Luzia já contava com cerca de 12.000 anos quando foi exumada de seu leito de morte, retratando uma mulher africana de que somos todos filhos americanos.
E eis que ressuscitou entre nós quem há muito jazia.
Decerto que cremação não era o que ela intencionava, senão restos não haveria.
Não haveria mesmo algo sólido que pudesse ser em rocha fossilizado, esse porta-retrato de um tempo profundo, através do que pudemos divisar sua face negroide.
E rebatizá-la, a par e passo de Lucy, o esqueleto mais antigo de uma Australopitecus afarensi, como Luzia “in the sky...”: o fóssil humanoide mais antigo das Américas, mostrando que somos mesmo parte de um Novo Mundo e filhos e filhas de um Velho Mundo, bem mais velho que se tem notícia (mama África).
E depois que essa luz foi projetada sobre Luzia, tornou-se uma estrela da Antropologia. Graçou o Mundo essa nossa andarilha de 12000 mil eras, num tempo em que, no crescente fértil, o Homo sapiens sapines já começava, no Holoceno, uma vida de hábitos sedentários, que lhe adveio da domesticação de animais e plantas e que disparou esse processo civilizatório em que hoje nos embriagamos.
Mas nas suas andanças Luzia (seja lá qual fora seu nome sem batismo) por certo não imaginaria, nem no seu mais remoto pesadelo, reviver para, de pronto, morrer de novo queimada viva.
E num cadinho que, se não reduzir a cinzas o seu retrato fóssil, ainda que um tal ponto de fusão milagrosamente não se tenha alcançado, exibe um retrato mórbido de nossa própria história, pela vida, morte e vida de nossa mais ilustre severina.

*Cleuler Barbosa das Neves é Procurador do Estado de Goiás e professor da Faculdade de Direito da UFG