A coluna INQUIETUDES nasceu a partir de uma vontade pessoal de escrever sobre temas da atualidade, que me causam inquietação, mas acredito provocarem o mesmo sentimento em outras pessoas. Escrevo na primeira pessoa do singular, com um viés jornalístico, mas também com o foco na primeira pessoa do plural.
Um dia, ouvindo o Podcast da Semana, produzido pela Revista Gama - aliás sou fã desse formato de comunicação e ouvinte assídua de podcasts - descobri que o que venho fazendo na coluna INQUIETUDES tem um nome: “escrita de si”.
Esta prática foi tema de estudo do filósofo francês, Michel Foucault, mas remonta a um exercício praticado por gregos e romanos, na antiguidade. A escrita da própria memória, em busca de elementos para a elaboração de traumas e como lidar com eles.
"Vivemos em sociedade e quando alguém escreve sobre o que viveu, escreve também sobre seu grupo social, racial e seu gênero. A escrita na primeira pessoa é universal, porque mergulha em temas que as pessoas vivenciam, em diferentes lugares do mundo", disse a jornalista, escritora e pesquisadora Bianca Santana à jornalista Isabelle Moreira Lima, no Podcast da Semana.
Ler quem pratica a “escrita de si” traz a possibilidade de compreender melhor o outro e a si próprio. Ao nos depararmos com as sombras e contradições do outro, mergulhamos no que não é fácil de lidar em nós mesmos. Muito diferente do ideal de perfeição propagado pelas redes sociais.
A “escrita de si” está em diferentes manifestações. Em gêneros literários, como a autobiografia, a crônica, a poesia; em um artigo de jornal, um diário, uma carta, um e-mail e até em uma mensagem de whatsapp.
Me chamou particularmente a atenção, um aspecto da “escrita de si” sobre as relações de poder, estudado por Foucault. Segundo ele, este tipo de escrita é uma forma de resistência à maneira como os poderes sociais, políticos e de narrativas tentam normatizar os indivíduos, através de instituições como a escola, a medicina ou a prisão.
Numa sociedade, onde somos constantemente “vigiados”, a "escrita de si" é um modo da pessoa apropriar-se de si mesma, contra formas de controle impostas pelas estruturas de poder, que tentam definir quem somos. Através da “escrita de si”, os indivíduos agem sobre si mesmos para transformar seus pensamentos e modos de vida.
A "escrita de si" é uma ferramenta que não interessa a quem está no poder. Vide a perseguição às universidades pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e o projeto da extrema direita brasileira de enquadrar as escolas públicas no modelo militar.