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Declieux Crispim
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Declieux Crispim é jornalista, cinéfilo inveterado, apreciador de música de qualidade e tudo o que se relaciona à arte. / declieuxcrispim@hotmail.com

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Crepúsculo dos Deuses

| 13.11.17 - 08:59 Crepúsculo dos Deuses (Foto: Divulgação)
Goiânia - Adentrar aos mais recônditos segredos de Hollywood e desnudá-los sob o véu que os cobrem para esmiuçar a crueldade de um sistema que dita as regras do jogo e que se move conforme sua vontade, independente dos danos que podem ser causados a outrem. Crepúsculo dos Deuses (1950) representa o ocaso de uma era e o início de outra e que dialoga com outras obras relevantes em épocas distintas na história do cinema como A Malvada (1951), O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962), Fedora (1978), ou Showgirls (1995). Uma radiografia precisa da transição do cinema mudo ao falado e de como a mudança é brusca causando um lapso de memória e a inevitável perda de espaço de atores antigos no cenário atual.
 
Um assassinato cujo corpo se encontra boiando em uma piscina é o mote que estabelece o princípio de uma narrativa arquitetada em um dos mais esplendorosos usos do recurso de flashback no cinema. Joe Gillis (William Holden), um candidato a roteirista frustrado, foge de seus credores por falta de dinheiro. Neste ínterim, refugia-se em uma mansão aparentemente abandonada, cujo aspecto envelhecido e sombrio padece de cuidados e remete a uma ideia de algo que foi largado pelo caminho permeado por uma atmosfera fantasmagórica. Esta casa está localizada na Sunset Boulevard, rua que dá nome ao título original do filme. Quando Joe entra no local logo descobre que este local se trata da morada de Norma Desmond (Gloria Swanson), diva do cinema mudo em decadência e esquecida pelo público. Juntamente com ela, encontra-se Max (Erich von Stroheim), seu mordomo fiel.
 
Norma acredita piamente que voltará a atuar através de um roteiro em que está trabalhando. Quando descobre que Joe é roteirista, prontamente o contrata para subsidiá-la na sua confecção cujo escopo é o de lapidá-lo e o de finalizá-lo para que Cecil B. DeMille assine a direção. A relação entre eles foge ao controle quando Norma se apaixona por ele. Robert Aldrich foi outro diretor a beber da fonte de Wilder e burilar uma obra contundente que traz duas atrizes do passado esquecidas pelo tempo interpretadas por Bette Davis e Joan Crawford. O legado de Crepúsculo dos Deuses é avassalador e é incrivelmente atual. 
 
A trama traça uma mordaz crítica a Hollywood, escancarando toda a podridão advinda de uma sistema desonesto, por meio de uma audácia muito grande e um olhar crítico do diretor bem à frente de seu tempo. Uma realização cinematográfica colossal calcada em uma das maiores atuações femininas da história equivalente a tantas outras como Maria Falconetti em A Paixão de Joana D’arc (1928), Ingrid Bergman em Europa 51 (1952), Kinuyo Tanaka em Oharu - A Vida de uma Cortesã (1952) ou Gena Rowlands em Uma Mulher Sob Influência (1974). A força descomunal de uma atuação em completa sinergia com o propósito da película em meio a uma coleção de frases emblemáticas que jamais serão esquecidas ou de tantas sequências antológicas que se sobrepõem uma após a outra. 
 
A cena em que Norma Desmond desce as escadas em direção à câmera não é nada menos do que perfeita e inesquecível. Billy Wilder retornaria a temática de Crepúsculo dos Deuses em Fedora (1978), seu penúltimo filme, que estabelece um vínculo no qual é impossível não se associar devido a uma volta aos bastidores da indústria cinematográfica e por contar com William Holden como o narrador de Fedora. Sem Gloria Swanson seria inimaginável conceber a magnitude desta obra valiosíssima para o cinema, cuja ação transcorre em sua tentativa de burlar o ostracismo para o qual foi relegada. 
 

Comentários

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  • 14.11.2017 01:01 Marlon Giorgio

    É tão impactante, ousado e ao mesmo tempo cínico (não fosse Billy Wilder seu grande realizador) que nos intriga sendo um trabalho de 1950 e sobre a ilusão doente de Hollywood, Texto dos melhores que já li sobre esse clássico absoluto recoloca o jovem Declieux Crispim como um crítico arguto, sensível e extremamente lúcido na sua análise, sem favor nenhum o mais competente observador cinematográfico de sua geração presente neste espaço. Um filme irretocável, surreal, moderno ao falar do antigo, assinalando o retorno da estrela do silencioso Gloria Swanson de forma triunfal (nunca nos pareceu ter sido tão extraordinária em papel sob medida e infelizmente só teve depois chances medíocres). De visão obrigatória e com crítica de alta qualidade para lhe fazer justiça.

  • 13.11.2017 14:03 Flávia

    A evolução dessa época no cinema foi grande. A vida hollywoodiana sempre foi marcada por abusos, vícios, horrores, o poder sobe a cabeça, gera violência. um dia se tem a glória e no outro cai no esquecimento, um meio conturbado. O filme em questão é atualíssimo, um clássico. Parabéns, Declieux Crispim, texto maravilhoso como sempre!

  • 13.11.2017 12:19 Scofield

    Uma das coisas que mais saltou aos olhos nesse excelente artigo foi da comparação com outros filmes brilhantes e de suas épocas distintas. Essa persistência da situação, que adquire novas tonalidades e se transforma, é realmente alarmante. Hoje, embora o foco se volte muito para a caça dos demônios hollywoodianos, encrustrados em um lamaçal de podridão regido por assédios e até cultos de escravidão sexaul, não podemos deixar de perceber como o texto de Sunset Boulevard permanece atual com a opacidade e esquecimento dos artistas. O contexto parece se sofisticar, os resultados permanecem os mesmos.

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