Principal monstro de ‘Baldur’s Gate 3’ passou batido para muita gente

| 08.11.23 - 11:35 Principal monstro de ‘Baldur’s Gate 3’ passou batido para muita gente

(Foto: divulgação)Não há muito mais o que dizer de Baldur’s Gate 3 a essa altura dos acontecimentos: o RPG do estúdio Larian não é apenas o melhor video game de 2023, mas está tão acima dos demais (em um ano recheado de bons jogos) que, aproveitando a temática de fantasia, mais parece Gandalf no aniversário do Bilbo. Muito já foi dito sobre sua história e personagens excelentes e da jogabilidade extremamente flexível, mas não vi nenhum texto abordando o grande vilão silencioso do jogo: o fascismo.

Eu sei. Parece que tudo hoje é fascismo. Mas quando a pior ideia na história da humanidade volta dos mortos numa escala global, é difícil não tocar no assunto. E Baldur’s Gate toca de forma tão bem-feita e sutil que infelizmente chegou a passar batido para a grande maioria dos jogadores e até mesmo da crítica especializada.

Durante a maior parte do jogo, a trama gira ao redor de uma conspiração genérica para o gênero: deuses mortos sombrios, dominação global, a coisa de sempre. Até que conhecemos Lorde Gortash, um dos principais antagonistas do jogo e que acaba de conseguir, através de suas maquinações, se tornar o líder supremo de Baldur’s Gate, a gigantesca cidade-estado que dá nome ao game. Há ainda muita magia e fantasia, claro, mas o próprio Gortash e seu plano insidioso possuem raízes muito próximas da nossa realidade terrena.

O vilão também claramente está passando por uma fase gótica

O vilão parece seguir a cartilha definida por Umberto Eco no seminal O Fascismo Eterno. Gortash é carismático, popular e querido pelo povo e consegue isso se alimentando principalmente do medo fomentado por ele mesmo contra uma ameaça externa iminente (ameaça que, por sua vez, ele mesmo criou). A crise criada pelo próprio lorde gera desconfiança e causa um enorme fluxo de refugiados. O vilão, então, imediatamente passa a disseminar o ódio contra os estrangeiros, reforçando sempre os valores de ordem, superioridade e moralidade dos baldurianos frente aos que estão de fora: quem está dentro é excepcional, quem é de fora é estranho e perigoso.

A fórmula dá tão certo que quando o jogador finalmente chega à cidade já encontra o tirano nos braços do povo, usando a crise como justificativa para o cerceamento cada vez maior de liberdades e direitos em prol de uma "segurança" misteriosa. Acaba que a fantasia, a magia e demais elementos fantásticos dessa parte da história são apenas subterfúgio para a construção muito bem-feita de como os tiranos são feitos e como o fascismo age de forma predatória sobre nossos medos e inseguranças coletivas. E os planos a longo prazo do vilão também começam a ficar claros: a crise justifica formar um enorme exército para “se defender legitimamente de ameaças”, e assim que Baldur’s Gate estiver “segura” é a hora de levar segurança, ordem e civilidade para as cidades vizinhas e daí, quem sabe, para o mundo.

É uma pena que uma sacada tão sagaz tenha se perdido para os jogadores, o que não é exatamente de se estranhar em um título que tem facilmente mais de 100 horas de duração e centenas de tramas pequenas e grandes. Mas caso você ainda não tenha jogado ou tenha interesse em jogar, fique atento a estes sinais e perceba se a história de Gortash não te lembra a de pelo menos meia dúzia de políticos "salvadores da pátria" que pipocaram por aí.