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Pedro Novaes
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Diretor de Cinema e Cientista Ambiental. Sócio da Sertão Filmes. Doutorando em Ciências Ambientais pela UFG. / pedro@sertaofilmes.com

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A volta da pauta atômica?

| 01.08.23 - 07:41 A volta da pauta atômica? (Foto: Divulgação Universal Pictures)

É alentador que Oppenheimer, o longa-metragem de Christopher Nolan, venha sendo aclamado pelo público. Do ponto de vista do cinema, o filme é um feito narrativo, e ainda recoloca em pauta uma das maiores questões de nosso tempo, isto é, o risco de um armagedom nuclear.
 
Independentemente, entretanto, das fundamentais questões morais que levanta, Oppenheimer é uma obra-prima de roteiro pela maneira como consegue entrelaçar com engenhosidade os dramas pessoais do protagonista à política e à história - quase sempre de maneiras pouco óbvias. 
 
Mesmo para suas três horas de duração, surpreende a capacidade de condensar, sem cair em simplismos, uma história complexa, repleta de personagens e ainda entremeada por ideias e conceitos abstratos de física teórica. Também chama a atenção a capacidade de manter clareza narrativa, a despeito de tantas idas e vindas no tempo, intercalando vários momentos históricos.
 
É ainda notável a maneira pela qual o roteiro constrói um Oppenheimer ambíguo, ao mesmo tempo perturbado, visionário, ambicioso e sempre imerso em dilemas morais - dilemas estes que não o impediram evidentemente de construir a bomba atômica, mas que o levaram posteriormente a usar sua influência para tentar impedir a corrida armamentista e que qualquer bomba nuclear voltasse a ser usada.

Como nada é perfeito, o filme resvala, em sua parte final, num desnecessário melodrama. Nela, a derrocada de Oppenheimer, que acabou perseguido, depois da Segunda Guerra, por seu vínculo às ideias comunistas e ao partido, é retratada como resultado de uma vingança pessoal de Lewis Strauss, ex-presidente da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, encarnado por Robert Downey Jr. 
 
Strauss se ressentia da oposição de Oppenheimer a propostas e ideias suas e se moveu politicamente para que o físico perdesse sua credibilidade. Ainda que essa motivação pessoal seja verdadeira, a forma como o filme a retrata, transformando Strauss em vilão, arrisca colocar em segundo plano aquilo que é justamente o maior feito da narrativa. Oppenheimer evidencia a lógica cruel e trágica do poder, em que mesmo os mais poderosos transformam-se em peões num tabuleiro que os devora. A máquina política e da guerra devorou e cuspiu Robert Oppenheimer.
 
Essa "moral da história" é verbalizada no filme por ninguém menos que Albert Einstein, representado por Tom Conti. Ele diz, com todas as letras, ao protagonista, que a política faria com ele exatamente o que já fizera consigo: usá-lo, descartá-lo e depois entregar-lhe prêmios de consolação na forma de medalhas e diplomas de honra ao mérito.
 
É interessante apontar, nesse sentido, que apenas no ano passado, quase 70 anos depois, o governo americano reconheceu como falho o processo de 1954 que resultou na humilhação pública de Robert Oppenheimer.
 
Desnecessário comentar as soberbas atuações dos quatro atores principais: Cillian Murphy, Emily Blunt, Matt Damon e Robert Downey Jr. - valendo mencionar, de quebra, a participação do sempre fantástico Kenneth Branagh no papel do físico Niels Bohr.
 
Mais importante de tudo, impressiona que o filme consiga tratar desses laços fundamentais entre política, guerra e armas de destruição em massa sem ser raso, sem cair em moralismos e simplificações e (quase) sem melodramatismos. Oppenheimer consegue o feito de refletir sobre a grande questão moral desde 1945 de uma forma ao mesmo tempo sutil e acessível ao grande público.
 
É curioso como, ao longo desses quase 80 anos, e sobretudo após o fim da Guerra Fria, a questão nuclear saiu da pauta. Para confirmar isso, basta lembrar que, na Pesquisa sobre Percepção de Riscos Globais, levada a cabo anualmente pelo Fórum de Davos, as armas de destruição em massa aparecem listadas entre os riscos menos alarmantes na visão dos entrevistados.
 
Mesmo que a geopolítica pós-Torres Gêmeas tenha, de certa forma, intensificado esse risco, gestores econômicos e o cidadão médio não o trazem em sua órbita cotidiana de preocupações, como faziam aqueles que viveram de perto as décadas entre 1960 e 1990. 
 
Nem a escalada ditatorial na Rússia e a ameaça trazida pela absurda invasão da Ucrânia reavivaram o medo do arsenal atômico herdado da União Soviética. Ele surge apenas eventualmente na boca de comentaristas políticos e permanece a maior parte do tempo longe das pautas importantes.
 
Mas, quem sabe, as evidências incontestáveis das mudanças climáticas e sua ameaça de um lento armagedom não estejam trazendo de volta, por caminhos tortos, também o desejo de falar sobre esse outro risco igualmente presente e importante? 
 
Ainda que 6% do público de Oppenheimer, segundo as notícias, seja composto por pessoas que não conseguiram ingressos para ver Barbie, é significativo que as salas estejam tão cheias. Mérito da maestria narrativa de Nolan, mas igualmente talvez um sinal do espírito do tempo.

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