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Cartilha do MP-GO ensina autoproteção contra a violência sexual infantil

Texto destaca importância de ações preventivas | 18.05.23 - 10:18   Cartilha do MP-GO ensina autoproteção contra a violência sexual infantil (Foto: Agência Brasil)
Ludymila Siqueira

Goiânia - 
Aquele 3 de setembro seria mais um dia normal na vida de uma criança de apenas 11 anos de idade. Ela se arrumava para ir à escola, mas um fato a deixou com medo. O próprio padrasto, de 52 anos, a molestou dentro de casa, local onde deveria estar protegida. Mesmo diante de tantos sentimentos que ela nutriu após o abuso, denunciou o caso a uma professora do colégio em que estuda, no município de Santa Helena de Goiás. 
 
Sem pensar duas vezes, a instituição de ensino acionou o Conselho Tutelar. O homem foi preso. Parece uma história daquelas de filmes de terror, mas, infelizmente, é a realidade de inúmeras crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. O nome da menina em questão não foi divulgado pela polícia, como forma de preservar sua identidade. 
 
Neste 18 de maio, Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, é necessário fazer uma reflexão sobre o cenário atual de casos como o citado acima. Para se ter uma ideia, somente nos quatro primeiros meses deste ano, 17,5 mil violações sexuais contra crianças ou adolescentes foram registradas pelo Disque 100 no Brasil. Os dados são do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e apontam um aumento de quase 70% em relação ao mesmo período de 2022.
 
Nos quatro primeiros meses de 2023, foram registradas no Brasil 69,3 mil denúncias e 397 mil violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, das quais 9,5 mil denúncias e 17,5 mil violações envolvem violências sexuais físicas – abuso, estupro e exploração sexual – e psíquicas. A casa da vítima, do suspeito ou de familiares está entre os piores cenários, com quase 14 mil violações. Ainda nos quatro primeiros meses do ano, foram registradas no país 763 denúncias e 1,4 mil violações sexuais no ambiente da internet. 
 
Em Goiás, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Goiás (DPCA-GO) recebe, em média, 50 ocorrências envolvendo violência infantil mensalmente no Estado. Um dos pontos considerados é o retorno das atividades escolares, onde foi possível notar um aumento no registro de denúncias. Isso porque a rede de ensino tem um papel fundamental para identificar casos de violência infantil. 
 
Pensando no cenário ainda mais crescente dos registros de casos de violência sexual infantil, e em uma forma de atuar em defesa das vítimas, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), por meio do Centro de Apoio Operacional na área de atuação da Infância, Juventude e da Educação (CAO), lançou a cartilha 'Brincar e aprender: como proteger meu corpinho', que tem como foco tratar, de forma lúdica, a autoproteção contra a violência sexual. 


Promotora de Justiça e coordenadora do CAO/MP-GO, Cristiane Marques (Foto: divulgação)
 
Conforme a promotora de Justiça e coordenadora do CAO, Cristiane Marques, o objetivo é trazer ferramentas úteis, como os conceitos de intimidade e privacidade, além da ideia da proteção às partes íntimas e de adultos de confiança. "O material foi desenvolvido para crianças entre 5 e 11 anos de idade. É um jeito de informar as crianças sobre como agir em casos como estes, de forma que elas aprendam brincando conceitos básicos de identidade", descreveu em entrevista exclusiva ao jornal A Redação.
 


(Foto: reprodução/ Cartilha 'Brincar e aprender: como proteger meu corpinho')

Como se fosse um livro, a cartilha é dividida em diversas partes em que cada uma delas há brincadeiras diferentes como: colorir, identificar itens que compõem partes do corpo, entender formas de carinho e também quando algo parecer estranho. "A ideia é que a cartilha seja distribuída nas redes de proteção dentre conselhos tutelares, Centros de Referência da Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), promotorias e ações escolares. Então, as promotorias solicitam o envio da cartilha e as enviamos", ressaltou a promotora. 
 

(Foto: reprodução/ Cartilha 'Brincar e aprender: como proteger meu corpinho')
 
Adulto de confiança
Uma parte de destaque da cartilha trata sobre como a criança pode identificar um adulto em quem ela pode confiar. Com toda leveza e brincadeira, o manual ressalta que nem sempre pessoas que fazem parte do mesmo ciclo que ela podem realmente ser de confiança. Como exemplo, a história da S.R, que era abusada por seu próprio primo, quando precisava ficar na casa da tia, enquanto a mãe trabalhava. Hoje, ela tem 27 anos, preferiu não revelar a identidade, mas afirma que o sentimento de culpa e vergonha são permanentes.
 
 
(Foto: reprodução/ Cartilha 'Brincar e aprender: como proteger meu corpinho')
 
"Lembro como se fosse hoje o dia em que estávamos assistindo TV na sala. Ele começou a me mostrar filmes com cenas obscenas. E falava que eu tinha que deixar ele fazer o mesmo comigo. Na segunda vez, ele tocou algumas partes do meu corpo. Eu não entendia, mas tinha medo de contar para alguém. Até que pedi para minha mãe não me deixar mais na casa de minha tia. Então eu saí da escola e ela me levou para o trabalho", contou a jovem, que na época dos abusos tinha apenas 7 anos de idade. 

De acordo com a delegada Caroline Braga, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente do Estado (DPCA-GO), não existe um perfil definido de abusador, mas, na maioria dos casos, tratam-se de familiares e amigos da família com proximidade com a menina ou menino. "Para prevenir que crianças sejam vítimas de violência sexual, é importante sempre manter o menor sob seu alcance de visão. Manter um diálogo aberto, a fim de possibilitar que ela exponha qualquer situação abusiva. Cartilhas como essa são importantes para que essas meninas e meninos possam entender o que é o abuso sexual e que contar a alguém é sempre a forma mais segura", ressaltou em entrevista ao jornal A Redação.
 

(Foto: reprodução/ Cartilha 'Brincar e aprender: como proteger meu corpinho')
 
Ações preventivas conscientes e seus efeitos
Diante de tantas informações, a forma mais eficaz de enfrentamento às graves violações de direitos das crianças e adolescentes é por meio do prévio conhecimento sobre o assunto. Não é incomum encontrar o tema abuso infantil abordado nas redes de comunicação, o que pode passar a falsa impressão de que esse tipo de violência corresponde a casos pontuais, rapidamente reconhecidos e enfrentados de modo eficiente. A realidade, entretanto, não é bem assim.
 
Para a mestre em Psicologia Clínica, Camila Nogueira, é fundamental trabalhar o tema de forma preventiva, conscientizando os adultos e esclarecendo as crianças e adolescentes para que consigam reconhecer situações “estranhas” que tendem a evoluir para abusos e as próprias violações. "É uma responsabilidade de todos prevenir e combater a violência sexual contra crianças e adolescentes. Um abusador identificado e punido, além de representar justiça para a vítima e sua família, pode salvar a vida de muitas outras crianças que seriam vítimas do mesmo crime", disse.

"Vejo como essencial as ações preventivas como esta do MP-GO, que ensinam a autoproteção como forma de combate a este tipo de violência, principalmente em formato lúdico e acessível como o da cartilha", destacou a profissional, que trabalha no Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão em Adolescência (Cepea), da Universidade Federal de Goiás (UFG). 
 
Nogueira ainda explica que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual tanto na forma física, como também psicológica, podem adotar alguns comportamentos que antes não tinham. Dentre eles, estão:
 
  1. Mudanças bruscas de comportamento: a criança deixa de demonstrar carinho, sendo que antes era carinhoso(a); fica agitado(a), mas antes era calmo(a); age com agressividade constante, quando anteriormente era afável, meigo(a);
  2. Irritabilidade ou agressividade excessiva;
  3. Comportamento arredio, desejando ficar sempre sozinho(a), pelos cantos (por vezes a reação é exatamente contrária, quando a criança tem receio de ficar sozinha, mas antes reagia bem a essa situação – a inversão do hábito de dormir só ou acompanhado é outro exemplo);
  4. Permanece tenso(a), ansioso(a) e assustado(a), como se estivesse sempre em “estado de alerta”; Chora por qualquer motivo e com uma frequência maior do que de costume;
  5. Regride em seu desenvolvimento, apresentando-se muito infantil para a idade (involução de vocabulário ou forma de falar; tipos de brincadeiras e jogos de seu interesse, volta a depender dos responsáveis para se locomover, volta a chupar dedo);
  6. Permanece calado(a) e inexpressivo(a), com o pensamento distante ou tentando passar despercebido(a)/não ser notado(a);
  7. Passa a ter dificuldades de aprendizagem e baixo rendimento escolar; Constantemente está triste, melancólico(a) e foge de contato físico;
  8. Apresenta problemas de saúde sem causa aparente (problemas alérgicos, doenças de pele, dores de cabeça, vômitos ou outras dificuldades digestivas), que, na verdade, possuem causa emocional – doenças psicossomáticas.
Segundo a psicóloga, em lares fragilizados por violência doméstica, por exemplo, a percepção dos 'sinais de alerta' requer ainda mais atenção do responsável. Ela afirmou que o relato sobre o abuso e o pedido de socorro são expressados em linguagem não verbal ou escrita, como desenhos e pinturas com temas sombrios e cores escuras, colocando em destaque regiões íntimas do corpo.

"Qualquer desses sinais apresentados por crianças ou adolescentes
devem 
ser investigados e tratados, pois sempre haverá uma causa,
seja ela decorrente 
de abuso sexual ou de outra violação.
Logo que surgir a primeira suspeita de 
violência sexual,
o caso deve ser comunicado e investigado.

(
Camila Nogueira, psicóloga lotada no Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão em Adolescência)

Além disso, é importante saber como interagir com a vítima após ela narrar ter sofrido abusos e pedir socorro, mesmo que esse socorro não esteja expresso em palavras. Nesse momento, é muito importante que os pais e demais responsáveis mantenham-se firmes e acolhedores, oferecendo amparo à criança ou adolescente.
 
Nogueira pontua que a vítima não tem que ser criticada ou desacreditada, principalmente pela pessoa que ela vê como “confiável” para narrar os fatos, pois isso poderá fazer com que perca sua confiança. A criança ou adolescente deve ser incentivada a falar sobre o abuso quando for necessário, sem o uso de qualquer tipo de coação. "Em nenhum momento, contudo, o infante pode ser obrigado a falar sobre o assunto ou questionado apenas para satisfazer a curiosidade de outras pessoas, porque isso faz com que ele reviva todo o terror do abuso, podendo criar um receio ainda maior em relatar os fatos", esclareceu em entrevista ao jornal A Redação

Denúncias e penalidades
Casos de violência infantil podem ser registrados de forma anônima pelo telefone da Polícia Civil (197), através do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), nos Conselhos Tutelares e ainda no balcão da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Goiás (DPCA-GO), localizada na Rua C-190 no Jardim América, em Goiânia, ou telefone (62) 3286- 1540.
 
“Através da denúncia, conseguimos acompanhar o caso
e promover proteção à criança. Os suspeitos podem 
ser presos em flagrante. Então, sempre que presenciar
ou souber de algum caso de violência infantil, denuncie imediatamente”.
(Delegada Caroline Braga)

 

(Foto: reprodução/ Cartilha 'Brincar e aprender: como proteger meu corpinho')


 
 
 


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