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Sobre o Colunista

Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara

Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

Música Clássica

J. Douliez e a criação do Instituto de Música da EGBA (1954/55)

| 22.04.21 - 16:18
Algumas palavras sobre a EGBA
 
A Escola Goiana de Belas Artes (EGBA) foi idealizada em 1952, a partir da iniciativa dos professores Luiz Augusto do Carmo Curado (1919-1996), Henning Gustav Ritter (1904-1979) e Frei Nazareno Confaloni (1917-1977). No dia 30 de março do ano seguinte, foi realizada uma cerimônia de inauguração - na forma de uma exposição - instalada com obras de seu primeiro corpo docente. 
 
A EGBA teve como primeira sede algumas salas do prédio situado na Rua 9 do Setor Central. Mas, logo em seguida, no início de 1955, passou a funcionar no segundo piso do Museu do Estado (atual Museu Zoroastro Artiaga), na Praça Cívica. (Borges, 1999, p. 99; Goya, 2010, p. 2025; Pina, 1988, p. 59; 2002, p. 54). 

É importante dizer que desde a sua criação, a EGBA manteve algum tipo de vínculo com a Universidade Católica de Goiás (atual PUC-GO). Entretanto, data de agosto de 1969, a sua incorporação à UCG, de maneira oficial, passando a se chamar Escola de Arquitetura e Artes da UCG. Porém, em 1972, a área de Artes foi extinta daquela Unidade Acadêmica. (Bittencourt, 2008, p. 19; Borela, 2010, p. 115; Goya, 2010, p. 2031).
 
Diante disso, na opinião do musicólogo Braz Wilson Pompeu de Pina Filho (2002, p. 53), a UCG “tem a supremacia de hospedar a primeira escola oficial de artes de Goiânia” (Pina, 2002, p. 53). 

Para ter acesso a um melhor detalhamento a respeito da EGBA, clique sobre o título abaixo (coluna publicada em 09/04/2021):

* A criação da Escola Goiana de Belas Artes (1952/1953).

 
A ideia de criação do Instituto de Música
 
O professor Luiz Curado, fundador da EGBA, em entrevista concedida ao Jornal O Popular, na edição do dia 24 de janeiro de 1993, revela que:
 
Um dos grandes momentos da Escola Goiana de Belas Artes,
que tinha como secretária a folclorista
Regina Lacerda, se deu em 1955, durante a instalação do Instituto de Música.
Para dirigi-lo, foi convidado o maestro belga Jean François Douliez,
reconhecido então como um verdadeiro missionário da música,
no campo do ensino
.
(Curado, 1993, apud Pina, 2002, p. 53; grifo nosso).
 


Jean François Douliez (1903-1987)
Fonte: Revista Goians de Artes (Jan./Dez. 1987/1988)
Artigo: Jean Douliez 
Autor: Braz Wilson Pompeu de Pina Filho


 
Ao que parece, a pretensão de se abrir um Departamento de Música na EGBA ainda no ano de 1954, não foi uma ideia isolada de um ou outro dirigente da Instituição. Também não é apropriado afirmar que tal anseio estivesse voltado para uma área cultural específica. Nesse diapasão, deve-se destacar que, em janeiro de 1955, a Revista Renovação (a.3, n.1) - órgão da Fundação Pio XII -, ao destacar a fundação do Instituto de Música, assim como focalizar a chegada de Jean Douliez a Goiânia, faz alusão a um antigo plano de se diversificar a oferta de cursos da EGBA. Na introdução da matéria lê-se:
 
Como parte do plano de atividades da E. G. B. A. está programada
a criação de Institutos que patrocinarão o ensino das artes da música,
ballet, teatro, ampliando assim o seu programa de divulgação artística
cujos resultados, inegavelmente, beneficiarão o
desenvolvimentodas artes plásticas
em nosso Estado.

(Rev. Renovação, 1955, p. 30).
 

Trecho da matéria sobre a EGBA.
Revista Renovação 
(a.III, n.1), p. 30.
Fonte: Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis
para os Povos do Cerrado (ICEBE).
Presidente: Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado
 


Capa da Revista Renovação (a.III, n.1) 
Fonte: Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis
para os Povos do Cerrado (ICEBE).
Presidente: Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado



Algumas observações
 
É imprescindível deixar registrado que o “Instituto de Música” é o embrião da atual Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás (EMAC/UFG). Melhor dizendo, aquele Departamento de Música da EGBA tornou-se independente em 1956, adotando o nome de Conservatório Goiano de Música. Depois, passaria a ser chamado de Conservatório de Música da UFG, em 1960. Em 1972, recebeu a denominação de Instituto de Artes, o qual, posteriormente - em 1996 - foi divido em duas unidades: Escola de Música (EM) e Faculdade de Artes Visuais (FAV) para, então, no ano de 2000, receber a alcunha atual de (EMAC/UFG).
 
Também é preciso ter em mente que o presente texto tem como enfoque o encadeamento de fatos que permitiram a criação do Instituto de Música/EGBA. Duas das últimas postagens desta coluna (links abaixo) foram dedicadas a Jean Douliez. Nessas publicações, as quais foram consubstanciadas, sobretudo, nas pesquisas de Marcia (assim, sem acento) Terezinha Brunatto Bittencourt (2008), buscou-se divulgar, de forma mais detalhada, a trajetória do Maestro Douliez, desde sua formação musical e intelectual na Bélgica, passando pela opção de residir no Brasil, a partir de 1949. 
 


Jean Douliez (1903-1987)


 
O convite feito a Jean Douliez
 
O próprio maestro Jean Douliez (Hasselt, Bélgica, 16/03/1903 - Bruxelas, 09/10/1987) é quem confirma o ano de sua chegada a Goiânia:
 
Era então fins de 1954, quando cheguei, vindo da Bélgica a chamado do
Prof. Henning Gustav Ritter, da Escola Goiana de Belas Artes
[EGBA], 
velho amigo que conheci em Araxá em 1947 
e mais tarde em Belo Horizonte.
(Douliez, 1958 apud Pina, 2002, p. 57).
 

De fato, para Maria Helena Jayme Borges (1999, p. 100), em 1954, depois de algum tempo residindo em Belo Horizonte (desde 1949), o renomado músico Jean-François Douliez havia viajado para a sua terra natal. Todavia, por meio de correspondências trocadas com o amigo Gustav Ritter, manifestara o desejo de retornar ao Brasil.

Foi assim, por meio de carta, que Jean Douliez foi convidado pela direção da recém-criada EGBA para a missão de liderar o processo de constituição de um Departamento de Música naquela Instituição, o qual ficaria conhecido como “Instituto de Música”. (Borges, 1999, p. 100).
 
Esclarece a Profa. Maria Helena, que os mandatários da Escola Goiana de Belas Artes (EGBA) tiveram o cuidado de conscientizar o maestro Jean Douliez no sentido de que aquela “tarefa” teria “um certo caráter de apostolado, pois nada poderiam garantir em matéria de remuneração”. Segundo a autora, mesmo assim, o músico belga 
 
Aceitou o convite e veio para Goiânia, com toda a sua bagagem.
Eram malas e malas com grande quantidade de partituras,
composições e arranjos de sua autoria. Por ocasião de sua chegada,
foi montada na escola uma exposição de suas partituras,
a fim de que o público conhecesse as peças trazidas pelo maestro.

(Borges, 1999, p. 100).
 

Marcia Bittencourt (2008, p. 35) conta que, ao chegar a Goiânia (em fins de 1954), Jean Douliez teve como primeira atividade profissional a atribuição de lecionar música a “um dos filhos do então governador [interino] do Estado de Goiás”, o Senhor Jonas Ferreira Alves Duarte (1908-1993). Efetivamente, as aulas de música na EGBA foram iniciadas no dia 17 de janeiro de 1955.


Mas, como Jean Douliez veio parar no Brasil?
 
Considerando o resultado das pesquisas de Marcia Bittencourt (2008) pode-se afirmar que, na década de 1920, Jean Douliez já era um destacado instrumentista na Europa. De 1924 a 1926, o violinista concretizou duas grandes turnês. A primeira delas, pelas principais cidades alemãs. Já a segunda foi pela América do Sul, quando visitou, na sequência: o Brasil, o Uruguai e a Argentina.
 
Data desta época, 1926, o início de sua amizade com o compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos. É provável que os dois músicos tenham mantido algum tipo de contato nos anos seguintes. Em relação a isso, sem oferecer maiores detalhes, Marcia Bittencourt menciona pelo menos mais um encontro entre Douliez e Villa-Lobos, desta vez em solo francês, nos anos 1940. 
 
Na coluna intitulada Jean Douliez (1903-1987): Alguns dados biográficos (postada em 05/04/2021) ficaram registradas mais algumas informações acerca da formação musical e intelectual na Bélgica, bem como aquelas relativas aos anos iniciais da carreira profissional do músico belga, seja como violinista, seja como regente. Incluem-se, nessa fase, a realização de outras turnês em países da Europa, em cidades indianas e vietnamitas, além de outras tantas em diversos países africanos.
 
Reitera-se que uma convivência mais próxima entre Jean Douliez e Villa-Lobos ocorreu somente a partir de meados dos anos 1940, quando o músico belga participou de três missões artísticas no Brasil, todas patrocinadas pelo governo belga. As duas primeiras, realizadas em 1946 (ou 1946 e 1947), tiveram como destino a cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal; enquanto a última, em 1949, foi empreendida em cidades do Estado de Minas Gerais.
 
De acordo com Marcia Bittencourt, encerrados os seus compromissos concernentes à terceira Missão Artística belga em solo brasileiro, em 1949, Jean Douliez tomou a decisão de se distanciar das atividades diplomáticas e fixar residência em Belo Horizonte. Assim, já morando na capital mineira, recomeçou a sua vida profissional.
 
Conforme atesta Bittencourt (2008, p. 14), nesse período, dentre outros feitos, Jean Douliez fundou, em agosto de 1949, a Escola de Formação Musical, a Orquestra Sinfônica e o Coro Orfeônico, todos corpos artísticos estáveis vinculados ao Departamento de Instrução da Polícia Militar de Minas Gerais.


Maestro Jean Douliez e alunos da Escola de Formação Musical da PM de MG
(1949 ou década de 1950)
Fonte: Tese As influências do Maestro Sebastião Vianna no cenário
musical erudito de Belo Horizonte
 (2013).

 

Foi neste órgão público que o maestro belga conheceu e fez amizade com o Dr. Juscelino Kubitschek (1902-1976), então Capitão-Médico daquela Corporação. Ou seja, antes que JK se tornasse Governador daquele Estado, em 1951, e Presidente da República, em 1954.
 
Para saber mais sobre as vindas de Jean Douliez ao Brasil e também a respeito das atividades culturais realizadas pelo músico no tempo em que esteve residindo em Belo Horizonte, clique aqui: Jean Douliez e as missões culturais belgas no Brasil (1946 e 1949), texto postado em 06/04/2021.
 
 
Morar e trabalhar em Goiânia? 
(Os conselhos dos amigos Juscelino Kubitschek [JK] e Heitor Villa Lobos)
 
Relata Marcia Bittencourt que, no início de 1954, Jean François Douliez encontrou-se com o amigo de longa data, Juscelino Kubitschek - então governador de Minas Gerais (1951-55) -, em seu escritório, para comunicar-lhe que estava propenso a trocar seu vínculo empregatício com a polícia Militar do Estado de Minas Gerais pelo desafio de conceber uma primeira Escola de Música na jovem cidade de Goiânia.
 
Como justificativa ao amigo JK, o Maestro Jean Douliez tornou público o convite procedente da direção da Escola Goiana de Belas Artes, no sentido de liderar o processo de abertura do Instituto de Música daquela Entidade sediada na capital do Estado de Goiás, distante 230 quilômetros da futura capital do país, Brasília. 
 
A título de “conselho”, o governador Juscelino Kubitschek sugeriu a Douliez que, antes de tomar sua decisão,
 
 
Analisasse bem os prós e os contras de uma mudança tão radical,
uma vez que os contras eram maiores do que os prós.

(Bittencourt, 2008, p. 18).

 
Então, em outubro de 1954, Jean Douliez viajou à Goiânia com o objetivo de melhor examinar a situação. Segue historiando Márcia Bittencourt que, após três semanas, “decidiu que aceitaria a incumbência de fundar o Instituto de Música da Escola Goiana de Belas Artes; retornou a Belo Horizonte para comunicar sua decisão à Escola Militar e Orquestra Municipal”. (Bittencourt, 2008, p. 18). 
 
No entanto, antes de se estabelecer definitivamente em Goiânia, viajou também para o Rio de Janeiro, onde, entre outros compromissos, teve um encontro de despedida com o amigo Villa-Lobos. Naquela oportunidade, o compositor brasileiro lhe disse: 
 
Meu bom amigo Douliez:
O que vai fazer no distante oeste brasileiro, no meio dos índios?
É melhor você me dar seus dois violinos que te dou dois revólveres no lugar.

(Douliez, 1978, apud Bittencourt, 2008, p. 18). 

 
Essa curiosa narrativa - atribuída ao maestro Jean Douliez - também é explorada nas publicações do autor Braz Wilson Pompeu de Pina Filho (1988, p. 71)
 
Como aludido, Jean Douliez passou a morar em Goiânia no final do ano de 1954. Em pouco tempo, fez todo o planejamento objetivando iniciar as atividades do almejado Instituto de Música da EGBA no ano letivo de 1955.

 
Janeiro de 1955: Estava criado o Instituto de Música da EGBA

A instalação do Instituto de Música da EGBA foi oficializada em 15 de janeiro de 1955 (Borges, 1999, p. 102; Pina, 2002, p. 54). No entanto, no mês anterior, uma nota contendo a relação completa dos cursos de música oferecidos pelo novo Departamento da EGBA, acompanhada de informações básicas direcionadas à comunidade goianiense foi preparada e divulgada por Jean Douliez na edição do dia 28 de dezembro de 1954, do conhecido Jornal goiano: O Popular
 
Até o momento, não foi possível para este pesquisador ter acesso ao supramencionado documento. Contudo, a transcrição1 dessa matéria (ver nota no final do artigo) encontra-se grafada em obras de, pelo menos dois autores goianos: Braz Wilson Pompeu de Pina Filho (2002, p. 54; 1988, pp. 59-60) e Maria Helena Jayme Borges (1999, p. 101).
 

Os primeiros pianos do Instituto de Música
 
A pesquisadora Maria Helena Jayme Borges (1999, p. 103) afirma que o primeiro piano da EGBA foi um castigado móvel pertencente ao Museu Estadual de Goiás (atual Museu Zoroastro Artiaga, Praça Cívica). Ao recebê-lo na forma de doação feita pelo Professor Zoroastro Artiaga, a administração do Instituto de Música providenciou a recuperação e afinação daquele instrumento musical. Embora não mencione a data, a autora alude que, a posteriori, “um segundo piano foi comprado, à prestação, de Walter Campos”.
 
Se por um lado os episódios acima demonstram a precariedade do Departamento de Música da Escola Goiana de Belas Artes, por outro, sua existência contribuiu imensamente para a divulgação da EGBA e, consequentemente, para o desenvolvimento da música e das artes plásticas em Goiás.

 
A necessidade de mais professores no Instituto de Música
 
Nas palavras da professora Maria Helena (pp. 102-103), o ensino musical promovido pela EGBA suscitou bastante interesse na comunidade goianiense. Para a autora, expondo o depoimento do professor Luiz Curado - à época, Diretor Geral da EGBA -  cerca de 75% dos alunos daquela Instituição, em 1955, eram da área de Música.
 
Apesar disso, segundo a professora Maria Helena, nos seus primeiros meses de existência, aquele Departamento de Música contou apenas com o Maestro Jean Douliez como professor, o qual ministrava aulas de instrumentos de cordas, teoria e piano.
 
Por conseguinte, em conformidade com as alegações de Orlando Ferreira de Castro (2008), citado por Marcia Bittencourt (2008, p. 35), após o Instituto de Música ter sido organizado por Jean Douliez (em fins de 1954) e estar em pleno funcionamento (a partir de janeiro de 1955), a direção da EGBA tomou a decisão de arregimentar mais professores de música para a Instituição.

 
Março de 1955: Dona Belkiss Spenzieri é integrada ao corpo docente da EGBA
 
Aconteceu que, ainda no início de 1955, a direção da EGBA tomou conhecimento de que a pianista Belkiss Spenzieri (1928-2005) havia se movimentado durante o governo de Jerônimo Coimbra Bueno (1910-1996), ocorrido entre março de 1947 e junho de 1950, no sentido de criar uma escola de música em Goiânia. Tratava-se da tentativa de realização de um antigo sonho de sua avó e primeira professora de piano, a Senhora Maria Angélica da Costa Brandão (1880-1945), conhecida como Nhanhá do Couto.
 
Foi então que Luiz Curado - cofundador e Diretor daquela Instituição -, certamente em comum acordo com Jean Douliez - Diretor do Instituto de Música -, decidiu convidar a então jovem musicista goiana para integrar o quadro de professores da Escola Goiana de Belas Artes. Nas palavras de Marcia Bittencout (2008, p. 35), Luiz Curado “convidou-a em março de 1955”.

 

Nhanhá do Couto e Belkiss Spenzieri
Fonte: @BelkissSpenzieriCarneiroDeMendonca - Artista


 
Em seguida, por indicação de Belkiss Spenzieri, foram invitadas pessoalmente por Luiz Curado para também integrarem o corpo docente do Instituto de Música, mais quatro pianistas, todas alunas ou ex-alunas de Belkiss: Maria Lucy Veiga Teixeira, Maria Luíza Póvoa da Cruz e Dalva Maria Pires Machado Bragança (Bittencourt, 2008, pp. 35-36; Borges, 1999, p. 102). 
 
No livro A Música em Goiás, a professora Belkiss S. C. de Mendonça (1981, pp. 363-364) arrola o nome das disciplinas ministradas na EGBA por cada uma das quatro professoras mencionadas anteriormente:
 
Belkiss S. C. de Mendonça: Piano, Harmonia e Morfologia;
Dona Fifia (Maria Lucy Veiga Teixeira): Piano e Canto Coral;
Dona Tânia (Maria Luiza Póvoa da Cruz): Piano e Iniciação Musical;
Dalva Maria Pires Machado Bragança: Piano e História da Música.

 
É provável que os leitores que conhecem ou conheceram os personagens que deram origem à primeira escola de música da Capital do Estado de Goiás tenham notado a falta do nome de mais uma importante professora pioneira do ensino musical em Goiânia. Conquanto não faça menção à data de contratação, Belkiss Mendonça (1981, p. 364) diz que, pouco tempo depois, mais uma de suas ex-alunas integraria aquela equipe: Maria das Dores Ferreira de Aquino (Dona Dorinha).
 
Observa-se, pois, que em razão das novas contratações, o Diretor-Fundador do Instituto de Música, Maestro Jean Douliez, direcionou o ensino de piano do Instituto de Música (o mais concorrido), bem como algumas matérias teóricas às jovens professoras goianas. 
 
Nessa trilha, em uma entrevista datada de 2008, constante da Dissertação de Mestrado de Marcia Bittencourt, a professora Maria Lucy Veiga Teixeira (Dona Fifia) recorda que: 
 
Já havia um trabalho sendo feito há muito tempo no piano
[aulas particulares], mas, a música de conjunto foi, significativamente,
ampliada e inovada pela intervenção do Maestro
[fundador da primeira escola de música em Goiânia], que era polivalente:
multi-instrumentista, professor, maestro, compositor, que, com suas ações,
abrangeu várias áreas da música ajudando, inegavelmente,
a ampliar o horizonte musical da capital de Goiás.

(Teixeira, 2008 apud Bittencourt, 2008, p. 53; grifo nosso).

 
Marcia Bittencourt ressalta que a percepção da professora Maria Lucy é compartilhada por todos aqueles entrevistados que contribuíram para o processo de concepção de sua Dissertação de Mestrado, “inclusive as professoras aposentadas da Escola de Música da UFG e participantes da Orquestra Feminina [assunto para uma futura coluna]. Nesta senda, a investigadora cita os seguintes nomes: “Mirza Perotto, Wanda Fleury Amorim, Helena Craveiro Carvalho de Resende, Heloísa Helena de Velasco” (Bittencourt, 2008, p. 53).
 
Finalizando, comenta-se que Jean Douliez não era afeito às questões administrativas e burocráticas do Instituto de Música (Borges, 1999, p. 102). Ora, o Maestro sempre demonstrou um enorme entusiasmo pelo ofício do ensino musical propriamente dito. Ademais, à época o músico belga procurava ampliar2 as atividades culturais artísticas em Goiânia. Desta forma, sem demora, as tarefas relacionadas à gestão do Instituto de Música da EGBA foram direcionadas à pianista Belkiss Spenzieri. 
 
Ou seja, em algum momento, talvez próximo à emancipação do Instituto de Música e consequente troca de nome para Conservatório Goiano de Música, em 1956, “uma alteração da diretoria foi realizada, fincando na presidência de honra o Maestro Jean François Douliez e como Diretora D. Belkiss”. (Pina, 2002, p. 57).
 
Mas, essa é uma outra história!
 
 
 


Fonte: Site da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG



 
NOTAS:

1) Matéria do Jornal O Popular de 28 de dezembro de 1954:
 
Sob a direção do maestro Jean Douliez, prof. do ensino superior oficial da Bélgica, estão abertas as inscrições para os cursos: a) Solfejo; b) Teoria; c) Violino; d) Viola; e) Violoncelo; f) Contra-baixo [sic]; g) Piano e outros instrumentos. Esses cursos terão duas classes: Principiantes e Adiantados. h) História da Música - curso para todos; i) Harmonia - curso só para os iniciados em teoria e solfejo; j) Coro misto; k) Música de Câmara - forma de trios - quartetos - quintetos (com piano). Orquestra de Câmara (Bach - época barroca até Mozart, inclusive); l) Música Sinfônica - preparação para formação de Orquestra Sinfônica; m) Iniciação Musical - Conferências musicadas para alunos e público. Os cursos serão ministrados na Escola Goiana de Belas Artes.
 
O Instituto de Música realizará seus cursos em: Aulas diárias - no período da tarde; Conjuntos instrumentais - à noite. A abertura oficial será no dia 15 e os cursos terão início no dia 17 de janeiro de 1955. As inscrições devem ser feitas na Secretaria da Escola Goiana de Belas Artes - Museu do Estado - Praça Cívica. Os candidatos devem preencher um pequeno questionário para verificação de nível de instrução. Qualquer informação [adicional] será prestada pela Secretaria da Escola Goiana de Belas Artes, diariamente, nos períodos: de 8 às 11 horas e de 14 às 16 horas.
 
2) Jean Douliez apresentava-se frequentemente em Goiânia como solista (violinista, pianista e violoncelista), quase sempre acompanhado pela pianista Heloísa Barra Jardim. Além disso, nos anos seguintes, entre outras iniciativas, fundou o chamado Quarteto de Cordas de Goiás (também denominado Quarteto do Conservatório Goiano de Música), foi cofundador da Sociedade de Concertos Sinfônicos de Goiás, criou (com apoio de Dona Belkiss) a Orquestra Sinfônica Feminina (1959), constituiu a Orquestra de Câmara “Alvorada” e presidiu a juventude Musical Brasileira (10ª Região, Setor de Goiás).
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bittencourt, Marcia Teresinha Brunatto. (2008). A presença de Jean François Douliez na música em GoiásDissertação (Mestrado). [Orientadora: Glacy Antunes de Oliveira]. Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia.

Borela, Marcela Aguiar. (2010). Experiência moderna nas Artes Plásticas em Goiás: fronteira, identidade, história (1942-1962). Dissertação (Mestrado). Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás, Goiânia.

Borges, Maria Helena Jayme. (1999). A música e o piano na sociedade goiana (1805-1972). Goiânia: Funape.

Costa, Waldir; Ferreira, Lena Castello Branco. (1955, Jan.). Instituto de Música. Revista Renovação (Órgão da Fundação Pio XII), Ano III, N. 1, Capa e p. 30.

Goya, Edna de Jesus. (2010). O Ensino Superior de Artes Plásticas em Goiás: a Escola Goiana de Belas Artes - EGBA. In Maria Virginia Gordilho Martins; Maria Hermínia Oliveira Hernández (Orgs.). Entre Territórios - Anais do 19º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP). Cachoeira, Bahia: ANPAP, EDUFBA. ISSN: 2175-8212.

Mendonça, Belkiss S. Carneiro de. (1981). A Música em Goiás. 2. ed. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás.

Pina, Braz Wilson Pompeu de Pina, Filho. (1987/88, Jan./Dez.). Jean Douliez: 1953 a 1963, uma nova era musical. Revista Goiana de Artes, Vol. 8/9, nº 1, pp. 59-81. Goiânia: Instituto de Artes (atual EMAC) da UFG.

Pina, Braz Wilson Pompeu de Pina, Filho. (2002). Memória musical de Goiânia. Goiânia: Kelps.
 

Leia também:

J. François Douliez: Compositor Belga na Cidade Modernista
Capítulo 2.3 do Livro Projeções Críticas da Modernidade (pp. 130-129)
Autoras: Dr. Professora Ana Guiomar Rêgo Souza (EMAC/UFG) e Amanda Kelly Dias Pereira





"Belganland Marche" (M Jean Douliez)
From the SS Belganland Red Star Line C 1925



Provided to YouTube by The Orchard Enterprises
Red Star Line Belgenland March · The Royal Symphonic Band of the Belgian Guides ·
Jean Douliez · Yves Segers
Belgian Marches Vol. 5
 

Comentários

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  • 10.09.2021 23:56 Luiz Fernando Macêdo de Carvalho

    Primeiramente, parabéns pela pesquisa e pelo zelo com os fatos. Infelizmente, nem todos que se propuseram a escrever sobre a história, em especial a História da Música em Goiás, tiveram o mesmo zelo. É um prazer conhecer mais sobre a rica contribuição de Jean Douliez não só como um personagem de grande importância no contexto histórico da Música no Estado, mas também de fundamental importância para a criação da nossa querida Escola de Música e Artes Cênicas da UFG. Fico extremamente grato a essa figura, assim como dona Belkiss, pois acredito que se hoje, nosso estado é referência nacional no ensino musical, isso de deve ao empenho desses pioneiros. E creio que esse legado à posteridade era um desejo de ambos, mesmo antes de terem as condições favoráveis. Só me pergunto ainda: O que teria feito Jean Douliez escolher a capital goianiense para desenvolver esse projeto? Houve algum fato em sua vida pessoal, não abordado, que o influenciou? Independente disso, espero de coração, ver esse trabalho publicado em breve, em forma de livro. E já adianto que será um prazer adquirí-lo.

  • 10.09.2021 22:33 Ana Paula Ferreira

    Muito interessante como a história é um elemento importante para se entender os movimentos e espaços contemporâneos. Saber de todo o contexto de criação do espaço que hoje conhecemos como a EMAC e de personagens como o Jean Douliez, tão relevante para o desenvolvimento de uma cena musical/ educacional em Goiás me faz perceber como a existência de documentos que mantêm viva essas memórias são importantes. Sem a presença destes, alguns elementos da história vão ficando apagados e aos poucos se perdendo. Nesse sentido, os textos assim como os trabalhos citados me fizeram refletir como uma escolha tomada por Jean Douliez de se mudar para Goiás e trabalhar assiduamente no movimento de musicalização da comunidade de alunos da EGBA, determinou fortemente o cenário da educação musical e da expansão da música orquestral em Goiânia. Talvez sem integração de Jean Douliez a EGBA e posteriormente a contribuição de Belkiss Spenzieri e as demais professoras ao Instituto de Música, o cenário musical goiano não fosse o mesmo que é atualmente, visto que na atualidade as instituições musicais goianas conquistam grande relevância dentro do contexto musical brasileiro.

  • 09.09.2021 21:40 Guilherme Braga de Carvalho

    É animante saber que houve de toda a rica formação de Jean Douliez e sua incerção no cenário musical brasileiro e goiano. É dito no texto que a amizade entre Douliez e Villa-Lobos teve influência na adoção do Brasil por parte do maestro belga e que essa amizade se intensificou durante as missões artisticas promovidas por Douliez. Sobre essas missões pode-se observar que Douliez quis conhecer as regiões interioranas do Brasil para poder tirar suas próprias conclusões a respeito daquele lugar e não ter como base pessoas que compartilhavam ideias equivocadas sobre essas regiões, como por exemplo a opinião que Kubitschek proferiu à Douliez ao saber de sua intenção de trabalhar em Goiânia. Por onde quer que ele tenha passado suas produções agregaram muito o meio musical como foi exposto no texto tanto durante o período que manteve residência em Belo Horizonte, lugar na qual fundou a Escola de Formação Musical, a Orquestra Sinfônica e Coro Sinfônico, que eram vinculados ao Departamento de Instrução da Polícia Militar de Minas Gerais. E também nas suas produções lecionando na Escola Goiana de Belas Artes.

  • 02.09.2021 21:41 Nícolas Porto

    Interessante perceber como os acontecimentos narrados no texto desmembram no que hoje é a EMAC/UFG. Apesar de o antigo Instituto de Música da EGBA ter sido idealizado antes da chegada de Jean Douliez em Goiás, sua presença foi a catalisadora de toda melhoria e evolução do instituto no segmento musical. Era preciso à pessoa encarregada dessa missão um senso humanitário e visionário enormes, fatores que, sem dúvidas, atestam a personalidade e importância do músico belga no cenário da música de Goiás. Soma-se a essa exposição o fato de o texto fazer link com importantes figuras da época e que desenvolveram trabalho de igual importância à sociedade e cultura locais, ajudando o leitor a situar-se no cenário.

  • 02.09.2021 21:07 Amanda Ribeiro de Sousa

    Os textos referentes a Jean Douliez me faz pensar que sua vontade de agregar sua música e conhecimento era de um tamanho tão grande, que quando veio ao Brasil sentiu que era o lugar certo, pois, fez sua história em Belo Horizonte (MG) e aqui em Goiânia (GO). Nesse sentido, é importante perceber que mesmo com a possibilidade de não ter salário resolveu atender o convite do amigo. Talvez sentiu que sua história já estava concluída em Minas Gerais, mas mesmo assim séria arriscado lagar tudo o conquistou para iniciar novamente. Sua confiança em anos de estudos e trabalhos, guiaram ele para essa capital que não sabia muito sobre música de câmara, entre outros grupos e aspectos da música clássica. Penso que quando deixou de lado a diplomacia, depois da terceira missão, ele já estava cansado de exercer esse papel. Imagino que ele estava com desejo de criar conexões musicais aqui no Brasil, creio que desde o início sua ideia era morar em uma cidade onde poderia criar algo para posterioridade, pensando nisso, é importante ressaltar sua participação na hoje conhecida Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC), conhecido antigamente como Instituto de Música. Belkiss tinha o desejo de criar uma escola de música e Jean Douliez tinha o desejo de lecionar, graças a Luiz Curado os dois puderam realizar o que desejavam.

  • 02.09.2021 16:59 Thainara Stéphane Silva Carvalho

    Alguns fatos despertaram a minha atenção durante as leituras dos artigos, primeiro foi o empenho que Jean Douliez despendeu com a música em Goiânia mesmo se tratando de uma cidade nova e com estrutura musical menor do que os locais com os quais ele teve experiências anteriores. Qual poderia ter sido o grande ponto de interesse para que dentre os quase 20 anos de permanência no Brasil 10 deles fossem investidos na capital goianiense? Sendo que ele teve passagem por grandes cidades da época como Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Uma das possíveis suposições quanto ao interesse pelo povo brasileiro pode se dar ao fator de hospitalidade encontrado que se diferenciou bastante do recebido por ele nos EUA. Em um dos artigos é comentado sobre a admiração pelo espírito carioca: festivo, alegre e etc. Mas qual teria sido o ponto primordial de interesse para com a cidade de Goiânia? A possibilidade de implantação de novas ideias não oferecidas? A perspectiva de seu nome se tornar uma grande influência na cidade e posteriormente em todo o país? Ou algum aspecto meramente cultural não presenciado antes? O trabalho realizado pelo maestro Jean Douliez é indiscutível, pois proporcionou uma grande imagem cultural para a cidade goiana juntamente com diversos nomes que buscavam tal desenvolvimento artístico. Mas é interessante questionar se foi devido um puro interesse por uma nova oportunidade que o levou a tal investimento ou se algum ponto desconhecido da história pessoal.

Sobre o Colunista

Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara

Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

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