Quando já deveria prevalecer a ideia da necessidade urgente de redução da emissão de gases que levam ao aquecimento global - e os combustíveis fósseis são responsáveis por 75% dessas emissões - o Brasil abre novas frentes de produção de petróleo.
Apesar das muitas ações judiciais para tentar impedir a realização do leilão de 172 blocos para exploração de petróleo e alertas para que áreas de extrema sensibilidade ambiental ficassem de fora do leilão, o governo federal foi adiante. No dia 17 de junho, concedeu 34 blocos para exploração, 19 deles na foz do rio Amazonas, e comemorou o resultado, diante dos 989 milhões de reais obtidos com o negócio.
Os recursos chegam no momento em que o governo federal está com dificuldade para equilibrar as contas públicas e enfrenta uma queda de braço com o Congresso Nacional para aprovar novas fontes de arrecadação.
Não foi levado em conta, por exemplo, o fato da foz do rio Amazonas ser uma das regiões mais sensíveis do planeta, onde vivem ecossistemas únicos, como o Grande Sistema de Recifes da Amazônia e mais de 80% dos manguezais do país, que garantem a pesca e o sustento de milhares de famílias, na região.
Ao contrário, o governo fez de tudo para atrair as petroleiras. Para entender melhor, voltemos a um outro leilão, realizado em 2013, quando empresas petrolíferas arremataram nove áreas, também na foz do rio Amazonas. No entanto, em 12 anos, nenhuma delas conseguiu a licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, para fazer a perfuração. Só que isso está para mudar. No dia 19 de maio, a menos de um mês do leilão, a direção do Ibama aprovou a penúltima etapa para a concessão da licença ambiental para a Petrobras perfurar o bloco 59, contrariando pareceres técnicos de 29 servidores do órgão e sob forte pressão do governo federal e Congresso Nacional. A decisão funcionou como um sinal favorável para as empresas petroliferas, interessadas na exploração dos demais blocos na foz do Amazonas, participarem no leilão.
A fala do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, - " …estamos trabalhando para que o crescimento econômico seja acompanhado de inclusão social, compromisso ambiental e geração de empregos..." - destoa da realidade.
Os alertas dos cientistas sobre os riscos sociombientais foram ignorados pelas autoridades e petroleiras e as associações que representam os indígenas, quilombolas e pescadores denunciaram a falta de diálogo com o governo.
Historicamente, os royalties pagos pelas petroleiras aos governos estaduais não são revertidos em ações de preservação e recuperação ambiental e muito menos para a população impactada com a exploração de petróleo, que tem que conviver com os danos irreparáveis dos vazamentos de óleo.
Em 2000, o rompimento de um duto da Petrobrás levou ao vazamento de 1,3 milhão de litros de petróleo, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Em 2015, outro derramamento, em um terminal da Transpetro, subsidiária da Petrobrás, despejou 25 mil litros de óleo, nas bacias da Ilha Grande e de Sepetiba, também no Rio de Janeiro.
Estes episódios não são raros. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis, a ANP, houve 1091 acidentes com a exploração de petróleo no Brasil, em 2024, que, segundo levantamento da Agência Brasil, resultaram no vazamento de 52 mil litros de óleo, 8 mil litros de fluidos sintéticos de perfuração, 23 mil litros de aditivos desses fluidos e 21 mil litros de fluidos de perfuração à base de água, como informou o site sumauma.com, em 16 de junho.
Os blocos leiloados vão de norte a sul do país e colocam em risco ainda a Reserva Biológica do Atol das Rocas, no litoral do Rio Grande do Norte; a cadeia de montes submarinos, em Fernando de Noronha; duas terras indígenas, no Mato Grosso; e uma região de grande produtividade biológica e complexidade oceanográfica, no Rio Grande do Sul.
Importante lembrar que o Brasil e outra centena de países assinaram o Acordo de Paris, em 2015, onde se comprometeram a reduzir as emissões de gases de efeito estufa, os GEE, até 2030. O Brasil assumiu a diminuição de 43% e depois adotou metas mais ambiciosas que poderão chegar até 67% de restrição das emissões, até 2035, em relação aos níveis de 2005.
Nós temos ainda uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com uma grande participação de fontes renováveis, como as hidrelétricas, além da eólica e solar.
Apesar dos avanços, o país tem um desafio enorme pela frente na redução da dependência dos combustíveis fósseis e não é abrindo novas frentes de exploração que chegaremos lá, muito menos colocando em risco áreas ambientalmente sensíveis.