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Acidentes de trânsito

A vida frágil entre o velocímetro e a cadeirinha

Imprudência ainda mata crianças em Goiás | 25.11.15 - 18:05 A vida frágil entre o velocímetro e a cadeirinha Isaque se diverte durante os exercícios com o fisioterapeuta Lucas Rezende (Foto: Kamylla Rodrigues/A Redação)
Kamylla Rodrigues
 
Goiânia - Isaque é observador. Os olhos azuis, ímãs instantâneos de elogios, acompanham todos que entram na sala de espera para a fisioterapia. Ele é um menino forte e não faz cara de choro durante os exercícios. Já se acostumou. Isaque é uma criança de quase cinco anos e desde os 15 dias de vida tem como rotina visitas em hospitais e centros de reabilitação. O menino tem paralisia cerebral, mas ele não nasceu assim. 
 
Em 12 de fevereiro de 2011, Isaque Santos Chaves Oliveira seguia com a mãe, Ivone dos Santos Mendonça, e outros familiares pela BR-153, de Aparecida de Goiânia para Anápolis. O pequeno estava sendo amamentado pela mãe no banco traseiro, quando o carro em que estavam foi atingido por outro veículo em alta velocidade, que invadiu a pista contrária. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o motorista que provocou acidente apresentava sinais de embriaguez e carregava uma criança de quatro anos no banco da frente.
 
“Depois que o carro rodou várias vezes na pista, procurei meu filho e o achei no assoalho do carro. Ele estava roxo. Entrei em pânico”, lembrou Ivone. Entre todos os envolvidos no acidente, sendo três deles crianças, apenas Isaque teve ferimentos graves. Ele e Ivone eram os únicos sem equipamento de proteção. “Eu havia acabado de tirar o cinto para amamentá-lo”, contou.
 
Ele foi levado para o Hospital de Urgências de Aparecida de Goiânia (Huapa). De lá, foi para o Hospital da Criança, onde foi constatado traumatismo craniano. Ao ser levado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica, Isaque sofreu uma parada cardíaca, entrou em coma e só acordou 12 dias depois. Todos os problemas desencadeados com o acidente evoluíram para um diagnóstico inesperado. "Era paralisia cerebral. Eu não queria acreditar que meu filho, que tinha apenas 15 dias de vida, talvez nunca poderia falar e andar", lembra Ivone.
 

Brinquedos auxiliam no tratamento de Isaque (Foto: Kamylla Rodrigues/A Redação)
 
Aos quatro meses de vida, a criança iniciou sua jornada no Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER), onde ainda faz fisioterapia, equoterapia, terapia ocupacional e estimulação visual, além de fonoaudiologia. “Eu trago ele aqui duas vezes por semana e já percebi que ele evoluiu nesses quatro anos. Hoje ele consegue comer sozinho e come de tudo. O que me dói ainda é nunca ter ouvido um ‘mamãe’ ou ter visto os primeiros passos. Mas eu tenho fé que isso vai acontecer um dia”, disse.
 
 
De 2011, ano do acidente de Isaque, até outubro deste ano, 385 crianças de 0 a 12 anos ficaram feridas e 28 morreram em acidentes nas rodovias federais que cortam Goiás. Mais de 70% dos 938 acidentes computados pela corporação nesses quase cinco anos e que envolveram essa faixa etária foram causados por excesso de velocidade. De janeiro a outubro deste ano, foram 160 acidentes, com 70 feridos e três crianças mortas. 
 
Nas rodovias estaduais, a causa da maioria dos 105 acidentes, que deixou 155 crianças feridas e duas mortas de janeiro a outubro deste ano, também foi velocidade incompatível com a via, combinado com falta de atenção e embriaguez ao volante.
 
Para o inspetor Fabrício Rosa, da Polícia Rodoviária Federal (PRF), quem pisa no acelerador de forma abusiva está assumindo o risco de matar a si mesmo e as pessoas que eles mais amam. “Para mim, o acidente mais difícil de lidar é o que envolve criança. Para um pai, por exemplo, provocar a morte de uma criança por imprudência, algo que poderia ser evitado, deve ser uma dor incalculável. Para evitar que se mate nas rodovias, as pessoas devem ter em mente o dever de proteger a vida de quem mais se ama e, claro, a vida de quem nem se conhece. O limite de velocidade existe para proteger vidas”, ressaltou.
 
Proteção
As sequelas de Isaque e muitas mortes de crianças poderiam ser evitadas se no veículo constasse um equipamento de segurança fundamental para o transporte dos pequenos: a cadeirinha.
 
Testes de colisão mostram que uma criança de 10 quilos, em um carro com velocidade de 50 Km/h, passa a ter 500 quilos ao ser lançada para frente durante um acidente. Ou seja, mesmo no colo, uma pessoa não conseguiria segurar a criança nessa situação. Para o diretor técnico de atendimento do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO), João Balestra, a melhor proteção para as crianças nos veículos é a cadeirinha.
 
"Além desse equipamento, o cinto e o capacete são nossos potenciais aliados para depois de um acidente continuarmos vivos. Sabemos que quanto maior a velocidade, maiores os riscos de morte em um acidente. Sem equipamento de segurança, esses riscos praticamente dobram. Para uma criança, que é mais frágil, estar em um carro em alta velocidade e sem cadeirinha, as chances de sobrevivência em uma capotamento, por exemplo, é nula”, adverte João Balestra. 
 
De acordo com a pediatra Camila Cury, a parte do corpo mais vulnerável da criança durante o acidente é a cabeça, por isso há alta incidência de traumatismo craniano. “Além de danos neurológicos graves e fraturas ósseas diversas, a criança pode ter lesões de múltiplos órgãos”, explicou a médica. 
 
Um relatório, produzido pelo Ministério da Saúde e divulgado neste mês, informou que de 2003 a 2013, o número de crianças de até 10 anos mortas no trânsito caiu de 1.621 para 1.054 no Brasil - uma redução de 36% na década. 
 
No ranking dos Estados que mais reduziram mortes de crianças no trânsito, Goiás aparece em nono lugar, com uma diminuição de 37% em dez anos: em 2003 foram 75 mortes contra 47 em 2013. De acordo com o ministério, uma das explicações para o encolhimento do número de óbitos em 22 dos 27 Estados brasileiros é justamente a lei da cadeirinha, que passou a vigorar em 2010. A lei estabeleceu alguns padrões de segurança para o transporte de crianças abaixo de dez anos. Confira:
 

(Fonte: Agência CNT)
 
Desde a aplicação da lei, os infratores têm arcado com uma multa considerada gravíssima, de R$ 191,54, além de perder 7 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). De janeiro a julho deste ano, o Detran Goiás emitiu 2.171 multas pelo transporte irregular de crianças. O número já se aproxima do que foi registrado durante o ano todo em 2014, quando 2.729 multas foram aplicadas. 
 
Segundo Camila, é comum pais e responsáveis não utilizarem o equipamento devido as reclamações das crianças, que às vezes se sentem desconfortáveis. “A criança necessita de um tempo para se adaptar ao uso do dispositivo. Recomendo que certifique do uso adequado e que se valha da paciência, sem ceder ao choro ou inquietude das crianças”, ponderou. 
 
Tragédia
Foi a reclamação de Gustavo Ramos, de 5 anos, que permitiu o pai liberar a retirada do cinto de segurança. “Ele estava acima do peso e a cadeirinha o incomodava, por isso ele já andava com o cinto. No dia do acidente, ele disse que estava se sentindo mal e pediu para tirar o cinto e deitar no banco. Eu permiti”, lembra o veterinário José Antônio Ramos.
 
Gustavo morreu poucos minutos depois de ter tirado o ítem de segurança, no dia 17 de agosto de 2014, na rotatória instalada no cruzamento da Avenida Ricardo Paranhos com a Rua 1.131, no Setor Marista. O carro em que ele e a família estavam foi atingido por outro veículo que estaria com a velocidade bem acima da permitida na via, que é de 40km/h. 
 

Carro de José ficou com as quatro rodas para cima  (Foto: divulgação/PM)
 
Com o impacto, o carro de José capotou. “A primeira coisa que eu fiz foi procurar o Gustavo. Peguei ele, retirei do carro e fiquei ali do lado dele até a chegada do socorro”. Gustavo não resistiu aos ferimentos e morreu no local. “ Se eu pudesse, eu teria o amarrado em todos os cintos do carro ou colocado na cadeirinha mais resistente que existe. A gente nunca acha que isso pode acontecer um dia com a nossa família”, desabafou. 
 
A delegada que investigou o caso, Adriana Fernandes de Carvalho, adjunta da Delegacia de Trânsito (Dict), indiciou José por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Segundo a conclusão do inquérito, José teria desrespeitado o sinal de pare ao entrar na rotatória sem dar preferência para o outro veículo que já havia entrado.
 
O inquérito foi remetido ao judiciário em agosto deste ano com sugestão de perdão judicial. O juiz acatou o pedido, absolveu José e arquivou o processo. Mas o pai de Gustavo ainda busca por justiça. “O que provocou o acidente não foi apenas eu não ter respeitado a sinalização, como ela descreveu, mas sim a velocidade do outro condutor, que após bater no meu carro, simplesmente fugiu do local. Ou seja, esse homem saiu impune”, afirmou. 
 

Gustavo Ramos (Foto: arquivo pessoal)
 
José deve fazer um pedido para reabrir o processo com a finalidade de provar que a velocidade motivou a colisão entre os veículos. “Eu contratei um perito particular e o laudo emitido por ele contradiz a perícia inicial. O outro condutor estava quase duas vezes acima da velocidade permitida. Mesmo se eu tivesse entrado antes dele na rotatória ele não ia conseguir parar”, explicou. “Sei que isso não vai trazer meu único filho de volta, mas quero que ele pague pelo erro dele”, salientou. 
 
Realidade em Goiânia 
Além de Gustavo, outras nove crianças morreram em acidentes de trânsito na capital goiana em 2014, quando 193 acidentes envolvendo vítimas de 0 a 17 anos foram registrados, segundo a Secretaria Municipal de Trânsito (SMT). De janeiro a agosto deste ano, foram 39 acidentes. A Dict apontou três mortes de janeiro até o início de novembro deste ano, sendo uma delas possivelmente provocada por excesso de velocidade combinado com imprudência e a falta de cadeirinha. 
 
A vítima foi Samuel Araújo Neiva, de 3 anos. Segundo a Polícia Militar, o menino seguia sem o equipamento de segurança no carro da família, que foi atingido por uma BMW na madrugada do dia 8 de novembro, no cruzamento da Rua João de Abreu com a Rua 13, no Setor Oeste. A criança foi arremessada para fora do veículo e chegou a ser levada para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos. 
 
A delegada titular da Dict, Nilda Limas de Andrade, que investiga o caso, afirmou que os dois motoristas foram imprudentes. “Além de estar levando o filho fora da cadeirinha, o pai da vítima teria desrespeitado a sinalização de pare. Já o condutor da BMW estaria em alta velocidade. Estamos investigando a responsabilidade dos dois”, informou. 
 
No dia do acidente, o condutor da BMW, um médico que atende na capital, permaneceu no local da colisão, mas se negou a fazer o teste do bafômetro. Ele foi levado ao Instituto Médico Legal (IML) e a avaliação médica constatou que ele não estava bêbado. O pai e a irmã de Samuel ficaram feridos e foram levados para o hospital, mas receberam alta médica um dia depois. A mãe da criança continua no Instituto de Neurologia de Goiânia e, à pedido da família, a unidade não foi autorizada a divulgar o estado de saúde da mulher. 
 
Ações educativas
No intuito de diminuir o número de crianças mortas e feridas em acidentes, independente da motivação, o Detran Goiás tem apostado em ações educativas voltadas para adultos e crianças. Além da Balada educativa, o órgão leva, desde 2013, o projeto Detranzinho para crianças e adolescentes das redes públicas e privadas de ensino. 
 
“O projeto é pioneiro no país e a ideia é transformar os pequenos em multiplicadores de conhecimento, de modo a incentivar comportamentos seguros no trânsito”, afirmou João Balestra. O trabalho é realizado por meio da metodologia do Aprender Fazendo, da Lego Education. Desde que foi criado, 45.529 alunos foram atendidos no programa.
 

(Foto: divulgação/Detran-GO)
 
O projeto conta com dois micro-ônibus adaptados com atividades pedagógicas. O trabalho é iniciado com uma palestra, na qual os alunos recebem orientações sobre segurança e legislação de trânsito. Depois que uma mini cidade é montada, os alunos são convidados a guiar um carrinho de controle remoto na maquete construída com blocos de montar. “Os alunos são estimulados a buscar soluções para maior segurança, acessibilidade e fluidez no trânsito”, explicou João Balestra. 
 
O Detranzinho percorre escolas de todo o Estado. “Nós acreditamos que esse programa contribui para a formação de condutores mais conscientes. As crianças vão agregando atitudes simples que fazem toda a diferença. Enquanto não podem dirigir, elas transmitem isso para os pais”, completou. 
 
O diretor técnico de atendimento do Detran Goiás informou ainda que, no ano que vem, o órgão deve encaminhar um ofício para as prefeituras goianas solicitando a criação de leis municipais que agreguem na grade curricular de alunos do ensino fundamental e médio a disciplina de segurança e legislação no trânsito. “A partir do momento que isso fizer parte do cotidiano desses futuros condutores, teremos um trânsito muito mais humano”, finalizou. 
 
Bons exemplos
A família da técnica em enfermagem Janaína Rodrigues Guimarães sentiu na pele a importância da cadeirinha. Há mais de um ano, o carro do marido capotou com o filho dela, Gabriel, de oito anos. O menino não teve ferimentos graves graças ao item de segurança. “Foi a cadeirinha que salvou ele. Aqui em casa, meus dois filhos, o Gabriel e a Maria Antônia não andam no carro sem a proteção. Isso é uma rotina na vida deles”, afirmou. 
 
Maria Antônia, de 3 anos, já está acostumada, mas quando o trajeto é curto ela insiste em pedir para não usar o ítem. “Ela pergunta se precisa colocar. Eu explico que não importa a distância, se entrou no carro temos que colocar. É um trabalho que você tem que fazer com a criança para que ela saiba que aquele equipamento vai protegê-la. Na maioria das vezes, Maria fica entretida com algum brinquedo e não reclama”, contou Janaína. 
 
A chegada de Cecília na vida de Carlos Eduardo Viveiros, há três meses, mudou completamente o jeito que ele dirigia, principalmente em relação à velocidade e o respeito a sinalização. "Hoje, eu só ando dentro do limite de velocidade ou até menos, tudo por conta dela. Me sinto totalmente responsável pela vida da minha filha e por isso me tornei mais prudente. A gente pensa muito mais antes de fazer qualquer coisa no trânsito. Quanto à cadeirinha, ela é muito tranquila. Em quase todo o tempo a Cecília vai dormindo. Garantir a segurança e preservar a vida de alguém tão indefeso é a obrigação de todos os pais e responsáveis", finalizou. 
 
 
 
 
 
 
  
 
 
 
 

Comentários

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  • 26.11.2015 23:31 Lucianna

    Nossa foi muito triste Ivone. Mas continue confiando em Deus.

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