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Literatura

Edival Lourenço: "Meu trabalho é filho da tradição literária"

Confira a entrevista com o premiado escritor | 12.01.14 - 18:00
Adérito Schneider
Especial para A Redação

Goiânia - Edival Lourenço é advogado, atual presidente da União Brasileira de Escritores – Seção Goiás, integrante da Academia Goiana de Letras, colunista de dois veículos e autor de vários livros como As Luzes do PântanoA Centopeia de Neon e Naqueles Morros, Depois da Chuva.

Com o último, foi premiado com o Prêmio Jabuti em 2012, ficando em segundo lugar na categoria romance. Nesta breve entrevista, feita no fim de 2013, o escritor comenta principalmente seu último e premiado romance. Confira:

Adérito Schneider: Depois de um ano tendo seu livro como um dos vencedores do Prêmio Jabuti na categoria romance, o que mudou na sua carreira e na sua vida como escritor?
Edival Lourenço: Nada de muito extraordinário. Literatura não é mais aquela atividade dos séculos XVIII e XIX em que um fato como ganhar um prêmio nacional seria o bastante para tornar o autor uma celebridade. Aliás, naqueles tempos, o aspirante à artista primeiro construía uma obra consistente com a esperança de se transformar num vulto. O processo mudou: agora, primeiro a pessoa se joga na mídia, nas redes sociais, até se tornar uma celebridade, um astro. Depois, se der, constrói uma obra, aproveitando a onda de fulgor. Carreira de escritor, no sentido que eu exerço, comprometida com a estética, com a tradição cultural, com a história, com o idioma, com o presente e o futuro (sem ser metido a besta) é um trabalho mais de resistência. A carreira vai se construindo com muito trabalho e crescimento devagar. Mas pude notar que houve sim algum aumento de interesse não só pelo “Naqueles Morros...”, mas pelos outros livros também. Recebi mais convites para encontros, palestras e entrevistas.

"Naqueles Morros, Depois da Chuva" é um livro ambientado no Brasil/Goiás do século XVIII. Como foi a pesquisa histórica para escrever o livro? 
Acho que os elementos mais presentes da pesquisa são mesmo os fatos romanescos e a linguagem. Os fatos eu busquei em livros, documentos de arquivos, no Brasil e em Portugal. Visitei alguns locais onde viveram os personagens, visitei garimpos atuais e antigos. Conversei com pessoas que guardam a memória oral da época (já quase se transformando em lenda). Aproveitei muito da minha própria experiência. Na infância, dos seis aos dez anos, meus pais residiram em região de garimpo e tive oportunidade de conviver e observar o comportamento dos garimpeiros, o seu modo de falar e tal.

O livro é narrado em primeira pessoa por um filho bastardo do Anhanguera, numa linguagem quase oral. Até que ponto você se preocupou em usar uma linguagem similar a época e até que ponto deixou a licença poética correr solta, sem medo de anacronismo?
Durante o período que vivi próximo a garimpos, ouvi muitos garimpeiros que se diziam descendentes de antigos mineradores e deveriam reproduzir a linguagem e os padrões com alguma semelhança com o que ocorria no século XVIII. Não reconstituí a linguagem da época. Primeiro, porque não tenho conhecimento pra isso. Segundo, que, se eu tivesse, possivelmente não haveria leitores, nem editora interessada em publicar. O que fiz foi uma linguagem literária com as fuligens de uma época, baseada principalmente no que ouvi quando era criança nos garimpos e li dos documentos de época, com uma boa dose de imaginação. Penso que as palavras anacrônicas que eventualmente entram no texto podem ser logo entendidas no contexto. Principalmente para os leitores minimamente familiarizados com a língua, com a leitura.

Como se deu a composição do personagem-narrador na obra? Pois, como percebi, há certas nuances em seu narrar. Ora ele é um narrador em primeira pessoa falando de sua vida e das situações que ele viveu, vive ou observa; ora ele é um narrador contando uma história que ouviu falar; ora ele narra algo que ele nem sequer viu ou, a princípio, chegou a ter conhecimento, como as intimidades de D. Luís ou do novo cacique caiapó.
O narrador, no caso, é uma espécie de mestre de cerimônia da narrativa. Ele vai distribuindo a palavra. Como há uma certa polifonia ele vai narrando ou passando a palavra para quem de direito conforme as circunstâncias: ele narra na primeira pessoa, mas cede a vez de falar para outros personagens e até para um narrador oculto na terceira pessoa. Logo no início o narrador apresenta sua carta de intenções para com o leitor: “Dos feitos que não pude presenciar, permitiu-me o bom Deus, único em pessoas três, que eu tivesse informações induvidáveis, para que deles pudesse dar conta a vossenhor. Porém, fica desde logo a advertência para que ninguém alegue ao depois que foi ludibriado, que aquelas peripécias que não presenciei nem tive informações induvidosas, eu as recriei nos detalhes mínimos com todo o empenho de minhas idéias e toda força da minha imaginação, desejoso de que fosse com o concurso de algum engenho, de tal modo a não distanciar, um pingo ou risco que fosse, daquilo que de fato terá sido.” Penso que um narrador “multiuso” foi uma solução que encontrei. Pelo menos, me deu muito trabalho até chegar num consenso comigo mesmo de que assim poderia ser. A crítica ainda não se manifestou. Vamos ver o que ela dirá. Quais as grandes dificuldades de se escrever um romance histórico? Além das dificuldades naturais de se escrever qualquer romance, o histórico tem os aspectos da pesquisa. E, como você sabe, pesquisar, principalmente no Brasil – e ainda por quem que não tem formação na área – é muito complicado. Fiquei 15 anos colhendo informações para este romance. Depois, é difícil também você fugir da tentação de escrever um livro de história. Você não pode perder de vista que está escrevendo um romance, cuja trama é feita de fatos históricos. Este equilíbrio também não é fácil.


(Foto: janela.art.br)

Quando li "Naqueles Morros, Depois da Chuva", lembrei-me de "Chegou o Governador", do Bernardo Elis. Esse livro te influenciou? A Literatura do Bernardo Elis te influenciou? Há um diálogo entre as obras?
Já tive a oportunidade de dizer que meu trabalho é filho da tradição literária. Não só da tradição literária universal, mas também brasileira e, sobretudo, goiana. Bernardo Élis é um marco de nossa literatura e tenho admiração por sua obra. Eu li “Chegou o Governador” quando foi lançado e reli quando estava escrevendo “Naqueles Morros...”. Não com o propósito de seguir a mesma linha, mas até me afastar dela. Os dois livros têm a coincidência geográfica e o fato de serem rotulados de romances históricos. Mas descoincidem no período histórico. O meu ocorre em plena efervescência do ouro. O de Bernardo oito décadas depois, quando o ouro já havia exaurido. Mas, certamente, fui influenciado. Até porque a busca de uma dessemelhança já seria uma influência.

Você costuma reler suas obras?
Releio até me cansar. E toda vez que leio mudo alguma coisa. Às vezes, até para pior [risadas]. Mas, depois de publicada, eu paro de ler. É como dizia Jorge Luís Borges: “A gente publica a obra para se livrar dela”.

Hoje, um ano após o Prêmio Jabuti, quando você reflete sobre esta obra, quais são os pontos fortes e fracos que percebe? Do que mais se orgulha e o que gostaria de mudar?
Acho que os pontos fortes são a pesquisa de época, a linguagem elaborada e até certo ponto inventiva e, ainda, a conexão de fatos em forma de trama que me parece que ficou no tempero. Não ficou aquela coisa de gancho sobre gancho dos best-sellers, mas traciona o leitor para o parágrafo seguinte, para a página seguinte, para o capítulo seguinte. Penso que outro ponto que pode ser considerado forte é que as eventuais dificuldades do texto acabam premiando o leitor com descobertas estéticas. Acho que o ponto fraco é que o texto não deixa de ser seletivo com relação a leitores e isso restringe o mercado. Esse livro jamais será um sucesso de vendas. O que mais me orgulha no livro é de ter conseguindo realizar um empreendimento tão árduo (sobretudo pesquisa e linguagem) e já ter recebido importantes reconhecimentos (prêmio Jaburu e Jabuti). Outro fato que me apraz é ter levado para o livro o clima dos garimpos da minha infância. Sei que isso é verdadeiro e legítimo. Até o momento, ainda não me deu vontade de mudar nada no livro. Afinal, para escrevê-lo, trabalhei por muitos anos e dei o melhor de mim. Mas, certamente, um dia vai dar aquele estalo: ah, se tivesse escrito assim e assado teria ficado melhor.

Está em algum projeto no momento? Tem previsão de lançamento?
Estou tentando engrenar na escrita do segundo volume de “Naqueles Morros...” (pretendo que seja uma trilogia). Como já tenho a história na cabeça, me daria por satisfeito de escrevê-lo até o final de 2014 e publicá-lo em 2015. Ademais, continuo escrevendo rotineiramente poemas e crônicas.


Comentários

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  • 13.01.2014 18:24 Ercília Macedo de Morais Eckel

    Realmente há textos que fogem ao entendimento dos leitores não iniciados em literatura, como você mesmo parece reconhecer. Sua entrevista foi muito elucidativa. E penso que essa obra (Trilogia?) poderia ser adaptada para o cinema ou para um seriado, uma novela... Já ouviu algum zunzum sobre isso?

  • 12.01.2014 18:21 Hélverton Valnir Neves da Silva

    É um bom romance. E o Edival é orgulho da gente.

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