Carolina Pessoni
Goiânia - Com o isolamento social imposto pela pandemia da covid-19, muita gente tem se arriscado e passado mais tempo na cozinha. Seja como iniciante, com receitas mais simples, até os pratos mais elaborados, o local passou a ser o cômodo preferido, ou, ao menos, o mais frequentado das casas brasileiras nesta quarentena.
Uma amostra disso é o aumento de pesquisas por receitas em sites de busca. De acordo com a plataforma Google Trends, a pesquisa por "receita de pão caseiro fácil" cresceu mais de 250% após a segunda quinzena de março. Em seguida vêm as pesquisas por "canjica receita" e "receita chocolate quente", que cresceram 180% e 170%, respectivamente, no mesmo período.
O chef Pedro Ernesto (ao lado) acredita que a cozinha pode ser uma espécie de terapia. "Eu sou suspeito para falar, porque quando a gente trabalha com o que gosta, nem consideramos trabalho mais. Com certeza é uma terapia, um momento que sai da nossa rotina", diz.
É o que também defende o nutricionista esportivo Vitor Lula. "É uma terapia para aliviar o estresse, melhorar habilidades sociais. Cozinhar melhora a capacidade de planejamento e organização, aliviando o tédio e aumentando a autoestima. É, literalmente, uma arte, entrelaçada com técnicas e conhecimentos", destaca.
O chef afirma que tem visto familiares e amigos se arriscando mais na preparação de pratos e que passou a postar receitas para seu público nas redes sociais. "No meu Instagram eu tenho postado algumas dicas, e as pessoas estão replicando, postam as fotos, me marcam e eu faço questão de interagir. É bem gostoso de acompanhar", diz Pedro Ernesto.
Para ele esse movimento é importante porque as pessoas estão participando do processo de cozinhar e conseguem, inclusive, entender o custo das preparações. "Empresários e consumidores estão aprendendo com a quarentena. Fazendo sua própria comida as pessoas vão saber se o valor daquele prato é justo, o que compensa e o que não compensa fazer em casa", diz.
“Fora o cardápio tradicional do dia a dia, o trivial, vejo que as pessoas têm cozinhado as comidas que mais gostam. Agora, em época de festa junina, estou percebendo mais preparações típicas, como canjica e pamonha”, afirma o chef.
Vitor Lula diz que cozinhar é um ato de amor. Para ele, qualquer pessoa tem a capacidade de desenvolver uma receita, independentemente do grau de dificuldade. "A manipulação dos alimentos, as texturas, os cheiros, dentre outros aspectos sensoriais, têm a capacidade de desenvolver aptidões que por muito tempo passam adormecidas, despercebidas por muitos", afirma.
Para o nutricionista Vitor Lula, cozinhar é um ato de amor (Foto: Divulgação)
Chefs da quarentena
O psicólogo e psicanalista Pedro Porto diz que passou a cozinhar mais por necessidade, com o fechamento dos bares e restaurantes devido à pandemia. "Nos vimos confinados em casa. Foi preciso tomar uma decisão: fazer uso dos aplicativos de comida ou cozinhar em casa. Então, optamos pela segunda opção, já que a gente acabava cozinhando apenas no fim de semana", diz.
"A cozinha é o lugar onde posso criar e experimentar", diz o psicólogo Pedro Porto (Foto: arquivo pessoal)
Para ele, cozinhar pode ser uma atividade terapêutica em tempos de distanciamento social. "É um lugar onde posso criar, experimentar, construir sabores, que possibilita me expressar em uma atividade." O psicólogo afirma ainda que, com a necessidade de cozinhar diariamente, passou a ter a preocupação com a alimentação e suas propriedades nutricionais. "Tenho buscado cozinhar coisas diferentes, mas o que eu gosto mais de fazer são pratos que envolvam carne vermelha e, recentemente, tenho feito alguns pães, era um desejo antigo."
Hambúrguer e frutos do mar estão entre os pratos que Pedro Porto arriscou fazer (Foto: arquivo pessoal)
Pedro diz que vê com bons olhos as pessoas redescobrirem esses lugares dentro das próprias casas. Lugares esses que, com o passar os anos, sofreram mudanças arquitetônicas baseadas nas necessidades do cotidiano. "Acho interessante pensarmos que hoje as moradias são cada vez menores e um cômodo que tem perdido espaço é a cozinha, que se tornou um lugar para lanches ou apenas esquentar comida que se compra pronta no supermercado", diz.
A analista financeira Elisangela Santos também aumentou a frequência da preparação de alimentos em casa. "Tenho cozinhado bastante. Por estar trabalhando home office, não estou comendo na rua. Tenho feito almoço e, às vezes, jantar." Ela afirma que, quando tem tempo, a cozinha é terapia. "Entretanto, às vezes no almoço é bem corrido, porque tenho que trabalhar, mas gosto muito de cozinhar."
Em seu ponto de vista, cozinhar em casa traz muitos benefícios. "Sempre tinha aquela história de comer algo no espetinho, no barzinho e restaurantes. Agora não. Ficar mais em casa nos força a fazermos nossa comida, o que é muito bom, pois a comida feita em casa é bem mais saudável, com certeza", diz a analista.
Entretanto, como cozinhar não é para todos, um perfil no Instagram reúne as melhores (ou piores) receitas que não deram certo. O
Chefs da Quarentena traz desde bolo solado, a pudim que não desenformou e pães em formatos inusitados. Confira:
Salvação no delivery
Se para alguns cozinhar é um momento de lazer, para outros pode ser um verdadeiro pesadelo. Para contornar essa situação, sem abrir mão de uma comida bem feita, o delivery pode ser a salvação. Já no início da pandemia, o aplicativo de delivery Rappi havia registrado um aumento de 30% no número de pedidos, principalmente em restaurantes e supermercados.
"Peço delivery praticamente todos os dias e vou variando para não enjoar (risos)." É o que diz a advogada Ludmila Arruda (ao lado), que conta também com uma força extra. "Como minha mãe faz almoço todos os dias na casa dela, manda marmita umas duas vezes na semana pra mim também".
A advogada diz que não tem muita habilidade na cozinha e, por isso, tem cada vez mais aderido ao delivery. "Faço só o básico, arroz, macarrão, bife... Durante o dia nunca me arrisco na cozinha, à noite às vezes, quando estou muito inspirada. A facilidade do delivery e a quantidade de opções me faz arriscar cada vez menos na cozinha", afirma.
Para ela, o delivery é uma facilidade na rotina, já que não gosta de cozinhar. "Facilita muito a vida de quem não tem muita intimidade com a cozinha e de quem não tem tempo também. Cozinhar demanda muita dedicação e pra quem não gosta, como eu, o delivery é a salvação. E tem a vantagem de quase não ter vasilhas para lavar depois", brinca.
A pandemia trouxe muitos medos e incertezas e, para muitas pessoas, a comida tem sido válvula de escape. De acordo com o nutricionista Vitor Lula, as consequências podem ser perigosas. "Poderemos ver o aumento do sobrepeso e obesidade na população. Consumir alimentos menos calóricos, como vegetais, frutas, legumes, carnes magras, é a chave para o sucesso durante a quarentena", destaca.
E mesmo no delivery é possível encontrar opções de alimentação mais saudável e equilibradas. O empresário Rodrigo Obeid é proprietário de uma marca de marmitas saudáveis congeladas e diz que, na pandemia, percebeu o aumento de novos clientes. “São pessoas que antes tinham a opção de restaurantes para se alimentar bem, e talvez por não estarem trabalhando e não ter mais a opção o self-service, acabaram se rendendo a esse tipo de prestação de serviço”, diz.
Rodrigo Obeid é proprietário de uma marca de comida saudável congelada (Foto: Divulgação)
Ele afirma que, no seu público, há os clientes emergenciais, que já tentaram de tudo e entendem que precisam levar um estilo de vida mais saudável. “Cerca de 70% é o público que tem necessidade de baixa de percentual de gordura e não tem acompanhamento médico e nutricional por diversos motivos e se rende por isso. E existe também o público que entende bem o que é essa alimentação, não tem tempo e opta por ter um cardápio balanceado e pela praticidade”, diz.
O empresário afirma que ainda há um mito de que a alimentação saudável é mais cara pelo fato de utilizar ingredientes mais onerosos, como azeites, cortes de carne diferenciados e cereais integrais. “Entretanto, quando a pessoa coloca na ponta do lápis e analisa que paga o mesmo valor de um restaurante, por exemplo, a praticidade e o resultado falam mais alto e ela pode optar pela comida congelada saudável. É só tirar do congelador e esquentar para comer”, conclui.