A glorificação da pureza é a ideia central por trás dessa pintura. Nela, Santa Cecília encontra-se no centro de uma “Sacra Conversação”, acompanhada por outros santos, dispostos na forma de um semicírculo. Na tela de Rafael também é possível reconhecer um artefacto musical, constituído por tubos, nas mãos de Santa Cecília, além de outros tantos dispostos no chão, em alusão a uma “natureza morta”: uma viola da gamba (com arco), flautas, címbalos, um triângulo, pandeiros etc.
Em seu artigo, Zwilling explicita que nesta representação iconográfica, Santa Cecília “abandona” os instrumentos musicais, dos quais ela é protetora, e direciona seu olhar para cima, contemplando um coro angelical que, por sua vez, entoa hinos de louvor. Certamente, ela é a única capaz de ouvir aquela música. De fato, o pintor faz referência à transitoriedade da música “mundana” - o símbolo das paixões humanas - em oposição à música “celeste”.
Como já mencionado, em torno da figura de Santa Cecília estão outros quatro “santos”. Para Zwilling, a escolha desses quatro religiosos “está ligada ao tema da ascensão e êxtase celestial”, devido às suas experiências pessoais com Deus (detalhadas em seu artigo). Contudo, percebe-se que não estão envolvidos na experiência mística de Cecília, mas sim, num jogo de olhares, um outro tipo de simbolismo que também expressa a ideia de amor absoluto em oposição ao amor terreno. Da esquerda para a direita:
• São Paulo apresenta-se vestido com uma túnica verde e um manto vermelho. Com a sua mão esquerda está segurando uma espada e também um pergaminho, o qual teria a inscrição “Ad Corinto” (uma alusão a 2 Cor, 12: 2-4). Ademais, de perfil, mantém uma atitude meditativa;
• São João Evangelista está com um de seus pés sobre um livro. Além disso, com um aspecto meditativo observa os instrumentos musicais ao solo;
• Santo Agostinho mostra-se vestido com um manto bordado e segurando, com sua mão direita, um cajado pastoral. Destaca-se o seu olhar concentrado, correspondendo ao de São João Evangelista;
• Maria Madalena, presumidamente, está contemplando o(s) espectador(es), convidando-o(s) a testemunhar o mistério. Está, também, segurando um vaso com algum tipo de óleo em seu interior, com o qual deseja ungir os pés de Cristo.
Vale lembrar que, na tradição do catolicismo, no dia 22 de novembro ocorre a celebração em homenagem à Santa Cecília, considerada a padroeira da Música e dos Músicos. Por isso, a próxima postagem será dedicada à essa personagem.
P.S.: “O êxtase de Santa Cecília” é também conhecido pelo nome “Santa Cecília entre os Santos”. Trata-se de um óleo sobre tela (2,36 x 1,49) pintado por volta de 1514, na cidade de Roma. A pintura foi encomendada pela beata Elena Duglioli dall’Olio (1472-1520), famosa por ter visões nas quais a música desempenhava importante papel ou, talvez, pelo cardeal Lorenzo Pucci que, durante sua estada em Bolonha, cultivou algum tipo de relacionamento com Elena. Em 1515, o quadro, já como parte de um painel, foi colocado na capela da família Duglioli da Igreja San Giovanni in Monte, em Bolonha. E, atualmente, pertence ao acervo da Pinacoteca Nacional, localizada na mesma cidade (Informações retiradas do site
Pinacoteca Nazionale Bologna)