Goiânia - Sabe aquele comentador que acha entender todos os assuntos do universo? Ou aquele silêncio de quem não tem resposta, emitido por nossas mães e pais quando buscamos consolo? Ambas as situações — não sabermos e acharmos que sabemos, ou sermos especialistas e acharmos que precisamos saber mais — são dois lados da mesma moeda.
Excesso de confiança na sala de aula
Há uns anos, logo após a Faculdade, estava aprendendo alemão. Não me recordo muito do idioma, mas o incidente ficou gravado na memória. Após a prova uma colega, confiante, me disse que sua nota seria invejável! O professor, meu amigo, comentou que não sabia como dar a notícia da nota, já que ela não acertou nenhuma pergunta mas estava muito confiante. Naquele instante fui remetido às aulas na escola, quando os melhores alunos diziam estar preocupados com as provas e os piores acharem que finalmente se deram bem! No mundo que vivemos hoje, percebo diariamente esse fenômeno na vida do ser humano comum. E o seu nome: Efeito Dunning-Kruger.
O estudo que originou tudo isso
Num total de quatro experimentos, David Dunning e Justin Kruger analisaram a competência em gramática, raciocínio lógico e humor de algumas pessoas. O que você acha que ocorreu? Aquelas que se diziam mais competentes eram justamente os que demonstravam menor competência! Ainda que paradoxal, quanto maior a incompetência da pessoa, menos consciente ela é dela; e as mais competentes subvalorizavam seus conhecimentos e competências. E aí nascia o fenômeno que poucos conhecemos, mas muda o mundo: o Efeito Dunning-Kruger!
Adicionalmente, os psicólogos concluíram também que pessoas sem competências em determinadas áreas de conhecimento são (1) incapazes de detectar e reconhecer essa incompetência (como um ponto cego no carro) e (2) não reconhecem competência em outras pessoas (o que explica uma aparente arrogância!).
O lado bom da pesquisa é que as pessoas tendiam a perder essa presunção e percebiam suas limitações à medida que se tornavam mais competentes.
O absurdo que originou o estudo!
Nos idos anos de 1990 ocorreu um feito único! Na cidade de Pittsburgh (EUA), McArthur Wheeler (44 anos) assaltou um banco em plena luz do dia… sem máscara para proteger a identidade! Segundo os relatos, quando foi (obviamente!) preso não entendeu como o reconheceram!!! Sua resposta “mas estava coberto de suco de limão!”. Tudo começou quando dois de seus amigos, afirmaram conhecer dados que confirmassem que assaltantes revestidos com suco de limão não são reconhecidos. Wheeler não era tonto: testou a hipótese e tirou uma foto de si mesmo coberto de suco de limão. O ângulo e o enquadramento eram tão ruins, que seu rosto não apareceu — o que, para ele, confirmou: suco de limão protege a identidade!
Quando Dunning, professor de Psicologia Social da Universidade de Cornell, soube disso, se perguntou: “será que nossa incompetência nos impede de ver a própria incompetência?”
Só sei que nada sei…
Séculos antes, alguém perguntou ao Oráculo de Delfos se havia alguém mais sábio que seu amigo Sócrates. A resposta? “ninguém”. Socrátes ficou incomodado com a notícia e assumiu como missão provar que o Oráculo estava errado. Circulou toda Atenas e falou com as pessoas mais notórias e sábias. E percebeu que as pessoas sabiam fazer poucas coisas: poetas usavam palavras, artesãos usavam o comércio e políticos usavam suas mentes. Todos tinham uma coisa em comum: achar que não precisam de mais nada porque atingiram o ápice da sapiência.
Sócrates, que se sentia o mais ignorante dos seres, olhou para a situação e concluir sua célebre frase “só sei que nada sei”. A verdade é que a frase continua… “Sabendo que nada sei, ao menos sei mais que aqueles que pensam que tudo sabem e nada sabem”.
O que realmente ocorre?
Todos os casos aqui apresentados oferecem o mesmo aspecto da realidade: quando temos uma informação, tendemos a apoiar nela e fazê-la suficiente. Ela se torna um mantra que defendemos com unhas e dentes. “Só sei que nada sei” é o mote para não julgarmos apressadamente e vermos outras perspectivas.
Em suas obras, Viktor Frankl frequentemente nos recorda do conceito de vazio existencial. Porventura esse vazio é mais presente do que pensamos. O ser humano gosta de certezas, e foge dos vazios. Os vazios levam a dúvidas, que levam aos medos. As certezas nos permitem navegar num mar de tribulações. O problema é que se não forem preenchidos nos perseguirão.
No mundo que vivemos, a cada ataque de um grupo contra o outro, cria-se um fosse entre ambos. O ser humano comum (você e eu) olhamos para esse vazio e queremos colocar algo nele e colocamos a primeira “informação” que alguém nos dá. Pode ser uma notícia falsa de alguma rede digital, um boato no trabalho ou uma fofoca de bairro. E isso se torna verdade. A mentira se torna mito e o mito se torna sagrado. E preenchemos o vazio com a coisa errada!
O caminho da Logoterapia
Frankl fala em três caminhos para preencher o vazio. Oferecendo nossos talentos e habilidades ao mundo, sendo dignos de amor do mundo, ou sofrendo com a cabeça erguida com o mundo. Quando estamos com os outros, não temos tempo de sucumbir ao vazio, porque apoiamos uns aos outros. Quando lutamos contra os outros, todos caímos no vazio… juntos!
Então, há apenas uma forma de preencher o vazio, e não é informação — porque ela pode ser verdadeira ou falsa. É a sabedoria de me conhecer, perceber minhas competências, querer me desenvolver e, em paralelo, saber interagir com o mundo.
Um estudo realizado na Universidade de Wellington revelou que 80% dos motoristas se acham acima da média (estatisticamente nem faz sentido, né?). E, se assim fosse, não haveria tantos acidentes de viação no mundo! Se usássemos nosso talento automobilístico para cuidar do trânsito (oferecer meus talentos) ou respeitar os demais motoristas, ciclistas e pedestres (ser digno do amor), o trânsito seria bem melhor, não é?
Achar que sabemos mais não é prejudicial apenas para nós, mas nos separa da sociedade. Sobre-estimar nossas capacidades, impede aprender com os nossos erros; mas ao ser capaz de aceitar a pedra de tropeço, sofrer com ela, vejo como os demais se levantaram e ajudam outros a se levantar.
A solução?
Usarmos a nossa liberdade de consciência (mais que a de expressão) para redescobrirmos a nossa responsabilidade (mais que a culpa do outro) por nossos fracassos e erros.
– Ter consciência que existe mais informação do que aquela à qual tenho acesso;
– Deixar sempre um espaço entre as certezas, para que as dúvidas, como uma brisa possam refrescar nossa mente e nos levar a pensar e fazer diferente;
– Opinar… respeitando os demais.
Basicamente, agir no que nos compete e sermos dignos de amor!
Sam Cyrous é psicólogo (CRP 09/8178), logoterapeuta, psicoterapeuta de casais e família, StoryTeller, curador do TEDxGoiânia