Samuel Straioto
Goiânia - A iniciativa do governo federal para acabar com a obrigatoriedade de frequentar autoescola para emitir a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) acendeu o sinal de alerta no setor de formação de condutores em Goiás.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou o ministro dos Transportes, Renan Filho, a avançar com a proposta, que deve entrar em vigor a partir de novembro deste ano.
A medida, segundo o Ministério dos Transportes, visa democratizar o acesso à CNH no país. Atualmente, 54% da população brasileira não dirige ou dirige sem habilitação, e cerca de 40 milhões de brasileiros em idade legal para conduzir veículos não possuem o documento.
Reação
Francisco Zica, presidente da Associação das Autoescolas de Goiás (Assaego), critica duramente a iniciativa e garante que nenhum deputado da Frente Parlamentar em Defesa da Educação no Trânsito e Formação de Condutores apoia a mudança.
"O que o ministro Renan Filho está fazendo é uma loucura. Como se propõe o fim da faculdade, se é ela que forma os futuros médicos, advogados e engenheiros? Como se acaba com as autoescolas se tem formação pronta e está em vigor no Código de Trânsito Brasileiro?", questiona.
O dirigente rebate o argumento de que o custo atual seria impeditivo para os brasileiros. Ele afirma que em Goiás as taxas não sofrem reajustes há vários anos e que o valor elevado vem principalmente dos impostos.
"São 20 aulas obrigatórias para carro e moto, enquanto o curso teórico pode ser na modalidade online ou presencial com 45 horas. Hoje, para tirar uma habilitação em Goiânia, a média é de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil. O que é alto são os impostos em cima do custo da CNH", explica Zica.
Impacto
Paulo César, ex-presidente do Sindicato dos Instrutores de Trânsito de Goiás, dimensiona o tamanho do setor no Estado: são aproximadamente 630 autoescolas, 1.500 instrutores credenciados entre teóricos e práticos, além de 300 secretárias.
Toda essa estrutura pode ser afetada pela nova legislação. A movimentação econômica gerada pelo setor inclui desde a manutenção de veículos especializados até o pagamento de profissionais qualificados que atuam na formação diária de novos condutores.
Entretanto, Paulo César vê um possível lado positivo na proposta, caso a lei mantenha a obrigatoriedade de instrutores credenciados.
"Muitos instrutores são autônomos e prestam apenas serviço para as autoescolas. Se o projeto mantiver a necessidade de profissionais habilitados, seria bem-vindo para a categoria", pondera.
Opiniões
Roberto Alves, 45 anos, motorista de aplicativo, reconhece o peso financeiro da habilitação, mas demonstra receio quanto à segurança nas ruas. Ele convive diariamente com diferentes perfis de condutores e nota a diferença entre quem teve formação adequada e quem aprendeu de forma precária.
"Por um lado, entendo que o custo é alto mesmo e muita gente deixa de tirar a CNH por causa disso. Mas por outro, fico preocupado com quem vai estar nas ruas sem ter tido uma formação adequada. Eu vejo muito acidente por falta de conhecimento básico."
Já Júlia Rodrigues, 22 anos, estudante, defende a medida como forma de inclusão, desde que haja fiscalização rigorosa. Para ela, o acesso à habilitação representa oportunidades de trabalho e mobilidade que muitos jovens não conseguem alcançar devido aos custos elevados.
"Eu acho positivo porque democratiza o acesso. Tem muita gente que não tem dinheiro para pagar R$ 2.500 numa autoescola. Se a pessoa pode estudar por conta e fazer o teste, por que não? Mas tem que ter uma prova bem rigorosa para compensar."
Segurança
Pesquisadores do Observatório de Políticas para o Trânsito e Segurança do Pedestre manifestam preocupação com os possíveis reflexos da medida na segurança viária.
Segundo especialistas da entidade, a formação estruturada oferecida pelas autoescolas é fundamental para desenvolver habilidades práticas e consciência sobre comportamentos de risco no trânsito.
“A falta de instrutores especializados e de veículos específicos e plotados para o aprendizado prático são apontados como fatores críticos que podem comprometer a preparação dos condutores”, alerta Getúlio Macêdo, pesquisador do Observatório.
O acompanhamento profissional vai além do ensino de manobras básicas: inclui a formação de uma mentalidade preventiva, o desenvolvimento de reflexos adequados em situações de emergência e a compreensão profunda das leis de trânsito.
A ausência desse acompanhamento estruturado pode resultar em motoristas tecnicamente capazes de operar um veículo, mas despreparados para lidar com as complexidades do trânsito urbano. Situações como fechadas bruscas, ultrapassagens perigosas e desrespeito à sinalização tendem a aumentar quando a formação é autodidata.
O Brasil já registra índices elevados de acidentes e mortes no trânsito, e especialistas temem que os números possam aumentar com condutores formados sem o devido acompanhamento técnico.
A preocupação é que a economia no custo da habilitação resulte em prejuízos maiores para a sociedade, tanto em vidas quanto em gastos com saúde pública.
Mudanças
Caso aprovada, a nova norma permitirá que candidatos à CNH estudem por conta própria e se apresentem diretamente para as provas teórica e prática, sem necessidade de comprovar frequência em cursos de autoescolas.
O formato exato de como funcionará a fiscalização e a garantia de preparo adequado dos candidatos ainda não foi detalhado pelo Ministério dos Transportes.
A proposta representa uma mudança significativa no modelo de formação de condutores vigente no país há décadas, e promete gerar debates intensos nos próximos meses até sua eventual implementação.