Encarar a dura e mais verdadeira realidade desta vida é certamente uma das principais perturbações que já notei nas pessoas com quem divido o assunto. A morte, semelhante à vida, é misteriosa e indecifrável. Até mesmo sob o mais carinhoso afago, senti-la é sobretudo cruel, mas ainda assim tarefa de nós todos.
Nestes dias pandêmicos, cessaram-se tantas vidas, e atingiram-nos abalos ainda imensuráveis pelo homem que escreve a história em tempo real.
Encará-la como ameaçadora, porém, talvez não seja a saída ideal àqueles que da morte pretendem se esquivar. Sua dor é muito além da angústia por atravessá-la. A perturbação mora justamente no fato de entendermos que tudo conta com prazo de validade.
Como em uma ampulheta, o prazo escoa e se perde em grãos pequeninos de memórias tão bem guardadas que acabam esquecidas. Cuidamos tanto de nossos medos, ansiosos, que deixamos de enxergar a areia - aquele grão de vida e existência - que escorre por entre os dedos.
Todos os dias assim. Intensos. Oito e oitenta. Feliz e triste. Vida e morte. Se estando ou não, o ideal neste caso é não haver algum. Mas talvez seja sinal de maturidade entender a posição correta do nó na linha da vida, para não desbalancear nem de lá, nem de cá.
Como andar na corda bamba, carregando uma mochila cheia de sentimentos, muitos dos quais sequer se lembra. E então, como se fosse uma pena, cai e desaparece no nada. No abismo da existência, com seu prazo inevitável e cruel de validade.
Há, entretanto, os que entendem destes tempos - efêmeros dum tanto - e tomam algumas atitudes para marcar este mundo. É sobre perceber a vida e pintá-la com suas próprias cores, principal e necessariamente se bem intencionadas.
As boas intenções, porém, sequer existiriam sem as más. Assim como não há vida sem morte. Seja por destino ou sorte, seguir em caminhada é o que há. Passos largos e curtos, rasos e profundos, em uma estrada cada dia mais incerta. E nas incertezas encontramos a razão.
*Théo Mariano é jornalista e atua como repórter e colunista no jornal A Redação