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Sobre o Colunista
Pedro Novaes
Diretor de Cinema e Cientista Ambiental. Sócio da Sertão Filmes. Doutorando em Ciências Ambientais pela UFG. / pedro@sertaofilmes.com
Participa esta semana do 24o Fica, o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, o documentarista e escritor João Moreira Salles, que dispensa apresentações. Santiago e No Intenso Agora, dois de seus filmes mais importantes, são parte do que o cinema brasileiro já produziu de melhor. Como se não bastasse, João é fundador da revista piauí, um bunker de independência e vida inteligente na mídia brasileira, e também do Instituto Serrapilheira, dedicado ao fomento de uma cultura científica no Brasil e constituído a partir de recursos por ele doados.
João é autor do recém-lançado e incontornável Arrabalde: Em Busca da Amazônia, livro em que reflete sobre a relação do Brasil com essa região que é uma de nossas maiores riquezas.
Não é uma leitura alentadora, apesar do esforço do autor para abrir perspectivas e apontar caminhos que tragam alguma esperança.
Dada a clareza que se tem hoje da importância da região para o futuro da humanidade, aponta ele, "a Amazônia oferece a possibilidade de o Brasil ser o que jamais foi: um país à altura de uma tarefa global". Não obstante, seguimos ocupando o bioma de forma irresponsável em um processo que é um enorme fracasso do conhecimento.
Como país, nunca tivemos vontade para de fato compreender a Amazônia. Vimos ocupando a região, há mais de cinco séculos, sem sermos capazes de enxergá-la - em sua rica biodiversidade e no que ela oferece como repositório de experiências humanas únicas. Seguimos avançando sobre o bioma a despeito do que ele tem de próprio, e não em benefício de seus habitantes ou com base em seus potenciais.
A Amazônia não faz parte de nosso imaginário coletivo, constata João, exceto como vazio a ser ocupado, dominado e submetido. Essa visão se traduz em uma atitude de uso dos recursos naturais que se explica mais como "mineração de nutrientes" - expressão cunhada pelo economista Robert Schneider - do que como atividade agropecuária. A floresta é desmatada, seu pobre solo, explorado até a exaustão, para depois, converter-se em pastos para uma pecuária de baixíssima produtividade.
A despeito das narrativas defendidas pelo agronegócio e pelos políticos da região a ele associados, isso não resulta em nada que se possa, nem remotamente, chamar de "desenvolvimento". Como mostra João Moreira Salles, "os municípios mais desmatados da Amazônia apresentam um PIB inferior à média da região. (...) O PIB médio nesses municípios (23 milhões de dólares) é 60% inferior à média da Amazônia".
Segue ele: "Os dados são eloquentes: nesses 40 anos de desmatamento contínuo, o Brasil cresceu e deixou os municípios do bioma para trás. Ali, as pessoas se tornaram mais pobres do que as que vivem em outras partes do país. A floresta foi derrubada, e a população e o país não ganharam nada com isso".
E arremata: "Ao contrário da imagem que o agronegócio projeta de si, a pecuária brasileira é medíocre (...). A Costa Rica produz 25 vezes mais proteína animal por hectare do que a Amazônia. O Brasil é menos produtivo do que a Argentina e o Uruguai, seus concorrentes diretos. Com os Estados Unidos, a comparação é constrangedora. Embora o atual rebanho norteamericano seja menor que o da década de 1950, o país produz muito mais carne hoje do que naquela época".
Como dito, é uma forma de ocupação e uso que se dá com base em um profundo desconhecimento do bioma. O Brasil optou por não entender a Amazônia, pois o conhecimento carrega em si uma inescapável dimensão ética, aponta o autor. Quando entendemos algo, é inevitável estabelecer-se algum tipo de responsabilidade.
Somente a não-responsabilidade explica que, de cada 10 hectares desmatados na Amazônia, seis tenham virado pastagens de baixa produtividade, três tenham sido abandonados e apenas um tenha se tornado terra efetivamente produtiva, mostra o livro.
É essa ausência de responsabilidade, ancorada na opção pelo desconhecimento, que permite a manutenção de um sistema estruturado, de forma profunda, para permitir a rapina do bioma e que poucas pessoas se beneficiem de suas riquezas à custa de muitos. Não por acaso, inexiste, por exemplo, uma unidade da Embrapa dedicada a compreender a Amazônia e a desenvolver formas para ali se produzir.
Junto com a escolha por não conhecer, está também a opção pela ausência do Estado. É ela que permite que se feche o círculo da não-responsabilização. Como bem coloca João Moreira Salles: "a riqueza, quando existe, é privada, e a devastação, pública".
Nesse sentido, o que impressiona, na verdade, é que, durante um certo hiato, o Estado tenha conseguido se impor na região. Entre 2004 e 2012, com o Plano de Combate ao Desmatamento, levado a cabo por Marina Silva nos dois primeiros governos Lula, a taxa de desflorestamento na Amazônia foi reduzida em 85%. Isso resultou, lembra João Moreira Salles, na maior contribuição já dada, por um único país, à mitigação das emissões globais de carbono.
Não à toa, durante o governo Bolsonaro, atingimos novamente picos de desmatamento no bioma, com o esbulho e o crime uma vez mais encontrando caminho aberto para a apropriação dos recursos da região.
Precisamos conhecer a Amazônia. Essa talvez seja a derradeira oportunidade de inventarmos um país de que possamos nos orgulhar - se estivermos à altura do desafio que o tempo nos colocou.
João Moreira Salles fará uma conversa com o público do Fica sobre Arrabalde: Em Busca da Amazônia, no dia 17, próximo sábado. Começa às 10h30, no Teatro São Joaquim, na cidade de Goiás. Im.