A Redação
De nada adiantou relatórios elaborados pela Controladoria Municipal de Goiânia, desde o ano de 2009, apontando irregularidades no modelo de licitação utilizado na construção do novo Mutirama: o Pregão. Os pareceres contrários vindos da pasta foram sumariamente desconsiderados pela urgência de conclusão da obra até 2012, ano eleitoral.
Um funcionário próximo à controladoria, que solicitou para não ser identificado, revela que pelo menos dois pareceres realizados sob a batuta de Andrey Azeredo (ex-controlador e hoje na secretaria de Compras e Licitação) não aprovaram legalmente a licitação do Mutirama, quanto a aquisição dos novos brinquedos (e não brinquedos novos, como se demonstrou na quinta-feira), além da decoração temática do parque, orçadas em quase R$ 30 milhões. O motivo primordial do veto estaria ligado à discrepância entre o modelo utilizado na licitação, o pregão, com a abrangência e valores da obra.
A Lei 10.520/92, que incluiu o pregão entre as modalidades de licitação possíveis, é clara ao reservar o modelo para a aquisição de bens e serviços comuns. Assim, não é todo serviço que pode ser adquirido por meio de pregão, instituído para agilizar o processo licitatório, mas apenas uma espécie deles: os comuns. Mesmo tratando-se de um conceito vago, a própria lei busca dirimir tal dúvida, conforme a descrição abaixo:
LEI 10.520/92
Art. 1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.
Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.
Assim como ocorreu na Controladoria municipal, o estranhamento frente ao modelo licitatório utilizado foi logo chamativo aos advogados ouvidos pela REDAÇÃO, dentre eles o procurador Marcello Terto e Silva, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional, Cível e Econômico.
“O uso do pregão nessa licitação é no mínimo estranho. Eu não analisei o projeto, mas a princípio não caberia esse modelo pela abrangência e valor da obra”, afirma Terto, que esmiúça ainda mais o que a lei deixa clara. “O modelo pregão é utilizado para contratação de bens e serviços comuns, conforme estipula a lei, sobretudo pela agilidade do processo. São operações simples, normalmente serviços ou pequenos consertos, como o de um muro, por exemplo, e não uma obra de milhões. Não tem nada de comum numa obra deste tamanho” diz Terto.
De fato, desde o lançamento do projeto, o novo parque Mutirama é alardeado pela própria Prefeitura como um dos maiores de toda a América Latina, levantado por um orçamento global de R$ 80 milhões.
Ainda tomando-se como referência a discrição da Lei 10.520, atrações inclusas no projeto do novo Mutirama, tais como Cinema 4D, torre de 27 metros, teleférico cabinado de 450 metros e outros 27 brinquedos, estariam longe de serem usuais ou de fácil comparação no mercado, atesta o procurador. “Uma construção deste porte deveria ser realizado pelo modelo Concorrência, sugerido para obras acima de R$ 1,5 milhão. Trata-se do modelo mais completo e seguro de licitação”, pontua Marcelo Terto.
Serviço ou obra?
Normalmente acatado por gerar maior rapidez no processo licitatório, o modelo Pregão foi criado por trazer também a vantagem de um maior embate de preços entre os concorrentes, ideal para serviços emergenciais ou aquisições de bens. Mas, conforme abrange da já citada Lei 10.520, tal modelo não é passível de uso em obras, apenas para "serviços" e "bens", caso estes sejam de caráter "comum". A distinção entre "serviço" e "obra", fica a cargo da própria Lei de Licitações (8.666/86), nos incisos I e II do artigo 6º, transcrito abaixo:
LEI 8.666/86
Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se:
I - Obra - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;
II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;
Pelo que se levanta no próprio edital de convocação do novo Mutirama, pregão número 33/2010, com acesso no endereço http://www.goiania.go.gov.br/html/licitacao/presencial2010.shtml, a instalação de todos os brinquedos, atrações e benfeitorias realizadas no parque, são precedidos da obrigatoriedade de “Adequação de espaço do local de instalação”, conforme o texto original, que trata de todo preparo estrutural e físico, que integrará o parque, vinculado mais naturalmente à caracterização de obra, do que realmente um serviço.
Apenas para o brinquedo Splash (circuito de barcos), a construção do canal para circulação de três barcos, com dimensão de 40 metros x 10 metros cada um, foi estipulada em 500 mil. Já a execução da fachada decorativa do Mutirama, com nichos para bilheterias, espaço para catracas, plataforma de acesso a deficientes, banheiros, é orçada em 550 mil. Mas ainda distante dos 875 mil gastos somente para se erguer o Palácio Alhambra (Barcos/Boat Ride), uma edificação decorativa de um “Castelo/Palácio”com área estimadam em 500 metros quadrados – ao todo, o custo total previsdo do palácio é de mais de 1,9 milhão.
Na atração mais onerosa, o teleférico cabinado de 450 metros, orçado em 5,4 milhões, 200 mil são destinados para adequadação do espaço, fundações e instalações de plataformas de embarque/desembarque, além de torres de apoio.