Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 12º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Sobre o Colunista

Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara

Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

Música Clássica

A pianeira Tia Amélia: uma legítima herdeira de Chiquinha Gonzaga

| 23.08.21 - 07:29
Othaniel Alcântara

A pianista e compositora Amélia Brandão Nery (1897-1983), mais conhecida como Tia Amélia, residiu em Goiânia, a partir do final da década de 1940 ou início da década de 1950. Sua mudança para o Centro-Oeste ocorreu por motivos familiares. Na realidade, a pianeira1 optou por acompanhar sua filha e seu genro que, à época, passaram a representar a VASP2, em Goiás. 
 
Antes disso, por volta de 1930, essa nordestina nascida em Jaboatão (PE), havia conseguido o seu reconhecimento nacional. Assim, destacou-se como compositora e intérprete de valsas seresteiras, choros e outros estilos pertencentes à música popular brasileira.

 
Amélia Brandão em 1932
Fonte: Instituto Piano Brasileiro


Na Coluna passada, procedi o registro de alguns dados biográficos referentes à infância e juventude de Amélia Brandão. Naquela oportunidade, foram abordados alguns assuntos relevantes, tais como: o início de seus estudos regulares de piano no Estado do Pernambuco, aos 6 anos de idade; o aperfeiçoamento de sua técnica pianística em Lisboa; o casamento, aos 17 anos, com José Ignácio Nery; a manifestação de sua pretensão, desde bem jovem, de seguir a carreira artística, bem como o adiamento do mencionado desejo devido ao tolhimento sofrido inicialmente pelo pai e, mais tarde, por parte de seu marido. 
 
Depois, no final dos anos 1950, embora mantivesse residência em Goiânia, retomou a sua carreira artística na região Sudeste do País, agora usufruindo das possibilidades de uma nova tecnologia: a televisão. Trabalhou, por exemplo, na TV Tupi e na TV Rio. Aposentou-se definitivamente dos palcos e estúdios de gravação, na primeira metade dos anos 1980. Faleceu na cidade de Goiânia, no ano de 1983.
 
Leia: Amélia Brandão: uma pianista que venceu o preconceito (postado em 09/08/2021).


No texto anterior, também destaquei que, para elaborar este artigo, além dos livros de autoria dos professores Braz Wilson Pompeu de Pina Filho, Maria Helena Jayme Borges e Robervaldo Linhares Rosa, explorei também alguns recortes de jornal disponibilizados pelo historiador Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, Presidente do ICEBE - Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis para os Povos do Cerrado (Referências no final do texto).


Amélia Brandão (1915) - Recorte de O Popular (c. 1977) - Acervo: ICEBE

 

A seguir, a segunda parte do texto biográfico sobre Tia Amélia:

-------
 
Do erudito ao popular
 
Como aludido no texto anterior, Amélia Brandão foi criada em um ambiente de muito rigor. Sua formação pianística foi alicerçada na escola tradicional do instrumento. Efetivamente, para Robervaldo Linhares Rosa (2014, p. 1999), secundando as palavras de Regina Andrade Mascarenhas - neta de Amélia (entrevista, 2011) -, a jovem musicista “era obrigada* a estudar somente compositores clássicos”
 
* Amélia iniciou seus estudos de piano com uma prima de mesmo nome: Amélia Romano Brandão (discípula do Prof. Seixas e do compositor Misael Domingues). O seu segundo orientador foi José Lourenço da Silva.
 
Em seu artigo intitulado O adeus à Tia Amélia (DM Revista, 1983), José Renato Assis sugere que Amélia Brandão, ainda na infância, já demonstrava sua forte personalidade, deixando clara sua preferência “por temas folclóricos e populares”. Por fim, salienta o autor que Tia Amélia, por volta dos 13 anos de idade, passou a se dedicar também ao estudo das obras do inesquecível Ernesto Nazareth (1863-1934).
 
 
 

Ernesto Nazareth aos 69 anos, 21 de abril de 1932.
Fotografia de Nicolas. Coleção Luiz Antonio de Almeida.
Recuperada de: Instituto Moreira Salles (fotos)


 
 
Seguindo os passos de Chiquinha Gonzaga
 
Para se ter ideia dos empecilhos enfrentados por Amélia Brandão na gênese de sua relação com o piano, é preciso ter em mente que, no Brasil, o aprendizado deste instrumento, em fins do século XIX e início do século XX, era uma prática inerente ao processo educacional das meninas pertencentes às famílias mais abastadas. 
 
Ora, como bem lembra Rosa (2020, p. 217), o piano, por ser uma peça extremamente cara, tornou-se um importante “símbolo de prestígio da elite”. E mais: como um objeto doméstico, “não demorou a ser utilizado na instrução das moças ‘bem-nascidas’”. Com efeito, naquele ambiente patriarcal, era comum a realização de saraus como forma de entretenimento nos ambientes residenciais. 
 
Nesse contexto, via de regra, as sinhazinhas assumiam tal incumbência. De acordo com o professor Robervaldo Linhares Rosa (UFG), naquele cenário, 
 
As moças, ao demonstrar alguma habilidade ao piano, mais do que simplesmente fazer música, cumpriam uma função social clara, na medida em que revelavam que eram “prendadas” - garantia de “bom casamento” -, podendo dessa forma, atrair as atenções de um futuro cônjuge. (Rosa, 2014, p. 30).
 
Particularmente no caso da jovem Amélia, quase todas as suas parentes - mãe, irmãs (além de primas e tias) - eram pianistas amadoras. E, curiosamente, até mesmo o “chefe” daquela família pernambucana pertencente à aristocracia da cana-de-açúcar também tocava piano. Aliás, ao que tudo indica, o Sr. João Pereira Brandão, pai de Amélia, foi um músico profissional. Nesta condição, teria atuado na cidade de Jaboatão (PE), em três frentes: como instrumentista (pianista, clarinetista e talvez violonista), como professor e como maestro de uma banda de música. (Brasigóis Felício, 1983; Rosa, 2014, p. 199).
 
No entanto, paradoxalmente, naquele tempo, o exercício profissional na área de música, por parte das mulheres, não era bem visto pelo extrato da sociedade que definia os padrões de comportamento. Neste sentido, sintetiza Rosa (2020, p. 217): “O universo da música esteve por muito tempo de portas fechadas à presença profissional feminina”. 
 
Para piorar as coisas, no seio daquela sociedade patriarcal, cabia às mulheres uma total devoção, preliminarmente, ao pai e, evidentemente, depois de casada, ao marido. Foi justamente o que aconteceu com Amélia Brandão. Em relação a esse assunto, pode ser encontrada no livro Teatro Goiânia: histórias e estórias, de Gilson P. Borges, uma citação atribuída à pianeira1 Tia Amélia: 
 
Eu pertenço a uma época de muito rigor. Os pais muito rigorosos e, principalmente, a minha família, que não me deixava ser artista. Sofri muito. Muito e muito mesmo. Eu não tive liberdade. Nem sequer para fazer arte (...). Queriam ter uma pianista dentro de casa, me mandaram estudar na Europa [Lisboa]. Eu estudei, voltei e fiquei incubada. Não me apresentava em parte alguma. Foi um sofrimento para mim. (Palavras atribuídas à Tia Amélia apud Borges, 2007, p. 55; grifo nosso).
 
Extrai-se do artigo de jornal assinado por Assis (1983) que, ao retornar de Portugal, Amélia Brandão, embora tenha sido obrigada a sacrificar sua pretensão de seguir uma carreira artística profissional, continuou a tocar em saraus familiares. Além disso, conseguiu até mesmo realizar tímidas apresentações na cidade do Recife. Todavia, sob o pseudônimo “Lolita”. 
 
No mesmo documento há um depoimento atribuído à Tia Amélia, concernente à sua vida após o casamento aos 17 anos de idade:
 
Depois que eu casei, achei que eu ia ter a vida que sonhei. Mas foi o contrário: meu marido [José Ignácio Nery - industrial do açúcar] continuou severo como minha família. Só aos 25 anos, 27 anos, quando fiquei viúva, foi que eu fiz então o que queria. Vim a ser verdadeiramente artista! (Palavras atribuídas à Tia Amélia apud Borges, 2007, p. 55; grifo nosso).
 
É oportuno alertar que, mais recentemente, em 2021, a viuvez alegada por Amélia Brandão Nery (citação supra) foi questionada pela artista e jornalista Jeanne de Castro
 
Vale a pena informar que a pesquisadora Jeanne de Castro, motivada pelo lançamento do disco Tia Amélia para sempre (2020) do pianista Hercules Gomes, decidiu elaborar uma biografia da pianeira Tia Amélia. É o que revela João Perassolo, autor do artigo Saiba quem foi Tia Amélia, sucessora de Chiquinha Gonzaga na história do piano, publicado ao menos em três veículos da mídia nacional: Diário do Nordeste, O Tempo e Folha de São Paulo. 
 
 
Capa do CD Tia Amélia para sempre
Pianista: Hercules Gomes


Considerando as informações contidas no artigo de Perassolo (2021), as quais foram fundamentadas em um depoimento concedido por um parente de Tia Amélia, temos a seguinte versão dos acontecimentos: 
 
Decidida a se dedicar ao instrumento, aos 25 anos Amélia Brandão Nery fugiu da fazenda onde morava com o marido, no interior de Pernambuco, e se instalou em Recife com os filhos, conta Maria José Sampaio, mulher do último sobrinho vivo da pianista. Era o início da década de 1920. Nos anos seguintes, Tia Amélia se tornaria uma das principais pianistas brasileiras. (...) Depois de abandonar o marido, Tia Amélia passou a dizer que era viúva e a não mais mencionar o nome dele. Traumatizada com a relação, ela nunca mais se casou e não gostava de tocar no assunto, diz a biógrafa [Jeanne de Castro] ‘Ela não se dizia feminista, mas ela era’, afirma.  (Perassolo, 2021).
 
Seja como for, demonstrando a “força de sua personalidade” (Brasigóis Felício, 1983), aos 25 anos (aproximadamente), fugida ou não, após os anos dedicados prioritariamente às tarefas domésticas, Tia Amélia seguiu para Recife com seus três filhos. Os nomes das crianças foram elencados pelo autor (não identificado) do artigo Aos 90 anos, morre Tia Amélia (1983), um dos recortes de jornal encontrados no ICEBE. São eles: Dirceu e Clóvis e Silene.  

 

Senhora Silene Andrade (sd)
Fonte: ICEBE (Goiânia)


 
No Recife, Amélia Brandão iniciou, de forma oficial, suas atividades musicais, seja como professora de música ou como pianeira1 profissional. Por falar nisso, entre outras funções, cabia a um pianeiro se apresentar em bailes, cinema (sessões de cinema mudo ou na sala de espera) e, mais tarde, nos programas de rádio e televisão (mais detalhes: nota no final da coluna).
 
No tocante a essa fase da vida de Tia Amélia, sabe-se que, além de se apresentar em concertos, a pianeira foi contratada pela Rádio Clube do Recife. Obviamente que tal comportamento foi considerado uma “novidade entre as mulheres da elite cultural de Pernambuco”. (Dicionário Mulheres do Brasil). Nessa trilha, ao analisar a biografia de Tia Amélia, o musicólogo Robervaldo Linhares Rosa (EMAC/UFG) assevera que:
 
Tia Amélia nasceu exatamente meio século após Chiquinha Gonzaga e, como se vê, parece que quase nada mudara no que diz respeito à moral machista. (Rosa, 2014, p. 199; grifo nosso).
 
Quem não se lembra da história de Chiquinha Gonzaga? 
 
Como é sabido, essa pianista conseguiu ultrapassar as barreiras impostas pela sociedade tradicional e patriarcal de sua época tornando-se, efetivamente, uma artista reconhecida pelo seu trabalho profissional. 
 
 

Chiquinha Gonzaga (1847-1935) em 1877
Fonte: Chiquinha Gonzaga, uma história de vida - Edinha Diniz, Editora Zahar, 2009.
Foto encontrada no site: chiquinhagonzaga.com

 

 
A pianeira Amélia Brandão também escolheu trilhar esse caminho. A propósito, para o articulista João Perassolo (2021), Tia Amélia é “considerada a sucessora de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, os grandes nomes do piano nacional da virada do século 19 para o 20”. (Folha de São Paulo, 2021; grifo nosso).

Amélia Brandão em 1931
Recorte de O Popular (20/10/1983)
Acervo: ICEBE
 

Sobre as primeiras composições de Tia Amélia
 
O articulista Assis (1983) sugere que foi com aproximadamente 9 anos de idade que Amélia Brandão teria esboçado suas primeiras composições. O pesquisador Rosa (2014, p. 199), por seu turno, citando Borges (2007, p. 54), assegura que Amélia Brandão estaria com 12 anos quando, de fato, terminou sua primeira peça musical, uma valsa chamada Gratidão.
 
Brasigóis Felício (1983), ao falar da passagem de Amélia Brandão por Lisboa, ainda adolescente, quando buscava aprimoramento técnico no seu instrumento musical, também faz alusão às habilidades no ofício de compor da então jovem pianista pernambucana. Sobre isso, em sua referência, o escritor e jornalista goiano (supracitado) fez uso do conteúdo de uma entrevista anteriormente concedida por Tia Amélia a um outro jornal impresso [talvez o Última Hora3 do Rio de Janeiro, em 1977]. Nas palavras da pianeira,
 
A saudade me fez compor várias músicas, ficavam comigo, pois não podia apresentar a ninguém. Eram [consideradas] “musiquinhas”. Meu sonho era correr o mundo. Viajar. Fazer aqueles vestidos lindos. Me apresentar e ouvir aqueles aplausos assim, estourando de gente”.
 
Em 1930, Tia Amélia concedeu uma entrevista a uma revista carioca conhecida pelo nome: Phono-Arte. A primeira pergunta feita foi: 

Quando principiou a escrever música? 
 
Desde muito jovem. Compunha, porém não publicava. Lembro-me de que minha primeira composição foi uma valsa, inspirada no soneto de Bilac: “Avenida de Lágrimas”, a que dei esse mesmo título, dedicando-a aos meus paes [sic].
 
E como terceira pergunta da supradita entrevista, temos:
 
Quando escreveu seu primeiro samba? 
 
Escrevi-o há três annos [sic] por ver que o público apreciava esse gênero alegre de música ligeira e popular. Sem assinar a composição f...[ilegível] executar no Cine Theatro Ideal do Recife de cuja orchestra [sic] eu era diretora. Nessa mesma noite, perguntando ao Prof. José Lourenço [segundo professor de piano de Amélia] se havia gostado do programma [sic], respondeu-me elle [sic] que sim, e principalmente de um samba que foi executado. Não lhe disse que era meu, mas fiquei contente com a opinião do mestre e escrevi outro, mais outro, ainda um outro, já não têm conta os que tenho escripto [sic] dahi [sic] para cá.

 
Casa de Farinha
 
Enquanto casada, morando em uma fazenda, Amélia Brandão Nery pôde observar o ambiente musical característico daquele lugar. De fato, logo se interessou pelas cantigas dos sertanejos. Segundo Assis (1983), “em cima delas compôs suas primeiras modinhas”.

Data daquela época, sua composição Casa de Farinha. Sobre esse trabalho foram encontradas algumas palavras em um dos recortes de jornal - Tia Amélia, lição de vida4 (sem indicação do autor), provavelmente escrito no ano de 1977 -, daquelas fontes documentais pertencentes ao Acervo do ICEBE:
 
Casa de Farinha (...), tinha por base as coisas da terra, as lidas diárias dos trabalhadores com a mandioca e a farinha. Dona Silene [filha de Amélia Brandão] lembra que a mãe contava da satisfação que sentiu quando, sentada ao piano, começou a tocar a música e os trabalhadores foram se chegando, tirando o chapéu e cantando com ela os versos da música. E foi a partir daí que Tia Amélia se interessou mesmo pelas coisas que lembravam o povo, que podiam aproximá-la das pessoas com quem convivia diariamente. Era através da música, das canções folclóricas, que ela queria se comunicar, se fazer entender.
 

O sucesso no Rio de Janeiro
 
Certa feita, ao que tudo indica, no ano de 1929, Amélia Brandão, morando em Recife, “soubera que o músico Lupércio Miranda gravara, no Rio, uma de suas canções sem que estivesse autorizado” (Assis, 1983). A esse respeito, o texto referente à Tia Amélia no Dicionário Mulheres do Brasil afirma que a contenda envolvia a gravadora Odeon.
 
Ainda acerca disso, Raquel Ulhôa, em seu artigo Tia Amélia fecha o piano (Diário da Manhã, 1981), acrescenta que a pianeira pernambucana contratou um advogado e viajou para a cidade do Rio de Janeiro com o firme propósito de cuidar dos interesses pertinentes à sua recém-iniciada carreira artística profissional. Durante a elaboração desse texto, não foram encontrados relatos detalhados sobre essa primeira viagem à então Capital do Brasil.
 
Mesmo assim, infere-se do material analisado que, além de resolver sua contenda com Lupércio Miranda, Tia Amélia conseguiu, de alguma forma, mostrar sua arte na então Capital do Brasil. Tal fato proporcionou o seu retorno ao Rio de Janeiro, em agosto de 1930, para alguns recitais em residências de celebridades, em emissoras de rádio (Mayrink Veiga, Sociedade e Rádio Clube do Brasil), além de um grande concerto no Theatro Lyrico, em 31 de agosto. 
 
Nesta última ocorrência, a pianista contou com a participação de renomados cantores para a apresentação de suas composições: “Stefana de Macedo, Jesy Barbosa, Vicente Cunha, Sylvio Salema, entre outros”. (Bonavides, 2019).

Abaixo, um registro daquele concerto feito pela Revista Phono-Arte (1930):
 

Theatro Lyrico do Rio de Janeiro (1930)
 D. Amelia Brandão Nery ao centro,
ladeada por Stefana de Macedo (direita) e Jesy Barbosa (esquerda).
Ao lado de Stefana: Vicente Cunha (cantor)
Revista Phono-Arte, 30 de agosto de 1930, nº 46.
 
Foto publicada no Blog Marcelo Bonavides - Arquivo Nirez
Legenda original: Revista Phono-Arte, 30 de agosto de 1930, nº 46.
 "D. Amelia Brandão Nery ao centro, ladeada por Stefana de Macedo (direita) e Jesy Barbosa (esquerda).
Ao lado de Stefana vemos Vicente Cunha, o excellente cantor nortista”.
 
 
Uma declaração de Amélia Brandão a respeito de sua viagem ao Rio de Janeiro em 1930 foi publicada no Jornal Última Hora3 do Rio de Janeiro, em 1977. Seu depoimento foi reproduzido por Brasigóis Felício, em um artigo de jornal - E os dedos de Tia Amélia não tocam mais a alma do chorinho (1983):
 
Em três dias consegui ficar famosa (...). Fui para Recife, voltei logo para o Rio.
(Amélia Brandão)


A Noite, 05 de agosto de 1930, p.05 
Original: http://memoria.bn.br/
Recuperado de: Blog Marcelo Bonavides

 

Tia Amélia (áudio) - Acervo da compositora e professora Neusa França (1920-2016)
Áudio digitalizado pelo Instituto Piano Brasileiro (IPB)
https://www.youtube.com/watch?v=pEH7jPo0Qvo
Tia Amélia interpretando 38 de suas composições em um sarau na
residência de Neusa França e Oswaldo França no Rio de Janeiro,
"Em data desconhecida [c. 1959], dando uma verdadeira aula de virtuosismo e gingado!"

 


A terceira parte desse artigo disponibilizará um melhor detalhamento das atividades musicais de Tia Amélia no Rio de Janeiro, em 1930, bem como as demais informações sobre a pianeira, referentes ao restante daquela década e aos anos seguintes.


Parte 3: Tia Amélia : “O choro é imortal, bonito e brasileiro” (13/10/2021);
Parte 2: A pianeira Tia Amélia: uma legítima herdeira de Chiquinha Gonzaga (23/08/2021);
Parte 1: Amélia Brandão: uma pianista que venceu o preconceito (postado em 09/08/2021).

 
NOTAS:

1) No trecho inicial da descrição do vocábulo “Pianeiro”, oferecido pela Enciclopédia da Música Brasileira; popular, erudita e folclórica, publicada pela Publifolha (2000, p. 625), temos: “Pianista popular que tinha por profissão tocar em cinemas e nas festas familiares - bailes, casamentos (...) - do começo do século [XX]. Outras vezes, era, ele próprio, um compositor conhecido e estimado nos meios musicais (...)”. Complementa o Prof. Robervaldo Linhares Rosa (UFG), em seu livro Como é bom poder tocar um instrumento - pianeiros na cena urbana brasileira (2014), “(...) casas de música e de instrumentos (executavam as peças escolhidas pelos clientes, auxiliando-os na compra das partituras), restaurantes, bares, confeitarias, academias e ou escolas de danças de salão, e, posteriormente, já no início do século XX, salas de cinema (tanto as de espera, como as de exibição do filme mudo, para o qual eles interpretavam a trilha sonora ao piano), enfim, uma ampla gama de espaços urbanos dedicados ao entretenimento (...)”. Claro, para um bom entendimento do termo “Pianeiro”, seria necessário viajar pelos contextos histórico, social e cultural, inicialmente, da sociedade carioca, ainda nos anos “Novecentos”. Nesse sentido, Rosa (2014) salienta que “a intensificação da vida social e urbana ocorrida durante toda a segunda metade do século XIX”, somada “à formação de uma incipiente música popular feita para o entretenimento dos urbanistas, estabeleceu-se um nicho no campo musical”. Por outro lado, ”a demanda por um profissional que executasse ao piano música popular voltada ao lazer, não podia ser atendida pelas moças ‘bem-nascidas’ [e prendadas] da sociedade - que, necessariamente, tocavam o instrumento, mas quase exclusivamente no espaço doméstico - nem pelos pianistas de repertório clássico-romântico. Tal conjuntura contribuiu, de forma decisiva, para que surgisse um novo profissional: o pianeiro”. 

2) VASP (Viação Aérea São Paulo) fundada em 1933, foi uma das maiores companhias aéreas brasileiras. Teve sua falência decretada na primeira década dos anos 2000.

3) O Jornal Última Hora foi criado pelo jornalista Samuel Wainer. Começou a circular, inicialmente no Rio de Janeiro, no dia 12/06/1951. Encerrou suas atividades em 1991. Mais detalhes no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo. 
Jornal Última Hora: http://icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ica-atom/index.php/jornal-ultima-hora-2;isad

4) Não foi possível identificar o nome do autor de Tia Amélia, lição de vida. É importante mencionar, entretanto, que seu artigo foi elaborado a partir de um depoimento concedido por Dona Silene Andrade (filha de Amélia Brandão). Ademais, o texto explora partes de uma entrevista concedida pela própria Tia Amélia, em data anterior (também não mencionada) à repórter Miriam Camargo do Jornal Última Hora. Uma frase encontrada no início da matéria: “No último mês de março, segundo contou ao jornal Última Hora, Tia Amélia realizou uma apresentação (...)”. No entanto, é pertinente mencionar que Brasigóis Felício, em seu artigo E os dedos de Tia Amélia não tocam mais a alma do chorinho (O Popular, 20/10/1983) traz a seguinte revelação: “Em 1977, quando concedeu esta entrevista ao jornal Última Hora, Tia Amélia disse: “Eu não estou pensando em parar não”. Deduz-se, assim, que o artigo Tia Amélia, lição de vida foi veiculado no ano de 1977.
 

Capa do livro Como é bom poder tocar um instrumento:
pianeiros na cena urbana brasileira (2014)
Autor: Robervaldo Linhares Rosa
 


REFERÊNCIAS (livros e trabalho acadêmico)
 
Borges, Gilson P. (2007). Teatro Goiânia: história e estórias. Goiânia: Ed. UCG.
 
Borges, Maria Helena Jayme. (1999). A música e o piano na sociedade goiana (1805-1972). Goiânia: Funarte.
 
Pianeiro. (n.d.). In Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica (3ª ed.). (2000). São Paulo: Art Editora, Publifolha.
 
Pina Filho, Braz Wilson Pompeu de. (2002). Memória musical de Goiânia. Goiânia: Kelps.
 
Rosa, Robervaldo Linhares. (2014). Como é bom poder tocar um instrumento - pianeiros na cena urbana brasileira. Goiânia: Cânone Editorial.
 
Rosa, Robervaldo Linhares. (2014). Como é bom poder tocar um instrumento: presença dos pianeiros na cena urbana brasileira - dos anos 50 do Império aos 60 da república (Tese de Doutorado, Departamento de História da Universidade de Brasília - UnB).
 

REFERÊNCIAS (recortes de jornal - Acervo: ICEBE)
 
Assis, José Renato. (1983, Outubro 20). O adeus a Tia Amélia. Diário da Manhã (DM Revista), p. 23.
 
Felício, Brasigóis. (1983, Outubro 20). E os dedos de Tia Amélia não tocam mais a alma do chorinho. O Popular (Caderno 2).
 
Ulhôa, Raquel. (1981, Junho 07). Tia Amélia fecha o piano. Diário da Manhã, p. 43.
 
Aos 90 anos, morre Tia Amélia Brandão - autor não identificado. (1983, Outubro 19). Jornal não identificado.
 
Tia Amélia, lição de vida - autor não identificado. (c. 1977). O Popular (Caderno 2).

 
REFERÊNCIAS (sites/blogs)

Blog Jeanne de Castro Produções - https://www.jeannedecastro.com.br/sobre?lang=pt 

Bonavides, Marcelo. (2021, Maio 25). Relembrando Amélia Brandão Nery, a Tia Amélia. Arquivo Marcelo Bonavides: Estrelas que nunca se apagam. 
Recuperado de https://www.marcelobonavides.com/2012/10/amelia-brandao-nery-tia-amelia-29-anos.html

Bonavides, Marcelo. (2019, Janeiro 2). Recital de Amélia Brandão Nery - a música do Norte (1930). Arquivo Marcelo Bonavides: Estrelas que nunca se apagam. 
Recuperado de https://www.marcelobonavides.com/2019/01/recital-de-amelia-brandao-nery-musica.html 

Perassolo, João. (2021, Fevereiro 14). Saiba quem foi Tia Amélia, sucessora de Chiquinha Gonzaga na história do piano. Folha de São Paulo (Provedor UOL).
Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/02/saiba-quem-foi-tia-amelia-sucessora-de-chiquinha-gonzaga-na-historia-do-piano.shtml
 
Vainsencher, Semira Adler. (s. d.). Amélia Brandão [Web postagem].
Recuperado de http://www.caestamosnos.org/pesquisas_Semira/pesquisa_semira_adler_Amelia_Brandao.htm 

---
 
Na cadência dos dedos de Tia Amélia se compôs um capítulo seminal da presença da mulher na música brasileira. (2020, Abril 30). Mãos que Dançam, Sesc, São Paulo.
Recuperado de https://www.sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/14180_MAOS+QUE+DANCAM 

Pianista Hércules Gomes recupera a obra de Tia Amélia: Músicas da compositora pernambucana estão no recém-lançado álbum “Tia Amélia para Sempre”. (2020, Fevereiro 07). Jornal da USP.
Recuperado de https://jornal.usp.br/cultura/pianista-hercules-gomes-recupera-a-obra-de-tia-amelia/ 

Tia Amélia. (s.d.). Instituto Piano Brasileiro.
Recuperado de http://institutopianobrasileiro.com.br/images/view/1015




Pianeira Amélia Brandão (s.d.)
Fonte: Instituto Moreira Salles
Áudios de composições de Tia Amélia: Instituto Moreira Salles


Amélia Brandão 
Recorte de O Popular (20/10/1983)
Acervo: ICEBE

 
Tia Amélia, Fernanda Montenegro e Pixinguinha na TV Tupi (sd).
Acervo do Arquivo Nacional (RJ) - Fundo Correio da Manhã.
Foto: reprodução
Arquivo Nacional (twitter.com)




Jacob do Bandolim e Tia Amélia
Fonte: jacobdobandolim.com.br




Amélia Brandão em 1926 
Recorte de O Popular (20/10/1983)
Acervo: ICEBE
 


Amélia Brandão
Foto publicada na Revista Phono Arte (1930)
Fonte: sescsp.org.br


 
 
Recorte de um documento de identificação: Amélia Brandão (nome de solteira)
O documento (integral) foi apresentado por Gilson P. Borges no livro
Teatro Goiânia: histórias e estórias (2007, p. 54)


 


Disco A Bênção, Tia Amélia (Tia Amélia)
Seu último disco lançado foi pelo selo Marcus Pereira, o LP “A Benção Tia Amélia” quando já tinha 83 anos.
(Hércules Gomes - http://www.herculesgomes.com.br/tia-amelia/)
Fonte: Perfil Música Boa (Youtube)


01. CHORO SERENATA
02. MOSQUITA - 2:24
03. CHORO PARA MINHA FILHA - 8:15
04. PARABÉNS PARA VOCÊ, ZÉ - 11:46
05. MAESTRISSÍMO - 15.09
06. BILHETE PARA ARNALDO REBELLO - 16:51
07. CONVERSANDO COM MINHA IRMÃ - 22:23
08. MEDALHA COM G - 27:14
09. CHORO PARA FERNANDA - 30:45
10. MARIA ALICE - 33:10
11. PENAZZIANDO - 36:30
12. PARA MEUS NETOS, BISNETOS E TETRANETA - 39:40


 

LP Recordações de Tia Amélia (RCA Victor, 1961)
Fonte: Instituto Piano Brasileiro
"Em todas as faixas, Tia Amélia ao piano, com acompanhamento de orquestra não-identificada"
 
01. Tia Amélia - Cuíca no chiro
02. Anônimo - Saudades de Ouro Preto (arr. Mozart Brandão)
03. Tia Amélia - Para vocês sobrinhos
04. Eustórgio Wanderley e J. Batista - Cruel separação
05. Tia Amélia - Bom dia Radamés Gnattali
06. Frealdo Maga e Raul Pimpolho - Jupe-Culotte
07. Jorge Galatti e Raul Torres - Saudades de Matão
08. Tia Amélia - Choro, eu te adoro
09. Arnaldo Rebello - Valsa amazônica No.4 "Coração de ouro"
10. Tia Amélia - Elisa Maria
11. Alfredo Gama - Nicinha
12. Alfredo Gama- A bordo

 


Bordões ao luar, de Tia Amélia, interpretado pela compositora.
Fonte: Instituto Piano Brasileiro

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
  • 24.08.2021 00:02 Andréa Luísa Teixeira

    Excelente matéria. Obrigada Prof. Othaniel Alcântara. Matérias como essas, com belíssimo trabalho de investigação trazem à tona a importância de Amélia Brandão, e dessa forma, exaltada como merece. Muitos parabéns!

Sobre o Colunista

Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara

Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351