Carolina Pessoni
Goiânia - Um parque situado na região central de Goiânia, em meio a prédios residenciais e na frente de uma das avenidas mais movimentadas da capital, abriga tesouros arquitetônicos que contam a história da cidade. O Lago das Rosas, fundado em 1941 com o nome de Balneário Lago das Rosas, tem em seu complexo duas edificações simbólicas para a cidade: a mureta e o Castelinho.
As duas construções estão voltadas para a Avenida Anhanguera, mas de frente para o lago que já foi um clube popular, onde as pessoas podiam tomar banho. As estruturas foram construídas como valorização do local e para uso da população.
Lago das Rosas já foi um clube popular (Foto: IBGE)
Com cerca de 150 metros de extensão, a mureta começou a ser construída em 1940, tendo sua obra finalizada em 1942, conforme explica a arquiteta e urbanista Renata Barros. "Em conjunto com o trampolim, este último construído posteriormente, a mureta contribui para a composição do cenário do Córrego Capim Puba, concebido para ser um ponto de referência na travessia entre Goiânia e o núcleo original de Campinas."
A arquiteta destaca que a mureta do Lago das Rosas ostenta características inerentes ao estilo art déco, que foi a expressão oficial da arquitetura goianiense nos primeiros anos da fundação da capital. "Em seus pilares, a mureta esculpe a representação de uma flor (flor do xixá), situando os pontos cardeais e colaterais em seu centro, simbolizando a rosa dos ventos. Além disso, exibe padrões escalonados em degraus e pequenas colunas que enquadram volumes cilíndricos e esbeltos", explica.
Originalmente, as rosas esculpidas na mureta tinham a pintura feita em pó de pedra verde, a mesma técnica aplicada na pintura do Palácio das Esmeraldas. A técnica, minuciosa e requintada, é uma representação fiel do rebuscamento do art déco.
Detalhe da flor da mureta, os pontos cardeais e colaterais em seu centro (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
A mureta é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), assim como o trampolim, que já foi utilizado inclusive em competições no local. O tombamento do conjunto urbano de Goiânia foi feito em 2003 e inclui 22 edifícios e monumentos públicos, a maioria situada na região central da cidade.
Renata Barros explica que todos os elementos desse conjunto art déco foram concebidos com a clara intenção de se destacar da morfologia urbana, o que é evidenciado pelo cuidado para que se tornassem visíveis e servissem como pontos de referência urbanos. "Portanto, essa condição deve ser preservada nos elementos de mobiliário urbano, que foram incorporados como componentes de embelezamento da cidade, como é o caso da mureta e do trampolim do Lago das Rosas, que também possuem tombamento em nível estadual e municipal."
A superintendência do Iphan em Goiás afirma que são feitas fiscalizações periódicas no local para que a preservação seja mantida. Entretanto, quem tem a responsabilidade pelo bem é a prefeitura de Goiânia, que tem por obrigação fazer a manutenção e a conservação dos patrimônios.
Trampolim também é patrimônio tombado no Lago das Rosas (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
De acordo com a coordenação técnica do órgão, em 2009 foi feita uma obra de restauração que recuperou tanto o trampolim quanto a mureta. "A mureta tem um revestimento de pedra específico, e o material, procurado em várias jazidas, foi encontrado apenas em uma pedreira na cidade de Sanclerlândia", explica a coordenação técnica.
O Iphan em Goiás informa, ainda, que tem acompanhado e fiscalizado o patrimônio do Lago das Rosas, mas ressalta que há um grande problema: o tráfego intenso de veículos, inclusive de ônibus, na Avenida Anhanguera, justamente na lateral onde se encontra a mureta. "Há uma parada de ônibus em frente ao portal de entrada, que faz parte da mureta, e o tráfego e a frenagem desses veículos causa muita vibração. Com isso, têm aparecido trincas na edificação. Foi feita a notificação para a prefeitura, que está ciente do problema", afirma.
De acordo com o Iphan, portal tem sofrido rachaduras devido ao tráfego de veículos que ocorre na sua lateral (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
Tanto a mureta quanto o trampolim fazem parte do Acervo Arquitetônico Art Déco e Urbanístico de Goiânia, sendo tombados como conjunto pela União. Já o tombamento estadual abrange todo o parque, incluindo assim imóvel conhecido como Castelinho, situado em seu interior.
A arquiteta Renata Barros destaca, além da importância urbanística e arquitetônica do Lago das Rosas, a sua relevância histórica. "Por ter sido um dos principais pontos da cidade, idealizados ainda na sua concepção, como um local de encontro. Ele foi idealizado apra ser um local de lazer e é nesse contexto que é inserido o Castelinho", explica.
Castelinho
Conforme ressalta Renata, o Castelinho, apesar de não possuir elementos arquitetônicos significativos, faz parte do complexo histórico-cultural do parque e, durante o final dos anos 1950, tornou-se um ponto de encontro para estudantes e intelectuais. Foi a sede da União Goiana de Estudantes Secundaristas (Uges), de 1959 a 1964, quando a ditadura militar ocasionou o fim da entidade.
Castelinho já foi espaço de convivência ocupado por estudantes (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
"O local simboliza uma época de luta, sendo alvo de desocupação durante a ditadura militar, quando serviu como sede para entidades estudantis como a Uges e a Umes (União Municipal dos Estudantes Secundaristas), abrigando um restaurante para estudantes e até mesmo dormitórios para aqueles vindos do interior do estado", lembra a arquiteta e urbanista.
No início dos anos 2000, um bar chegou a funcionar no local, que novamente estava sob a responsabilidade da Uges. Sem condições de realizar manutenções e o serviço de vigilância, a entidade abandonou o local.
A prefeitura conseguiu voltar a ser responsável pela construção e em 2010 uma reforma do espaço chegou a ser feita pela Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma). Entretanto, o local foi novamente abandonado e atualmente é ocupado por pessoas em situação de rua.
Segundo a Secult, construção deve passar por reparos e manutenção em 2024 (Foto: Rodrigo Obeid/A Redação)
Responsável pela gestão dos parques de Goiânia, a Amma informou que a Associação dos Moradores e Frequentadores do Lago Das Rosas pediu a concessão do Castelinho para o município com o objetivo de beneficiar a comunidade. Porém, após longo período de inatividade, o local foi devolvido a Amma.
"Diante disso, a Amma iniciou a restauração do monumento e nos próximos dias destinará o Castelinho para a Secretaria Municipal de Cultura (Secult) que dará a destinação final para uso do Castelinho", informa o órgão em nota.
Já a Secult, também por meio de nota, afirmou que faz vistorias e detecta a necessidade de reparos e manutenções em prédios, monumentos e estruturas consideradas como patrimônio e que os pareceres técnicos são enviados para os órgãos responsáveis para devidas providências. "No caso do Castelinho e da mureta do Lago das Rosas, a solicitação já foi feita e está no cronograma de ação da Secretaria Municipal de Infraestrutura, previsto para 2024."