Goiânia - Não é raro encontrar matérias ou pesquisas que falem sobre o tempo excessivo que os adolescentes passam no celular. Cada vez mais conectados, eles aprenderam rápido como socializar online: se mostrando interessantes. Porém, quando esse mostrar o melhor de si esbarra com outros milhares de usuários com o mesmo propósito, muitos jovens acabam se sentindo frustrados por vidas superexpostas que sempre parecem mais felizes e bacanas que as deles. Porém, esse é apenas um modo de uso das redes sociais, mas existe outro, que vêm se tornado cada vez mais popular entre os adolescentes, o RPG de Instagram.
O jogo de imaginação que nasceu nos anos 80, o Role-Playing Game, ou popularmente chamado de RPG, é caracterizado pela prática grupal de atuar um personagem dentro de uma narrativa inventada. O jogo, que se sustenta basicamente através dos relacionamentos criados entre personagens, se caracterizava por encontros esporádicos onde pessoas fingiam ser magos, trasgos, ou qualquer outro elemento fantasioso que assim se quisesse. No entanto, com o alto alcance das redes sociais, parece muito mais cômodo utilizar um personagem virtual, que pode ser criado através de uma simples conta no Instagram, para dar vida a um personagem de forma mais realística.
E assim tem ocorrido. Milhares de adolescentes tem criado contas no Instagram fazendo uso de imagens e vídeos de personalidades famosas, como por exemplo o Justin Bieber, para representar e atuar dentro da rede um personagem que tem personalidade, rotina e relacionamentos próprios — que podem ou não se assemelhar com a realidade da pessoa por trás da tela. Considerando que um dos recursos do Instagram é incentivar a prática do autorretrato, que expõe e enaltece a imagem física do usuário, o jogador de RPG, em geral adolescente, usa a rede social para enaltecer a imagem física de seu personagem.
Como isso pode vir a se tornar problemático? Bem, como se sabe, a adolescência é uma fase transitória entre a infância e vida adulta, e a construção do eu, a forma como o indivíduo se enxerga nessa fase da vida, está em um período de forte influência externa. Dessa forma, enaltecer um personagem com características físicas que pouco se assemelham com a do jogador real, pode gerar um conflito, ou até mesmo um reflexo, sobre a não aceitação do eu.
É possível levantar esse debate de forma bastante dedutiva ao navegar por perfis de personagens de RPG de Instagram, e constatar que, por exemplo, nenhum deles é gordo, negro, pardo, e, para resumir, quase nenhum possui traços que vão contra aos padrões eurocêntricos de beleza. O que torna o fato mais interessante é saber que segundo o IBGE, em 2016, 55% dos brasileiros se consideravam negros ou pardos. Ou seja, mais da metade da população não é branca, contudo, os adolescentes escolhem ser representados por tais perfis. De forma subjetiva ou não, o RPG de Instagram tem dado ao jovem jogador, a chance de florescer um desejo de ser alguém que não é.
*Este texto faz parte de uma pesquisa de iniciação científica com recorte no audiovisual em streaming, vinculada ao programa de iniciação científica da UFG.
Jéssica Farias é pesquisadora júnior e participa do Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Lara Lima Satler é orientadora e pesquisa Cinema e Vídeo em Streaming na Universidade Federal de Goiás (UFG)