À quem serve a espetacularização de uma operação policial, que resultou em 121 mortos, destes 4 foram policiais, e se tornou a operação mais letal da polícia, na história do estado do Rio de Janeiro? Dessa vez, foi no Rio, mas esta operação diz muito sobre o crime organizado e como se movem os políticos, em todo o país.
De um lado, 2500 policiais envolvidos, tanques e helicópteros das polícias e do outro criminosos do Comando Vermelho armados com fuzis e drones, que disparavam granadas. Enquanto isso, os moradores dos Complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio, assistiam às cenas de guerra completamente aterrorizados.
Quando terminou a operação policial, não só o Rio de Janeiro, mas o Brasil e o mundo entram em choque com as imagens da centena de corpos fuzilados, mutilados e empilhados em praça pública e as mães chorando pelas mortes dos filhos e maridos.
O governador do Rio, Cláudio Castro (PL-RJ), se apressou em dizer que a operação foi um sucesso. Mas é preciso contextualizar o momento de expansão do Comando Vermelho e a situação política desfavorável de Cláudio Castro para entender de fato o que se passou.
Estudos mostram que o domínio de territórios do Comando Vermelho aumentou nos últimos anos sensivelmente, não só no estado do Rio, mas também nos estados do norte e nordeste do país. Ações anteriores da polícia chegaram a desbaratar uma fábrica de armas de impressão 3D da facção criminosa. O arsenal do grupo armado com drones, fuzis, metralhadoras e submetralhadoras impressiona, mas seus negócios vão muito além de drogas e armas e seus tentáculos já se espalharam pelos setores do transporte público, imobiliárias e postos de combustíveis. Existe uma cadeia produtiva, com muitos mercados envolvidos.
Por outro lado, o governador Cláudio Castro vive um momento de baixíssima popularidade, não pode se candidatar à reeleição, porque já está no segundo mandato e com pouquíssimas chances de fazer seu sucessor, nas eleições do ano que vem, e manter seu poder político.
Após a operação policial da última terça-feira, o governador ganhou milhares de novos seguidores, em suas redes sociais, e pesquisas mostraram que 70% da população do estado apoia a operação. Sem dúvida, a ação foi um sucesso eleitoral para o governador claudicante.
Mas o que esta operação policial significou para os 290 mil moradores dos Complexos do Alemão e Penha? A polícia entrou num dia e saiu no outro e o governo estadual não organizou um plano para reocupar o local com delegacias, por exemplo, para garantir o mínimo de segurança e tranquilidade para aquela população, que vive sobre o domínio de grupos armados, é extorquida pelos criminosos, diariamente, e contabilizou mais um trauma, o pior de todos, na guerra contra o crime.
Rei morto, rei posto
As facções criminosas se reorganizam, rapidamente, e substituem seus “soldados” caídos por outros, num piscar de olhos. Até onde se sabe, nenhum chefe da facção foi preso, na operação. O grande objetivo que era prender o Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca ou Urso, tido como o grande responsável pela expansão do Comando Vermelho, não se realizou. Doca continua foragido, apesar dos 26 mandados de prisão em aberto contra ele.
E aqui vai o ponto que considero o mais importante ao analisar esta operação policial: quais os nomes, identidades e crimes cometidos pelos homens assassinados na operação? O governador ainda não divulgou. Como saber se os 94 mandados de prisão foram cumpridos? Os 81 presos estão entre os que eram buscados? Como avaliar se a operação foi um sucesso, como alardeou Cláudio Castro?
Uma pesquisa da Universidade Federal Fluminense analisou os resultados desse tipo de operação policial, durante quinze anos (1987-2002). Foram 18 mil operações invasivas, 600 terminaram em chacinas e com um nível de eficácia menor que 2%, tendo em vista o crescimento das facções.
Metodologia fracassada e banho de sangue
Como bem lembrou Ricardo Balestreri, coordenador do Núcleo de Urbanismo Social e de Segurança Pública do Insper Cidades, ex-secretário nacional de segurança e ex-secretário de segurança do estado de Goiás, em entrevista ao podcast O Assunto: “como é possível continuar insistindo nessa metodologia fracassada e depois se gabar que foi um sucesso?”.
Segundo Balestreri, “existe um gosto no Brasil pelo espetacular. É preciso produzir imagem, som e fúria para conquistar a credibilidade pública, de uma população que está legitimamente farta da insegurança pública, que pede medidas rápidas para solução, que não tem conhecimento técnico e interpreta operações desse tipo, como atitudes para resolver o problema da segurança pública. Falta memória para saber que isso foi feito muitas vezes no passado e não resolveu nada”.
Balestreri defende que criminoso deve ser julgado e preso, não pode andar armado, dominar território e exercer poder sobre a vida de cidadãos, mas salienta que o combate ao crime organizado precisa ser estratégico e inteligente ou se traduz em pirotecnia para agradar a platéia.
Após a tragédia humana de dias atrás, surgiram várias ações emergenciais de todos os espectros políticos, na tentativa de dar uma resposta à população. Como a proposta do Consórcio da Paz dos governadores e candidatos à presidência, que foram ao Rio apoiar o governador Castro e levar a idéia de mobilizar e reunir suas tropas, em operações futuras desse tipo. Mas não basta alguns estados se juntarem em situações específicas, porque o crime organizado está nas 27 unidades federativas e exige uma coordenação nacional, que vai além das operações policiais, como preconizam estudiosos e especialistas na área.
O Ministério da Justiça propôs a criação do Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado no Rio, que tem as mesmas finalidades do Comitê de Inteligência Financeira e Recuperação de Ativos, criado em novembro de 2023, também a partir de uma proposta deste ministério, com foco no combate à lavagem de dinheiro por grupos criminosos.
O juiz do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, também irá ao Rio, na segunda-feira, para realizar audiências e averiguar se a operação policial violou o Acordo de Procedimentos firmado entre o governo do Rio e o STF, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que ficou conhecida como a DPF das favelas, criada em 2019, quando o governo do Rio se comprometeu a reduzir a letalidade policial e criar um plano de retomada de territórios. Moraes foi acusado de querer assumir o protagonismo no episódio, mas o artigo 21 do regimento interno do Supremo esclarece que relatores desse tipo de ação podem realizar audiências para esclarecimento.
Caminhos para se avançar
Antes da operação policial midiática no Rio, o governo federal já havia enviado ao Congresso Nacional, em abril, a Proposta de Emenda Constitucional, conhecida como PEC da Segurança Pública, para planejar e coordenar as ações, em nível nacional, integrar as polícias e unificar as informações de inteligência das polícias federal, estaduais e guardas municipais, Ministério Público Federal e dos estados e Receita Federal, que não estão conectadas. E aqui, vale destacar, que as facções criminosas, como o Comando Vermelho e o PCC, estão nacionalizadas, internacionalizadas e transnacionalizadas e com sistemas de comunicação efetivos com as facções de outros países.
Mas o papel de coordenação nacional do governo federal não agradou a alguns governadores, que alegaram perda de autonomia no combate ao crime, em seus estados, e a PEC ainda não avançou no Congresso. Quem sabe agora!
Tem ainda o Projeto de Lei Anti-Facções, também do governo federal, que desburocratiza e agiliza medidas de combate aos grupos armados, como as apreensões de bens e investigações sobre o fluxo de dinheiro, esta última considerada fundamental para o enfraquecimento dessas organizações. O PL ainda não foi enviado ao Congresso.
Não posso deixar de mencionar a importância do controle das armas. É de conhecimento das autoridades, que o tráfico de armamentos utiliza as fronteiras do Brasil com o Paraguai e a Venezuela para a entrada de armas, no país. É muito difícil um controle absoluto dos 17 mil quilômetros de fronteiras do Brasil, mas o governo federal precisa exercer o controle, nos pontos sabidamente frágeis.
Traficantes também enviam peças pelos correios e via marítima para que as armas sejam montadas por criminosos, no Brasil. Armas são desviadas dos Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores, os CACS, e do Exército e vão parar nas mãos dos integrantes das facções, como mostram as apreensões de armas numeradas já realizadas pelas polícias. O controle de armas precisa estar entre as prioridades.
A corrupção policial precisa ser combatida. Se o crime organizado corrompe até juízes e deputados, que dirá os agentes de segurança. Como explicar o vazamento de informações da operação policial do Rio, que permitiu a fuga do líder do Comando Vermelho, Doca, principal alvo da ação? Também houve vazamento, na mega-operação da Polícia Federal, chamada Carbono Oculto - que resultou em um golpe duríssimo, no coração financeiro do PCC, sem nenhuma morte e apontada como um exemplo de operação inteligente por estudiosos de segurança pública - em agosto, em São Paulo. Não existe crime organizado sem a participação dos agentes do estado.
Já foram mapeadas 88 facções criminosas, no Brasil. Nenhum estado escapa. O PCC e o Comando Vermelho estão presentes nos 26 estados e no Distrito Federal. Uma pesquisa do Data Folha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que esses grupos armados controlam territórios, que abrigam mais de 28 milhões de pessoas, cerca de 13% da população do país vivendo sob o domínio do medo, onde o estado não está presente.
Não existe solução mágica. Até o Japão, um dos países mais desenvolvidos do mundo, possui uma máfia milenar. Acabar com o crime organizado é uma missão quase impossível, mas não é possível permitir que domine um país. Existem mecanismos de controle, exemplos bem sucedidos, que precisam ser implantados e apresentar resultados efetivos, não com fins eleitoreiros, mas que garantam a segurança da população, porque, até o momento, estamos perdendo a guerra contra o crime organizado.