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José Abrão
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José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br

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'O Eternauta' leva herói coletivo argentino para o mundo

| 07.05.25 - 09:38 'O Eternauta' leva herói coletivo argentino para o mundo Ricardo Darín em 'O Eternauta' (Foto: divulgação)Estreou na Netflix a adaptação de O Eternauta, série argentina estrelada por Ricardo Darín e baseada nos quadrinhos seminais de Héctor Germán Oesterheld, ilustrados por Solano López, publicados originalmente entre 1957 e 1959. Desde que foi anunciada, a série gerou preocupação nos fãs: poderia a Netflix fazer uma versão moderna e atual de uma obra tão importante para as HQs latino-americanas?
 
Ao meu ver, sim: a adaptação altera de maneira significativa o material original, mas de forma muito proveitosa para conquistar a audiência que nunca ouviu falar em Oesterheld e envolvê-la em seu mistério. Outra preocupação eram as características de hard sci-fi, que poderiam afugentar os leigos. Felizmente, a construção da série convida o público gentilmente para dentro dela e preservou seus elementos mais intensos para a já confirmada segunda temporada.
 
O que você precisa saber: a trama se passa em Buenos Aires, nos dias de hoje, quando Juan Salvo (Darín) e um grupo de amigos são surpreendidos durante uma noite de truco por uma nevasca tóxica: basta ser tocado pela neve que cai para cair morto. Junto a isso, todos os aparelhos digitais deixam de funcionar e as luzes se apagam. Para piorar, Juan deixou sua esposa em casa e sua filha estava dormindo na casa de uma amiga. Caberá a ele e ao grupo encontrarem um modo de sobreviver e desvendarem esse mistério.
 
Tecnicamente, a série é um primor e não deve nada às séries americanas, mesmo tendo um modesto orçamento de US$ 15 milhões. A imersão portenha é aumentada por uma trilha sonora licenciada, nostálgica, composta por bandas de rock populares de lá, como Manal, Soda Stereo e Él Mató a un Policía Motorizado. Mas, sem dúvida, o roteiro e a cenografia são os pontos mais fortes.
 
O clima de isolamento e a agonia são reforçados na Buenos Aires sob a neve assassina. A trama avança a passos lentos, comedidos, deliberadamente avançando a história, revelando pontos importantes, agregando personagens, sem parar, mas sempre contida, aos poucos. O ritmo deliberado deve ser apreciado em oposição à pegada frenética a que estamos acostumados nas séries made in USA, que não dão tempo para respirar: nem a gente, nem os personagens, muitas vezes rasos.



Gostaria também de mencionar outro twist em relação às séries americanas: nossos protagonistas aqui não são jovens fortões e bonitões, inexplicavelmente atraentes em meio ao fim do mundo, mas meia dúzia de coroas com seus cinquenta e tantos, sessenta e tantos anos. Os únicos jovens no elenco principal são uma refugiada venezuelana fora do padrão estético convencional e um nerd adolescente magrelo de origem chinesa.
 
Todos esses elementos já seriam o suficiente para recomendar esta adaptação, mas há ainda a forma como ela honra a memória de Oesterheld. O autor sempre teve um posicionamento político forte em suas obras, opondo-se ao colonialismo, ao imperialismo e fazendo críticas ao autoritarismo, em especial na América Latina. Seu engajamento lhe custou tudo: foi perseguido, caiu na clandestinidade e foi “desaparecido” pela ditadura militar argentina em 1977. Seu corpo nunca foi encontrado.
 
Dessa carga política, em O Eternauta, está mais fortemente presente o conceito do “herói coletivo”, também chamado de “herói social”. “O único herói válido é um herói de grupo, nunca um herói individual”, chegou a escrever Oesterheld nos anos 1960. Recado entendido pelos generais, inclusive: a obra foi proibida em escolas e chegou a ser destruída. Agora, renasce nas telas para o mundo todo: no apocalipse de O Eternauta, e isso fica muito claro na progressão dos episódios, a única saída não vem de um herói destemido, mas da união das pessoas e do trabalho coletivo frente a uma ameaça conjunta, acima de suas diferenças individuais.
 
Uma mensagem poderosa nos anos 1950, poderosa nos anos 1960, nos anos 1970 e, ainda, muito poderosa em 2025, quando a mesma ameaça, muito conhecida e bem delineada, assombra novamente não apenas a Argentina e a América Latina, mas o mundo todo.

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