de Oliveira dialoga diretamente e que formam uma boa sessão dupla. 
 
A obra-prima de Manoel de Oliveira é parte da famosa tetralogia dos amores frustrados, composta ainda por O Passado e o Presente (1971), Benilde ou a Virgem Mãe (1975) e Francisca (1981), todos eles baseados em obras da literatura portuguesa. A incomunicabilidade tão bem trabalhada por Michelangelo Antonioni, faz-se presente de forma acachapante no cinema de Oliveira. Esta impossibilidade do pleno amor diante de sua intangibilidade, a incapacidade de perpetuar os sentimentos em um mundo que parece verter pedregulhos contra os mais magnânimos e sinceros sentimentos. 
 
A linguagem cinematográfica se funde e se confunde com a literatura e o teatro e emana um lirismo intrínseco à arte de Oliveira de modo extremamente elegante, estreitando os caminhos e aproximando o cinema de outras formas de arte, incluindo ainda a música e a pintura para emoldurar suas características e tecer sua arte de grande valia, de uma autoralidade raramente encontrada. A beleza que brota de cada plano em seus filmes dimensiona a grandeza e demonstra uma incrível capacidade na composição de cada um de seus planos. Possivelmente, esta lição foi derivada de um estudo minucioso de mestres como F.W. Murnau, a quem Oliveira certa vez disse ter assistido à Aurora (1927) dezenas de vezes. 
 
Os artifícios com os quais Manoel de Oliveira confecciona sua obra perpassam por um jogo entre as cores que alternam entre claro e escuro, algo bem próprio da pintura. O uso de espelhos é comum e ressalta a pluralidade de pontos de vistas em seus filmes e em Amor de Perdição é articulado de modo ímpar. O espelho como uma metáfora que desnuda o âmago de seus personagens, aquilo que demonstra o que a câmera não é capaz de enquadrar. Simão e Teresa em direção ao inexorável caminho trágico imposto por uma sociedade presa em seus dogmas.
 
Aconselhado por Baltazar Coutinho, primo prometido de Teresa, acometido por um ciúme descomunal em relação a Simão e enfurecido pela negativa de sua prima, o pai de Teresa decide trancafiá-la num convento em Viseu e, posteriormente, no Porto. Um momento marcante no filme é quando Simão a bordo de um navio avista o vulto da amada detrás das grades do convento, já moribunda e fatigada pela desesperança proveniente do desamor e da maldade dos seres humanos. Ela falece consumida por uma exasperante infelicidade em um dos mais tocantes e trágicos momentos da história do cinema. À espera da amada, Simão é morto por Baltazar e os caminhos que se entrecruzaram e promoveram um dos amores mais singelos são transpostos para tela, belamente, são tolhidos por uma sociedade choldra e provinciana.

Comentários

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  • 08.05.2017 09:57 Flávia Carelli

    Excelente como sempre! Belo texto, uma visão impecável! Parabéns!

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Declieux Crispim é jornalista, cinéfilo inveterado, apreciador de música de qualidade e tudo o que se relaciona à arte. / declieuxcrispim@hotmail.com

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