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Sobre o Colunista
José Abrão
José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br
(Foto: divulgação)
André Bazin define o faroeste como cinema americano por excelência. O gênero teve seu auge entre as décadas de 1930 e 1960 e desde então muito se falou e se escreveu sobre sua “decadência”, apesar dos fatos contrariarem esse argumento: vira e mexe um novo filme é lançado dando seu próprio toque, prestando sua homenagem ou subvertendo estereótipos e tropos bem estabelecidos. O curta-metragem Estranha Forma de Vida, de Pedro Almodóvar, faz as três coisas.
O nome do filme vem do fado de Amália Rodrigues, que é cantado em sua abertura por Caetano Veloso, e a trama envolve um conflito e uma paixão mal resolvida entre dois caubóis: Silva (Pedro Pascal) e Jake (Ethan Hawke). Há referências diretas a clássicos do estilo, principalmente Meu Ódio Será Tua Herança e Rastros de Ódio, e as filmagens ocorreram nos antigos sets da Trilogia dos Dólares, de Sergio Leone.
A subversão, naturalmente, acontece quando Almodóvar decide pegar um gênero muitas vezes marcado pela violência e pelo machismo e, ao mesmo tempo em que não abre mão disso, insere o conflito irreconciliável da paixão proibida entre dois homens. Hawke e Pascal, que foram as primeiras escolhas do diretor, são excelentes em seus respectivos papéis, ainda mais tendo tão pouco tempo para expor devidamente as tempestades internas de seus personagens.
Talvez o maior defeito do filme seja a escolha pelo curta-metragem. Na versão exibida no Cine Cultura, em Goiânia, há uma extensa entrevista com Almodóvar em que o diretor relata ter optado pelo formato para ter mais liberdade e como forma de testar e experimentar dirigir em inglês (algo que também fez em outro curta lançado durante a pandemia, A Voz Humana, com Tilda Swinton, disponível no streaming).
Na mesma entrevista, porém, ele relata tudo o que aconteceria, até a cena final, caso o filme fosse um longa. O desejo por uma versão de 90 minutos é automático para ver o que mais o diretor espanhol, dotado de uma sensibilidade especial pelo melodrama, poderia fazer com um material tão rico para além dos confins de 30 minutos.
Bazin até está certo ao identificar o faroeste como o cerne cinematográfico dos EUA e ponto central da construção da mitologia e do imaginário nacional daquele país, mas o gênero segue retornando porque o espaço liminal da fronteira é atraente para todos e particularmente para olhares estrangeiros: a única certeza é que Estranha Forma de Vida jamais seria feito por Hollywood. Fica a esperança de que o experimento de Almodóvar encoraje outros cineastas a fazerem seus próprios experimentos.
É difícil, inclusive, não pensar no Brasil, que tantas vezes trabalhou temas parecidos e próximos, especialmente na literatura, como nas obras de Guimarães Rosa, Bernardo Élis e Erico Verissimo, e até recentemente no cinema com Bacurau, sendo, infelizmente, reduzidos e taxados a “regionalismos”. É evidente que o faroeste ainda tem muito a oferecer a qualquer artista que queira explorá-lo.